Estavam os dois lá, Ville e Lara, um diante do outro, perto da pista de dança do clube. Ninguém falava nada. Ninguém se movia. Eles só se mantinham parados, pasmos, se olhando. Quem diria que eles iriam se encontrar? Ainda mais, quem diria que iriam se paquerar? Que situação...

Ville estava desnorteado. Resolveu ficar ali parado, sem dizer nada. Era melhor evitaria brigas, evitaria problemas, evitaria qualquer mal. Mas aquilo estava o deixando desconfortável. Aquele olhar de surpresa, com um tom de desaprovação estava acabando com ele. Ainda mais por estar vindo dela, sua Lara, sua menina. Estava perdido!

Lara sentia-se confusa. Porque ele tinha vindo justamente àquele clube? Porque ele estaria a cortejando, sendo que prefere homens? Será que realmente preferia homens? E se não, quais as verdadeiras intenções dele com ela? Será que ele nunca se importou? O que ele queria? Tinha tantas perguntas... Todas elas se resumiam em um olhar que misturava a surpresa de tê-lo encontrado ali, a desaprovação do cortejo, as dúvidas que tinha e a vontade de sair correndo dali, se trancar em casa e morrer. Essa última sendo a mais forte.

Ele não agüentava aquele olhar reprovador em cima dele. Sabia que tinha feito algo bem errado e que precisava esclarecer tudo, mas não conseguia exprimir uma palavra sequer. Só continuava lá, a olhando e sendo olhado. Tinha medo do que aconteceria em seguida, então resolveu continuar aquele momento ruim. Percebeu que ela estava para sair. Jogou duas notas quaisquer sobre o balcão e saiu correndo. Ville respirou fundo, era agora. Correu atrás dela.

A vontade de ir para casa e desistir aumentava e aumentava. E foi o que fez. Jogou duas notas de R$ 100,00 no balcão e saiu correndo, não se importando com os olhares alheios ou os olhares dele. Nada mais importava, estava triste. Queria respostas, mas ao mesmo tempo, sentia que não as queria. Estava, acima de tudo, confusa. Correu até sua casa, conseguiu chegar ao portão antes de Ville, mas se atrapalhou com as chaves, deixando-o alcançá-la.

- Lara, – chamou, pegando no braço dela – me deixa explicar tudo, por favor. É simples, mas você precisa me dar uma chance de me explicar!

- É simples? Então porque não me contou antes? Queria mais uma mentira na bagagem da sua coleguinha suicida pra ela se matar de vez? – questionou, irritada.

- Não é assim... – o tom de voz de Ville ficava cada vez mais triste.

- Ah, não? – cortou. – Então como é? Me conta! Quis se fingir de gayzinho pra ganhar a nossa confiança? Que mentira mais baixa.E qual a finalidade dela, afinal? Que me ganhar, no fim, você não conseguiu!

- Me deixa explicar!!! – gritou, já irritado. Lara calou-se. – Primeiro, vamos entrar. Não vai ser legal te contar tudo isso aqui, não acha?

Eles entraram em casa. Como sempre, Lara foi direto para o sofá. Ville sentou-se ao seu lado, timidamente. Ele estava realmente apreensivo, tanto que manteve uma distância “segura” dela.

- Ok, já estamos aqui dentro. Agora me conta tudo. Toda a verdade, não me esconda nada!

- Bom, sou Ville Hermanni Valo, nasci no dia 22 de novembro de 1976, portanto, tenho 34 anos. Sou de uma cidade no interior da Finlândia, mas fui criado na capital, Helsinki...

- Tá, só o que me interessa. – interrompeu.

- Só o que interessa? Vejamos... Eu tinha uma banda relativamente famosa no nosso país, HIM, ganhei muito dinheiro, me divertia muito, éramos muito amigos, mas estamos em um momento de pausa. – comentou, tristemente. – Assim que essa pausa começou, há mais ou menos oito meses, eu resolvi vir ao Brasil, já que sempre fui fã do país, tanto que você percebe o meu bom português, não é? Ao chegar, fiquei realmente encantado com o lugar, as pessoas, e principalmente as mulheres... Todas lindas. Parecem esculturas divinas. Precisava “prová-las”. Sim, comecei uma vida de boêmio: mulheres, bebidas, sem trabalho, sem futuro. Todas elas caiam na minha conversa do estrangeiro bem educado, ou do vocalista boa pinta. – deu uma pausa e riu. – Pois é, isso é muito bom. Mas custa caro. Muito caro. E meu dinheiro foi acabando. Eu precisava de um trabalho, mas rápido e provisório, já que logo eu gostaria de voltar à Finlândia e retomar os trabalhos com a minha banda. Foi aí que eu vi o anúncio que sua mãe tinha colocado no jornal. Foi aí que começou a mentira. Eu a contei que entendia bem como as mulheres ficavam depois de uma separação. Ela me perguntou o por que. Eu sabia que não podia contar que as levava para a cama e fim, então inventei que era gay, então acabavam confiando mais em mim. E aí desenrolou.

Lara fazia uma cara completamente espantada. Ville temia sua reação, mas manteve-se em silêncio, para evitar o pior.

- Você inventou uma mentira grande dessas só por isso? E-eu não acredito! Você é tão... Baixo! Como pude acreditar em você? E pior: como pude gostar e me apegar a você? Me nego a digerir tudo isso.

- Lara, não seja injusta comigo. Sabe, eu improvisei, não pensei nas consequências. Me perdoa.

- TE PERDOAR? PERDOAR?! Você só esta aqui por causa de uma mentira! E a sustentou por três semanas! TRÊS! Tem noção? Se isso não tivesse acontecido, por quanto tempo mais você esconderia? Olha, é melhor, vai embora. Me deixa aqui. Não quero receber cuidados de um mentiroso. Vai embora e nunca mais volta. – Ville se assustou e vacilou por alguns instantes. Lara esbravejou. – VAI! É minha palavra final.

Então Ville saiu. Com o coração partido em mil pedaços. Nunca imaginava que ouviria palavras tão duras da sua Lara. Ele realmente estava apegado. Seria duro demais. Mas tinha que ir, já que esse era seu pedido.

Lara não tinha certeza da sua decisão. Estava de cabeça quente. Precisava dos seus calmantes, precisava dormir. Amanhã era outro dia, ela poderia assimilar melhor tudo que tinha ouvido. Naquele momento, ela só queria deitar em sua cama e fingir que tudo não passava de um grande pesadelo.