A festa já adentrava a madrugada quando Nathallie chegou à metade de uma garrafa de Jack Daniel’s, fazendo com o que o garçom hesitasse em atender o pedido da ruiva e lhe servir mais uma dose.

- Qual é? Eu estou bem. Perf... – ela vacilou e interrompeu a fala, levando a mão à boca para abafar um soluço – Perfeitamente bem. – concluiu a frase, arrastando um pouco a língua.

- Mas moça... – o rapaz ainda tentava adverti-la, pois sentia pena em ver uma mulher tão jovem e bonita beber daquela forma.

Não era preconceituoso, do tipo que acha deselegante uma mulher consumir bebidas alcoólicas, mas a ruiva diante de si estava se excedendo e se continuasse naquele ritmo, acabaria por passar mal, e quem sabe até dar algum tipo de vexame, do qual se arrependeria amargamente na manhã seguinte.

- Pode deixar. Eu cuido dela. – um rapaz de no máximo vinte anos interrompeu o garçom, ao mesmo tempo em que tomava nas mãos o copo servido com a bebida que estava na bandeja que o funcionário trazia consigo. – Posso sentar? – voltou-se para a ruiva, entregando-lhe a dose.

- Pode. – ela suspirou e deu de ombros, sentindo-se um tanto sem escolha.

Não gostava daquele tipo de abordagem, lhe parecia tão clichê e forçada. E além do mais, não estava com humor para cantadas e coisas do tipo. Queria apenas beber e desmaiar em paz. Era pedir muito?

O rapaz sentou-se e abriu um sorriso canalha quando a encarou, o que fez o estômago de Nat revirar. Bem, talvez fosse o excesso de álcool, afinal, não havia ido encontrar Julie quando dissera à Derrick que iria; bebera sua cerveja e logo passara para o Jack Daniel's, enquanto observava as pessoas se divertindo e questionando-se sobre o motivo de não conseguir ser daquele jeito. Era mesmo uma masoquista incorrigível, pensou, abrindo um sorriso amargo para si mesma, esquecendo-se do rapaz diante de si.

- Você não acha? – o homem questionou-a, sem notar que ela não havia prestado atenção em uma só palavra do que ele dissera.

- Claro. – concordou aleatoriamente, sem importar-se com o assunto.

Sentia-se incomodada com a presença daquele desconhecido, e a irritava ainda mais o fato de ele não perceber. “Homens” –  ela pensou já aflita para dar logo o fora dali.

Bebeu um gole a mais de sua bebida, enquanto o homem diante de si emendava uma conversa qualquer sobre como havia conseguido bater sozinho em três caras em um bar da Rua Augusta, em São Paulo. Ela fez uma careta ao sentir o gosto de sua bebida; havia gelo demais, e a bebida acabara ficando diluída demais para ela.

- Quer isso aqui? Não vou beber, está aguado. – ela disse, empurrando o copo para o homem, interrompendo-o.

Ele surpreendeu-se com a atitude da ruiva, e também não sentiu-se muito satisfeito em ter sido interrompido no que ele julgava ser a melhor parte da história que estava contando, no entanto, planejava ganhar a noite com aquela garota. Ela era de fato difícil, mas ele faria de tudo para impressioná-la, pensava consigo mesmo ao aceitar a dose da qual Nathallie havia bebido no máximo três goles. Virou o conteúdo do copo de uma só vez, sentindo a garganta arder. Estreitou os olhos, sentindo-os quase lacrimejarem. Por Deus, o que ela tinha no lugar do fígado? Se para ela aquele whisky estava aguado, não queria descobrir como ela costumava apreciar a bebida.

Nathallie percebeu a reação do rapaz, ainda que ele tivesse tentado bravamente disfarçar. Teve vontade de gargalhar na cara dele, mas se conteve; estava bêbada, mas não havia perdido a consciência de seus atos ainda. Não seria uma boa ideia fazer aquilo naquelas circunstâncias.

- Querido, se me dá licença, vou retocar a maquiagem e dar uma olhada no meu cabelo, sim? – ela mentiu, forçando um sorriso cordial – Volto já. – tornou a mentir. Não voltaria àquela mesa nem por um decreto.

Girou sobre os saltos sem ao menos esperar que o homem lhe dissesse alguma coisa. Saiu pela festa procurando Julie para comunicá-la de que iria embora. Caso a amiga insistisse muito, inventaria uma dor de cabeça, um enjoo, ou qualquer coisa do tipo. Andou por entre as pessoas, e não levou muito tempo para que encontrasse a loira; estava em um mezanino aos beijos com “Andreas ‘recém separado’ Kisser”. Ela riu um pouco aliviada, pois Julie estava se divertindo e não sentiria sua falta. Sem querer interrompê-la, procurou a saída do salão de festas do hotel.

O barulho havia se dissipado quando ela alcançou o saguão, e a música tocada pela banda de trash metal que se apresentava na festa podia ser ouvida muito vagamente. Estacou por um instante e observou o elevador a poucos metros de si; não queria subir para o quarto ainda, mas também não queria voltar para a festa, tampouco sabia para onde queria ou poderia ir àquele horário.

- Dá pra ser um pouco mais indecisa, ou tá difícil, Nathallie? – ela resmungou para si mesma, tomando a direção da porta principal do hotel.

A mulher caminhou alguns metros na direção oposta ao prédio, sem pretensão alguma e já sem nenhum pensamento específico em mente, porém, por entre seus lábios, o trecho de uma canção era cantarolado: “No one knows what is like to be the bad man, to be the sad man, behind blue eyes” – fazia uma bela madrugada, ela reparou. O céu estava repleto de estrelas e a lua em quarto crescente, deixava um frio prateado entre os inúmeros pontos brilhantes. Lembrara que viajara ouvindo a versão de Limp Bizkit para Behind Blue Eyes e a letra saiu automaticamente de suas cordas vocais. Não que cantasse bem, estava longe disso, aliás. Mas quando estava sozinha, principalmente em momentos de extrema distração como aquele, inúmeras vezes flagrava a si mesma cantarolando ou assobiando alguma música de seu agrado. Vez ou outra sentia-se constrangida, seu rosto ficava quase tão vermelho quanto o tom de seus cabelos. Não gostava de sua voz, nem de ser notada; as duas coisas ao mesmo tempo eram o fim para a ruiva. Mas naquele momento não havia motivos para sentir-se desconfortável, já que estava completamente só. Ao menos ela pensava que estava.