A Escolhida escrita por Rfictions


Capítulo 1
Mudanças




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Eram por volta das 19h30min da noite, minha família e mais algumas pessoas estariam me esperando na sala de Jantar. E eu precisava estar não só agradável como deslumbrante, algo que parecia impossível nessas horas, já que a minha cabeça parecia estar partindo ao meio graças a pequenas partículas de fogo. Não era uma dor comum, não mesmo. Não era o tipo de dor em que você sente depois de ter forçado algo ou até mesmo uma gripe.
Era diferente. Parecia me matar por dentro.

Logo depois em que tomei banho, com muito sacrifício, puxei a caixa número 15, que continha um vestido Babyliss comprado especialmente para esta ocasião. Meu quarto estava cercado por caixas de papelão — numeradas de um a vinte e cinco, com acessórios, objetos e roupas — nós ainda não tivemos tempo o suficiente para guardar os itens da mudança. Então, grande parte dela acomodaria no meu quarto.

Senti um estalo na cabeça. Não. Não era exatamente na cabeça, era nos meus músculos, no osso, mas eu fiz o possível para ignorar a dor. Trinquei os dentes movimentando meu maxilar que agora também latejava. Ora! Tudo meu latejava. Agora era-se praticamente difícil permanecer em pé. A gravidade estava ultrapassando seus limites. Uma força vital parecia exigir que eu caísse, que eu fosse ao encontro do chão.

 

Limpei a pequena lacrimação que se formava nos meus olhos.

Droga! Eu não queria chorar, não quando as pessoas mais importantes para meus pais estariam à minha espera, ao meu encontro.

A raiva de repente pareceu subir em mim.

As coisas pareciam estarem ficando simplesmente mais difíceis de lidar. Tão difíceis que logo hoje — no meu aniversário de Dezessete anos — tudo estava controverso. Definitivamente tudo. Na verdade, tudo eu me referia a dor. A maldita dor que agora, agonizava-me tanto que tombei na cama, sentada.

Coloquei meus sapatos, aproveitando que já estava numa posição favorável e puxei a bolsinha preta que estava próxima à cabeceira da cama.

Dei uma pequena olhada em volta do meu quarto. Bem, esse era bem maior do que o nosso em Washington. Mas o que mais me agradava aqui, era observar as estrelas pela pequena varanda do meu quarto, elas pareciam sorrir e brilhar a cada noite para mim, aqui ou . Como se algo ou alguém estivesse dentro delas me protegendo, impedindo de que algo ruim acontecesse a mim.

Mas nem hoje, elas estavam presente. Nem hoje eu conseguia ver o brilho furtivo e incandescente que elas espalhavam pelo céu. Estava sozinha e desprotegida no meio da escuridão invisível que parecia me sufocar.

Fiquei de pé, cambaleei feito uma bêbada de leve até o outro lado do meu quarto, onde ficava um espelho de 100 centímetros. Eu gostava dele, gostava tanto que pensei em poupá-lo de refletir meu reflexo que deveria estar horripilante agora.

Pois é, preferi passar em frente em direção à porta.

Andei vagamente pelos corredores, a fim de encontrar logo a escada, ela ficava numa longevidade tão grande que parecia quilômetros para mim. Foi quando cheguei à beirada do corredor, no intuito de espiar se havia muitas pessoas ali. É, como eu imaginava.
Havia algumas pessoas, não muitas. Ao todo umas cinco famílias. Todas eram amigos nossos de Washington e fizeram questão de vir até aqui na Califórnia para comemorar o meu aniversário juntos. E por algum motivo idiota e estúpido, isso não me orgulhava. Muito pelo contrário me dava nojo.

Argh! Agora foi a nuca, depois partiu para os braços e depois por fim correu por todo o meu corpo. Estremeci ao sentir algo movendo-se dentro de mim. Algo corria pelas minhas veias, penetrava nos meus músculos e por fim, parava em um ponto desconhecido, ordenando-se a si novamente percorrer o mesmo caminho.

Só que isso parecia me matar, estrangular, decapitar por dentro.

Engoli o seco e olhei para frente. Prosseguindo pelo corredor escuro.

Quando por fim apareci na escada, rezei para que ninguém me visse. Mas ninguém ouviu as minhas preces, e por fim, todos olharam para mim. Forcei um sorriso nos meus lábios ressecados mas tive a leve impressão que ao invés disso, saiu um sorriso de dor.
Os meus pais — Katerine e Carlos seguravam um copo de champanhe e mais alguns outros convidados também bebiam. Carlos sorria para mim com tanto orgulho que eu conseguia ver seus olhos brilhando e refletindo como a luz do lustre. Todos sorriam para mim.
O motivo? Bem, eu também queria ter o mesmo motivo deles, queria poder deliciar-me. Mas era impossível agora. E para mim a única emoção a se expressar agora seria chorar.
Quando percebi que a onda vital de energia me impulsionou novamente para frente, segurei com força no corrimão da escada e dei um leve impulso para trás. Já que se caísse, rolar da escada já poderia descartar.

