Julho de 2010

Londres, Inglaterra -

Casa da Família Dante –

- Bianca, não adianta... Você sabe o que eu sempre digo: estamos em um novo século, com novas regras depravadas e novos políticos depravados de senso moral. - concluí, finalizando mais um de meus discursos sobre o capitalismo versus o socialismo.

Há meses atrás nunca poderia imaginar que estaria tendo este tipo de conversa com a irmã. Bianca, minha irmã mais velha, tinha apenas um ano a mais que do eu.

Desde que conheceu seu atual namorado, Jared, passamos a entrar em muitos conflitos sobre as regras do mundo atual e, para não fugir do costume, esta era mais uma tarde na cinzenta e melancólia Londres, em que passamos horas discutindo, enfraquecendo ainda mais o frágil fio que ainda insiste em nos unir.

Caramba, sou comunista desde sempre e minha irmã foi se meter logo com Jared Leto, justamente um dos mais conhecidos adeptos e entusiastas do governo de Barack Obama. Não que eu tenha algo contra ele por causa da sua cor (ao contrário, acho ele lindo), apenas o detesto por ser mais um perfeito idiota forjado nesse mundo capitalista que decidiu continuar com essa grande insanidade.

Grande merda.

- Dá uma tregua Alice! Não aguento mais esses discursos utópicos - Ela bufou e revirou os olhos – Tudo aquilo que eu fiz está no passado, era apenas uma fantasia de uma garota que queria fazer uma revolução mundial, mas viver de ilusão não paga as contas...Esse mundo não é perfeito, mas é o único que temos e você viver sonhando com um lugar onde todos são iguais e felizes não muda em nada a realidade em que vivemos.

Me irritei.

- Pois bem, você se comporta assim desde que conheceu aquele traste. Verdade seja dita, antes de conhecê-lo, VOCÊ mesma me dizia que podíamos mudar o mundo, que podíamos fazer algo diferente, algo que valesse a pena. Quem roubou a sua coragem? Quem a roubou de você mesma ? Já se esqueceu de todos os protestos e todas as marchas que você participou? - com perguntas afiadas, eu defendia meu argumento.

-Alice Tippens Dante, pare agora. Pare de tentar me separar dele, está bem? - ela rebateu sem hesitar. - Eu o amo, e se você se importa tanto comigo quanto o diz, deveria se alegrar por eu ter achado alguém que me faz sentir bem... Ao contrário de Brandon, que era...

-NÃO OUSE! - gritei. - Não ouse SEQUER citar o nome dele!

-... Um completo idiota. Pensa que eu não sei dos seus hematomas? Das suas cicatrizes? - Ela continuava a falar, mesmo por entre meus gritos continuamente se elevando. Levantei-me da cadeira em direção ao sofá onde ela estava sentada. Senti minha mão coçar, como se o impulso de atingí-la fosse demais para ser controlado.

- Tem certeza que vai querer mesmo falar sobre o meu relacionamento? E você, já se olhou no espelho? Desde que se envolveu com aquele patife, você nunca mais agiu como você mesma. Virou mais uma burguesa alienada. Se não a conhecesse bem, pensaria que sempre foi assim... Esse idiota apenas entrou na sua vida para botar merda nessa sua cabecinha infantil. - sussurrei em seu ouvido, poderia até mesmo sentir o veneno de minhas palavras escorrendo por entre meus lábios e pingando no chão. Soltei um riso maligno e me virei, já subindo as escadas em direção ao meu quarto.

- Aposto que daqui a algumas semanas, ou talvez meses, ele vai se cansar de você. Idiotas assim só querem te usar para duas coisas: para a mídia pensar que eles tratam bem as mulheres e, é claro, para sexo. - dei de ombros e meneei a cabeça. - Vou ser honesta, começo a duvidar que você ainda seja virgem. - completei ao atingir o último degrau da escada.

 Bianca havia me acompanhado em várias marchas, protestos e eventos a favor de uma sociedade menos opressora e mais igualitária... Mas eu nunca havia sentido um verdadeiro entusiasmo por parte dela (apenas quando ela discutia fervorosamente para defender seus argumentos... algo que aprendi observando-a), porém usava sua crescente influência, como atriz, para espalhar seus ideais na indústria cinematográfica. Então tudo mudou drasticamente quando o Leto apareceu.

No começo ela tratava todos impecavelmente bem e então... Começava a discutir comigo, me ofender e me humilhar na frente dos irmãos Leto. E eles achavam engraçado.

Idiotas.

Bati a porta do quarto com demasiada força, o que causou um belo estrondo. Me joguei na enorme cama, respirando fundo e pensando nos últimos meses. Eu precisava respirar. Coisa que não fazia desde a morte de Brandon...

A morte de Brandon me abalou demais. A polícia continuava a insistir que eu estava apenas passando por um distúrbio psicológico momentâneo, mas eu sabia a verdade. Eu havia visto ele morrer na minha frente. Um pirralho qualquer com aparência de dezesseis anos apareceu e nos rendeu em um assalto, querendo todo o dinheiro que tivéssemos. Era pouco, o que não o deixou satisfeito.

Brandon se pôs em frente a mim quando o moleque apontou a arma em minha direção. Ele salvou minha vida... E eu o deixei morrer. Meses após o ocorrido, o rapaz responsável pela morte do meu namorado limitou-se a responder o processo em liberdade, haja visto o poder que sua família usufruía.

Tudo foi rapidamente abafado para esconder o “pequeno delito” do jovem viciado em drogas. Maldito capitalismo. E ninguém vê as vidas que são roubadas a cada instante por um único motivo: o orgulho, a vontade de ser maior, poder mais que o outro...

Eu estava entrando em colapso nervoso.

Haviam se passado quatro anos desde a morte de Brandon e, em todo esse tempo, eu não conseguia ter uma noite tranquila. Toda noite, a mesma coisa: pesadelos, acordar aos gritos e passar o resto da madrugada chorando. E minha irmã, aquela em que eu havia me espelhado, a minha heroína, simplesmente havia me abandonado para viver sua vida fútil e superficial de falso glamour.

Que bom seria se a minha irmã voltasse a ser o que sempre foi... – Sussurei enquanto folheava um de seus livros prediletos; Revolução dos bichos

Que viagem! -  Ri de mim mesma – Nem com uma lavagem cerebral ou mesmo um lapso de memória faria Bianca deixar de lado tudo aquilo que ela não é.