Acordo com a claridade incomodando meus olhos. Já ia pedir para fechas as cortinas, mas lembrei que estou na arena. Abri meus olhos e lentamente me sentei. Soltei a corda e o saco de dormir. Os guardei na mochila e desci com um pouco de dificuldade.Coloquei minha mochila nas costas e comecei andar. O meu objetivo - além de sobreviver - é chegar a um lugar onde nenhum tributo me encontre.

Enquanto caminho, começo a bolar um plano para conseguir o arco e flecha. O plano é arriscado, mas é o melhor que eu tenho. Paro por um momento, e, pela primeira vez observo a arena. Terra escura, árvores grossas, céu nublado e uma névoa aparentemente normal que chega aos meus tornozelos.O vento - que percebi estar quase sempre constante - batendo em meu rosto e fazendo meus cabelos balançarem me faz lembrar do frio do Distrito 3.

Retomo minha caminhada com os pensamentos longe daqui. Com os pensamentos no Distrito 3. Sei que é provável que eu não volte... Mas... Eu não quero ser só mais um tributo. Entenda, se for para eu morrer, que seja com honra. Como meu irmão.

É pertubador me lembrar daquilo.

Foi há três anos, na minha primeira colheita. John estava com 17 anos. Eu não estava conseguindo dormir por medo de que John, eu ou Carla fôssemos sorteados. Naquela semana, John havia me mostrado as bibliotecas clandestinas. Enormes casarões velhos e supostamente abandonados. As janelas e as portas da frente estão barradas com tábuas e pregos. Nos dias escuros, os rebeldes guardaram livros velhos nesses casarões, com o propósito de esconde-los da Capital, para que algum outro cidadão do Distrito 3 os descubra e passe os ensinamentos para frente. O velho Mortimier conseguiu entrar na casa, e desde então algumas poucas pessoas vão lá.

Dentro de um livro muito gasto, com páginas amarelas e frágeis, Mortimier encontrou uma carta - provavelmente escrita as pressas - em um envelope colado na contra capa, onde essa carta estava. Ela é pequena,mas explicou o suficiente. A letra borrada e embolada teve um pedaço decifrado."Faça com que o máximo de pessoas leiam esses livros. Podem ajudar a derrotar a Capital".

Entendo porque aqueles livros poderiam ajudar. Livros velhos e empoeirados com títulos como "A Revolução Francesa" e "Declaração da Idepêndencia"¹. Se a Capital descobrisse aquilo... Provavelmente queimariam os livros e fuzilariam quem tivesse contato com eles.

Voltando a colheita. Não conseguia dormir de modo algum. Ficava girando na minha cama. Chegou um ponto que eu não aguentava mais. Me enrosquei na minha coberta e fui andando por ai. Quem sabe se eu ficasse andando eu me cansaria e conseguiria dormir.

Após um tempo, John acordou e me viu andando pela casa. Ele perguntou por que eu estava ali e eu respondi que não conseguia dormir. John falou para eu esperar ali, que ele já voltava. Quando voltou, me entregou um livro e falou "Leia isso, é uma história medieval, mas acho que você vai gostar". Voltei para o meu quarto e comecei a ler. Realmente foi bom, e eu consegui dormir bem rápido. Acordei no dia seguinte com a minha mãe me chamando. Me levantei e entrei direto para o banho. Lavei meus cabelos e quando sai encontrei minha mãe segurando um um vestido cinza com sapatilhas e uma faixa para o vestido cor de vinho.Ela penteou meus cabelos e eu me vesti. Quando desci, John e papai já estavam tomando café da manhã. Dei bom dia a eles e me sentei a mesa. Só comi um dos pãezinhos quadrados do meu distrito e tivemos que ir. Fomos para a praça e depois de toda a baboseira de sempre, sortearam o nome. Johnatan Hale. Fiquei atônita. Em seguida sortearam o tributo feminino. Eu não via nada. Meus olhos estavam completamente embaçados pelas lágrimas. "Não...Não...Não...Não é possível" fiquei murmurando. Não tinha como... Ele nunca havia pegado uma téssera sequer... Não tinha como. Não podia ter acontecido... No minuto seguinte, eu estava no chão segurando os joelhos e chorando. Meus pais tiveram que me carregar dali.

Quando chegamos na sala para nos despedirmos de John, eu já não enxergava nada. Tudo eram borrões. Limpei as lágrimas e o abracei. "Você não pode ir" eu lhe disse. Ele não falou nada, só me abraçou. Seus olhos estavam vermelhos e distantes. Ele se abaixou para ficar do meu tamanho e disse "Liza, não chora. Olha para mim. Não importa se eu não voltar, eu não quero ver você chorando. Eu quero que você seja forte. Como as heroínas dos livros. Tudo bem Liza?" eu assenti com a cabeça. Ele falou com nossos pais e um pacificador nos tirou da sala. John foi para a Capital, treinou - ele tirou uma nota 8 - , foi para a entrevista, e, finalmente para a Arena. Ele sobreviveu ao banho de sangue e aos quatro dias seguintes. No quinto dia, teve teve o azar de trombar com os carreiristas. John desviou das armas e conseguiu derrubar um deles. Meu irmão saiu correndo de lá, mas um outro tributo correu atrás dele e ficou uma faca enorme nas costas de John. Alguns segundos depois um canhão soou e o corpo sem vida de meu irmão foi recolhido.

Antes de fazer qualquer coisa, me vejo chorando. Eu tenho todos os motivos para isso. Eu perdi meu irmão na arena, eu pensei que tivesse perdido minha melhor amiga na arena, mas na realidade ela esta servindo à Capital, servindo aos tributos e eu estou na arena. Limpo minhas lágrimas e engulo o choro.

Não posso me permitir chorar. Não posso parecer fraca. Respiro fundo, mas continuo soluçando por um curto período. Bebo alguns goles de água e continuo a andar. Após um tempo, uma coisa me pega de surpresa.Fui pega por uma armadilha, e agora estou presa em uma corda de cabeça para baixo. Estou tentando pegar minha faca quando vejo alguém saindo de entre as árvores. Quando vejo quem é, exclamo surpresa

– Lenny?!