Quando consegui por fim chegar no início da escada, várias pessoas vieram me cumprimentar, desejando-me parabéns, felicidades, saúde... E o principal, muitos anos de vida. Só que esse desejo parecia simplesmente evaporar para mim agora, justo quando tinha a impressão que iria morrer.
Olhei em volta e fixei meu olhar no sofá, feliz por encontrá-lo ali, vazio. Caminhei em direção a ele, entusiasmada, e nunca ficado tão feliz em ver um sofá disponível.
Uma mão fria me tocou no que me fez lamentar imediatamente. E então eu me virei.
— Emily! Ah, como vai você, minha querida? — A Tia Celeste me abraçou com força e no mesmo momento senti algo atingir meu peito. Uma lança pareceu cravar no meu nele e eu precisei tocá-lo para checar se realmente estava intacto. Até lembrar-me de que, era por dentro. E não havia nada no que fazer.

Realmente nada mesmo.

Katerine ou Carlos realmente não ligariam muito se eu dissesse que estava sentindo “coisas” percorrer as minhas veias e queimar. Pensariam que estou ficando louca. Se é que realmente não estou ficando louca.

E já que eram os únicos que poderiam me socorrer, agora, não são nenhum.
Sentei-me no sofá obrigando-a a sentar-se comigo.

A Tia Celeste era uma mulher agradável, nas horas “boas”, certamente em qualquer momento menos esse, ela era irmã do meu pai, estava com 60 agora, se eu não me engano. 20 anos mais velha que meu Pai, que agora olhava de relance para ela.

Eu observei seus cabelos brancos grisalhos, preferindo não fixar muito meus olhos escuros nos seus azuis, que muito de perto davam medo. É, mas esse não foi o motivo pelo qual não queria fitá-la, o motivo era porque não conseguia olhar fixamente para nada. A dor estava agora, tão forte, que precisava me movimentar algo, para ter certeza de que ainda estava ali. Ou iria continuar durante tempo suficiente.

O líquido novamente. Já estava na Sexta vez.

O espaço estava sendo tomado por ele, e agora voltaram-se para os braços. Uma dor agonizante voltara de novo para ali, para o mesmo lugar. Senti meu coração acelerar-se rispidamente quando expirei o ar pesado em volta.

Uma tonteira.

Meu Deus!

Seria essa a verdadeira dor da morte?

Depois que respondi a sua pergunta, previ que viria uma outra enxurrada de questionário.
—… Como andam seus estudos minha querida? Estudando muito? Está em qual série mesmo?

Balancei a cabeça, na verdade querendo assentir à sua primeira pergunta.

Sim meu estudos... — A voz falhou e puxei a mão para o peito, sentindo uma agulhada de líquido estrondeante entrar em mim.

Emily, você está bem? — Ela olhou em volta, com uma das mãos parada na minha direção. Tossi de leve enquanto conseguia ouvir exatamente as batidas do meu coração.
Como poderiam estar tão fortes ao ponto de eu conseguir ouvir exatamente
tudo?
Vozes e mais Vozes. Taças se chocando, risos, gestos... O vento...

Olhei para a Senhora Celeste, que murmurava coisas que eu ouvia, mas ao mesmo tempo, não entendia. Um eco atordoante e agudo surgiu nos meus tímpanos e eu implorei para que parasse. E por fim, o barulho não durou mais que alguns segundos.

Eu respirei fundo, tendo a impressão que os zumbidos voltaram ao normal. As coisas estavam mais baixas agora, a dor cessava aos poucos. Levantei a cabeça lentamente, observando em volta e reparando que realmente tudo se acalmara. Vozes que antes pareciam gritos, agora eram sussurros, risos eram tão silenciosos que eu conseguia jurar que estavam chorando em silêncio.

E por fim deparei-me com Katerine recebendo à porta a Família Hudson — a família em que conhecemos no Vôo para cá, moram há alguns quilômetros daqui e também acabaram de se mudar. Cláudia entrou primeiro, em seguida veio Fábio segurando a mão de Susan, que lançava um olhar à dentro provavelmente a minha procura.

Nossos olhares de chocaram de leve e eu implorei para que não precisasse levantar.
Susan soltou a mão de Fábio e caminhou até mim, parecendo calma mas ao mesmo tempo ansiosa para dizer algo.

