Tu Me Amarás escrita por MuriloVonNachtwind


Capítulo 3
III




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Escobar continuava ansioso, sem compreender nada. Não saía mais de casa, quase. Os amigos o convidavam, ele inventava uma febre, dizia que tinha uma tosse seca e que talvez fosse caso de estreptomicina. A família começou a ficar preocupada. Só saía de casa para a Redação, e dela pra casa, como fosse uma máquina de trabalhar. Não que trabalhasse por obrigação, é que o trabalho o distraía. Mas às noites sonhava com Bruxas que diziam como as do Bardo:


- Salve Escobar, aquele que será amante de Pombinha!
- Salve Escobar, que a amará até que ela morra!
- Salve Escobar que enfim conhecerá o Amor!


        Escobar para, ainda semionírico, já consciente de seu pesadelo. Pesadelo sim, pois tinha medo. Tremia diante das bruxas assim como o rei que dá nome à Peça Escocesa. Mais consciência assoma: pois então estava com bruxas que previam o futuro. Não se lembrava de onde já lera isso. E tal fato não admira, já que nos sonhos estamos sempre numa consciência esquecida, que só compreende aquele lugar, casa de Morfeu, e do que está de fora nada se lembra. Percebe que as profecias eram só para si, e se referiam a Pombinha. Lembrava-se de Pombinha. Quis saber dela, com a mesma avidez que Banquo quis saber de si.


- Mas que estranho que é, assim, temer tão belas e boas profecias? Em nome da verdade, imaginárias sereis realmente, ou o que mostrais por fora? Fui saudado com boas profecias por vós, de real valia e grande predição de amores nobres e de real esperança, que parece que estou arrebatado. Porém nada me dissestes de Pombinha. Se podeis ver a seara do tempo e predizer quais as sementes que hão de brotar, quais não, falai comigo, que não procuro nem receio vosso ódio ou vosso favor.


- Salve – disse a primeira!
- Salve – disse a segunda!
- Salve – disse a terceira!


- Salve Pombinha, menor do que Escobar, porém maior!
- Não tão feliz, mas muito feliz!
- Que não morrerá enquanto não for amada!


- Salve Escobar e salve Pombinha! a todos, salve!


        Acorda assustado. Lembrou-se de Macbeth. Profecias como estas não podiam terminar bem. Previa algo terrível. Olhou o relógio. Cinco e meia. Batata. Estava mais regular que um suíço, mais pontual que um inglês. Levantou, se arrumou e tomou o rumo da Redação. Olhou-se no espelho e estava com um aspecto péssimo. De fato, comia e dormia mal. Não espantava se aquela “febre branca” de araque se tornasse real. Podia morrer. E se ele morresse, Pombinha seria então imortal? Tolices. Saiu.
        Era seu costume parar na Colombo e comer qualquer coisa, tomar um café e ver a gente que passava. Tomava seu café enquanto lia a última edição de “Última Hora”. E quando lia os próprios artigos, seus olhos se transformavam. Aqueles olhos de Raskolnikov misantropo se transmutavam em olhos de uma mãe que vê crescer um filho caçula. Por pior que fosse o artigo, o que vez ou outra o incomodava como uma pedra no sapato, ele ficava alegre. Levanta os olhos. Percebe, na rua, Pombinha. Paga a conta apressadamente e segue em seu encalço. Corria como um galgo, um cavalo de raça, um Pégaso. Mas Pombinha era lesta e não se deixava alcançar.
Pombinha percebia que era perseguida. E gostava do jogo de inversão – sabia que agora que era ele quem o perseguia, agora não a resistiria. Sucedeu então um jogo interessante. Um pique-pega pelas ruas do Centro. Passaram as mais estreitas ruelas como duas crianças num parque gigantesco. Chegaram à Avenida Rio Branco, recém-inaugurada no ano anterior. Ela ri. Ele se aproxima. Ela foge de costas. Ele se aproxima. Ela faz menção de movimento, mas sem perceber, já estava na rua – e um carro desavisado a acerta em cheio. Ela cai alguns metros à frente, rubra. Escobar corre mais uma vez e para diante dela.
        Ela sorria. Não estava morta, ainda. Tinha forças e queria usá-las. Ele quis impedir, estancar esse e aquele ferimento, gritar por alguma ajuda, mas ela ignora tudo e fala:


- No Parque. Naquele dia. Tinha uma cigana. A cigana disse que naquele dia eu encontraria o homem que me amaria até a morte.  – cospe sangue, depois fraca – eu não acreditei, achei graça. Mas quando vi você – tosse, depois quase afônica – Eu estava perfeitamente certa de que era você meu homem. Aquele que me amaria até a morte.
- Não fala.  – desesperado – Não fala em morrer.
- Tu me amas.
- Cala-te boca, mulher. Poupa as forças.
- Tu me amas – ela começa a perder os sentidos. – Confessa.
- Eu te amo. – e se apercebendo que ela morria, a beija na boca com uma paixão de Hollywood. – te amo.
- E eu morro.  – Ela ri – Viu, a cigana estava certa.
- Que certa, mulher? Você está delirando.
- Fui amada até a morte. Quantas tiveram esta sorte? Eu tive.
- Pombinha...
- Muito obrigada. – disse e morreu.
- A felicidade – ele disse de si para si. – É, como o amor, uma árvore de áureos pomos. (ri) Existe, sim: mas nós não a alcançamos. Porque está sempre apenas onde a pomos.


- E nunca a pomos onde nós estamos.  – disse uma voz desconhecida. Olhou em volta. Uma multidão de curiosos olhava a cena, um com olhos de pena, outro de horror, outros de inveja, outros vazios. Mas todos mudos.


        Reparou então nos próprios olhos. Olhou alguns instantes para o cadáver de uma forma tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas... Muitos saíam, outros ficaram; e o cadáver parece que o retinha também. Momento houve em que os olhos de Escobar fitaram o defunto, quais de viúvo, sem o pranto nem palavras de um, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também a nadadora da manhã que se afogava num mar vermelho.
        Poucos olhos ficaram, e eram ainda mais mudos. Concluiu, então, que há de fato muitos olhos no mundo, mas poucas bocas. Só podia ser ele mesmo quem completou a própria frase. Própria não, roubada de Vicente de Carvalho. Mas tão cabida que não se lhe poderiam cobrar direitos autorais.



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