O que está acontecendo? — Perguntou ela, a voz ríspida e preocupada. — Você está pálida, meu Deus do Céu!

A Senhora Celeste alternou o olhar entre nós.

Susan tocou de leve a minha face.

N-nada. Vou ficar bem. Só preciso de um Médico.

Por um momento, senti que ela sabia.

Médico? — Ela riu séria. — Um Médico não irá resolver isso.

Susan... — Eu ignorei Sr. Celeste e foquei em Susan.

Franzi a sobrancelha para ela esperando mais algumas explicações. Nós não nos conhecíamos muito bem, mas desde que a vi pela primeira vez, senti algo estranho e infinitamente sombrio em seu olhar.

Ela era tão Misteriosa quanto aos filmes.

E por que?

Porque as coisas ainda não andaram rápido o suficiente para você saber. E quando chegar esse momento — ela parou, fixando em mim — será como se você ficasse presa num túnel sem fim. — As palavras, sombrias e amargas saíam como jatos de lavas em meio a um deserto.
Eu pigarreei, mal conseguindo falar. Algo no tom de voz dela me preocupou.
— O que acontecerá? — De repente lembrei-me que ela só tinha dez anos. Dez! E não entendo porque de repente, pensei que pudesse saber muito mais do que eu. Muito mais do que as dores terríveis que sentia há alguns minutos. Na verdade, julgou-me pela aparência.
Ela não sabe de nada.

Eu senti uma respiração forte e feroz saindo de dentro dela. Era como se conseguisse ouvir.
— Emily! É você está realmente linda. — Chegou Cláudia. Linda? Ah, tudo menos linda!
Ela beijou a minha face — Parabéns. — O tom infantil em sua voz só me deixou mais irritada.
— Parabéns Emily. — A voz grossa de Fábio de repente me despertou das cantorias que Cláudia tagarelava à minha frente.

Susan olhou para os dois e revirou os olhos.

De repente, nossos olhares se cruzaram novamente, tive a mesma sensação sombria a do avião. O olhar escurecido na pele pálida acompanhado pelos cabelos dourados, seus cachos pareciam me encarar, junto com seus olhos.

Ela percebeu algo diferente nos meus, tão diferente que parecia entender exatamente o que estava prestes a acontecer. Então os seus se arregalaram. No mesmo momento em que encolhi-me disfarçando. Minha garganta encheu e parecia estar fechando. Um bolo ácido se formou em mim e percebi que pingos estavam caindo da minha testa. Suava.

Cláudia já se afastara, recebendo o champanhe, a Sr. Celeste estava ainda no sofá. Mas Fábio permanecera ali, à minha frente, observando-me arfar de dor. Foi quando me recolhi. Subi as escadas lentamente, firme e preocupada em manter a postura a fim de que ninguém mais percebesse que estava ao ponto de surtar. Eu cambaleei até o banheiro e espantei-me ao ver a bela expressão que no espelho refletia.

Uma jovem — “eu” — um pouco mais pálida que o normal, com os cabelos lisos e escuros encostando até os ombros, com os lábios cheios e corados. Meus olhos eram um amarronzado escuro que fazia uma espécie de brilho celestial. Sim, eles brilhavam, e automaticamente lembrei-me do brilho das estrelas.

Eu me toquei, confusa. Parecia tão diferente que nem mesmo conseguia me auto reconhecer. A minha pele era lisa, parecia um pêssego diante de tanto brilho. Eu poderia jurar que via pequenas partículas de brilho intenso se formando em volta dela.

Observei também a curva perfeita que meu rosto fazia, depois parti para os dedos, estavam leves e fortes ao mesmo tempo. Suportava seu peso e sentia que tudo à minha volta era um pouco mais fraco do que parecia. Eu inspirei e expirei. Só poderia estar Blefando.
Realmente as dores não estavam fazendo bem à minha visão. Agora estava tendo alucinações.
Voltei-me já um pouco melhor, percebi que nem tivera conseguido conversar formalmente com os convidados, ou responder àquelas perguntas idiotas de sempre e então deveria fazer o meu papel lamentável de aniversariante.

Agora, o meu corpo não parecia latejar tanto, nem a minha cabeça. Tirando a parte em que meus músculos pareciam meio doloridos. Como uma pessoa fica depois de ser espancada. Eu mal conseguia me mexer muito bem, era difícil acostumar-me assim, com algo tão terrível acontecendo.
A única sensação mais abalante era que eu não sentia “eu mesma”. Era como se eu tivesse mudado de corpo, mudado de pele, como uma cobra. Só que de um modo muito mais doloroso e tenebroso. Não havia uma verdadeira explicação pelo o que acontecera nessa noite, e que eu ainda conseguia sentir dentro de mim. Um líquido grosso que parecia empurrar meu sangue com força e queimar por dentro.

Agitei meus cabelos, reconhecendo como os fios pareciam mais leves e finos. Era surreal. Algumas pessoas olharam para mim e eu tive aquele pensamento que, há alguns minutos atrás eu descia essas escadas sentindo-me à beira da morte.

Você já me parece melhor — disse-me Sr. Celeste. Eu assenti ainda meio tonta.
— Sim, foi uma leve tontura.

Ela estreitou os olhos.

Não me parecia uma simples tontura, Emy.

Eu engoli o seco. Novamente aquelas indiretas confusas?

Sr. Celeste...

Emily! — Gritou Susan, apressando-se na minha direção. Desci completamente as escadas e esperei. — Você está melhor? — Sua voz parecia mais uma acusação, como se um plano tivesse saído errado.

Um pouco... — Estranhei, franzindo as sobrancelhas assustada — Não deveria?
Ela arregalou os olhos e balançou a cabeça ligeiramente.

Meu Deus... Algo muito ru....

Por um instante eu senti uma dor apavorante gritar no meu estômago. A dor percorreu por todo o meu corpo, minhas pernas tremeram, meus braços e as minhas costelas fizeram um som agudo e alto. Eu ouvi, conseguia ouvir. A dor me angustiou de tal forma que eu caí e então o encontro com o chão foi um tanto angustiante. Algo quebrava dentro de mim.
Eu senti espernear-me e senti eu fora do meu “eu”. Era como se algo estivesse se libertando de mim, uma dor infinitamente mais dolorosa, cem vezes mais dolorosa do que a que estava sentindo antes. Havia fogo, eu sentia. Um fogo ardente dentro de mim parecia queimar meus órgãos e acertar o ponto do meu coração.

Não haviam oxigênio, ele estava fora do meu alcance, graças ao fogo ardente que brilhava e queimava tenebrosamente dentro de mim. Estava dura, sentia-me ao encontro da morte. Estava morrendo, não haveriam escapatórias. Senti minha cabeça bater contra o chão e uma dor surgir na nuca. Uma mão gélida me tocou.

Saiam! Se afastem! — Berrou alguém com a voz suave e com braços que me seguravam.
Era Susan. Era difícil enxergar mas os vultos estavam ao meu alcance, ainda. E eu conseguia ver os braços dela gesticulando, fazendo movimentos para que todos se afastassem. Mas alguns gritos eram-se ouvidos e eu só conseguia perceber o movimento dos meus olhos se fechando. As pálpebras abaixando-se automaticamente numa explosão de imagens de última hora.
E o meu subconsciente acordou. A mão gélida tocou no meu peito e começou a pressioná-la, uma força prazerosa tocou em mim e pareceu me aconchegar, mas depois disso, senti-me caindo num redemoinho infinito pelas profundezas escuras e geladas.

Não sabia se estava morrendo, ou se já estava morta.

Um som imenso de cantorias me despertou e ao mesmo tempo, a pergunta mais simples foi: onde eu estava? Aqui tinha tudo em comum com o céu, apesar de não lembrar-me exatamente de como ele é, sendo que apenas imaginamos através de bíblias ou religião. E pelo o que diziam, se aqui for o céu, bem, é realmente um paraíso.”

Eu me sentei observando o lugar gigantesco à minha volta.

Girei a cabeça noventa graus e repeti diversas vezes, piscando em algumas delas para ter certeza de que não estava sonhando. Aquilo não era um sonho. Era real.

Uma terrível onda de solidão me atingiu de repente, fazendo-me suspirar. Estava sozinha ao meio de milhões de pássaros cantando e um sol escaldante queimando a minha pele. Abaixo de mim continha a grama, macia e muito, muito verde. Um verde tão puro que não há dúvidas de que pertence a natureza.”

Involuntariamente comecei a caminhar. Um vento úmido me atingiu, só que ele queimava a minha pele terrivelmente. Utilizei os braços para me proteger. Um Paraíso imenso estava na minha frente, bem aqui. Mas ao invés de sair pulando de felicidades, é, simplesmente algo me obrigava a continuar andando.

As árvores que eu via a distância pareciam sussurrar algo, elas balançavam de uma forma tão mágica que parecia não haver limites. Eu escutei um barulho mútuo e sereno de água caindo, ao encontro com as rochas. Uma cachoeira. Uma linda cachoeira com imensas flores em volta delas, orquídeas, rosas. Era um campo que logo após, vinha um lago cristalino ocupado por dois sapos.

Haviam bichos ali também. Não, mas bichos de todas as espécies.

Conforme ia caminhando, conseguia explorar mais aquele lugar brilhante. Se observasse muito bem o ar em volta, poderia jurar ver pequenas, micros partículas brilhantes. Era tudo tão claro que uma definição perfeita de cada cor dizia algo.

Dei de cara com um coelho, pulando rapidamente e fugindo de algo. Eu tentei observar qual seria a cadeira alimentar. Uma cobra talvez?

O coelho esbranquiçado sumiu de repente, ao meio de milhões de flores que adiante surgiam. Elas estavam ali, sempre estiveram, só que eu ainda não tivera tido tempo suficiente para perceber o brilho que elas transmitiam.

Mais a frente, o mundo era muito maior. Muito maior mesmo. O céu era tão azulado, tão perfeito que parecia mesmo o céu. O ar era puro, e você não precisava respirar. Não ali. A sua alma parecia vagar felizmente naquele canto, sem preocupar-se em sugar o ar puro. É, mas era completamente irresistível deixar de cheirar um ar tão puro.”

Puxei uma pequena rosa vermelha e senti seu cheiro delicioso. Não havia muita diferença do cheiro normal daquele lugar. Ele vinha das plantas e conseguia soltar um aroma doce e agradável por todo o mundo encantando a visitantes. Como eu.

Opa! Já houveram visitantes ali? Nos meus sonhos. Estava sonhando mesmo?
Um vento tão forte me atingiu pegando-me de surpresa e arremessando-me no chão. Por um momento eu arfei de uma dor insuportável nas costelas. Tivera caído logo em cima de um tronco de uma árvore.

Argh! Droga.

Posicionei as mãos na cabeça, apertando os olhos para conter a gigante dor que agora rugia nela. Era uma pontada fina, como se algo a espetasse. Conferi se havia algo pontudo ali, mas não, era apenas o grosso e forte tronco da árvore.

Hã... — Gemi de dor.

A minha mão sangrava agora. A batida fora tão agonizante que uma pequena parte da minha mão esquerda estava sangrando, a mão em que eu tivera tocado mais exatamente no local machucado.
Eu me levantei num pequeno relance eu vi.

Eu vi.

Tudo mudou. Absolutamente tudo mudou. Não havia mais aquele belo cenário de antes. Havia dor, sofrimento. Havia um terrível cenário com terríveis barulhos.

Como tudo pôde mudar assim, de repente?

Era como sair do céu e entrar no inferno.

Os pássaros de antes, cantando, foram substituídos por gigantescos pretos deles. Eles faziam barulhos horripilantes como se estivesse matando, atacando e estrangulando. Mais há frente a enorme floresta virara densa, havia ecos de gritos, gritos de pessoas!

Eu corri.

Sem rumo à uma escuridão apavorante e assustadora eu corri em meio à uma tempestade que agora parecia furar na minha pele. Barulhos tenebrosos de raios gritavam no céu acizentado e cercado por nuvens pretas e baixas.

O ar era poluído, tão poluído que numa pequena parte que se adquiria ali, era capaz de deixar-me tonta. Lá no paraíso, não era-se necessário respirar. Mas aqui era uma obrigação. Como no mundo real. Se você não respirar, morre. Se respirar, corre o risco e morrer de qualquer jeito.
A chuva começou. Estrondando granizos grossos na minha cabeça que também vinha acompanhado de uma nevasca. Os pássaros, morcegos que saiam na luz recuaram. E de repente sobrou o silêncio intenso e mútuo.

Os raios paralisaram, mas a chuva ainda caía. Os gritos da floresta também cessaram. Mas algo de longe vinha na minha direção. Não era algo. Era uma pessoa.

Um vulto preto parecia vir à quilômetros, mas numa velocidade absurdamente alta. Há poucos metros eu conseguia observar perfeitamente a cauda preta do vestido de uma bela jovem de cabelos negros soltos. A pele brilhava e ela parecia não se molhar, seus cabelos esvoaçavam-se conforme o vento e batia nos seus olhos Verde-Esmeralda arregalados e sombrios. Os olhos que no fundo me lembravam de Susan. A pequena Susan.
Uma sombra preta esfumada acima das pálpebras dava-lhe um tom escuro, mas a única coisa que eu conseguia fitar, paralisar... Era com seus olhos parecendo que iriam me matar.
Ela estava se aproximando. Mas eu recuei. Hesitando em olhá-la de tão perto. A pele era tão branca quanto a de um defunto.

Ela parecia estar morta.

Verdadeiramente morta e sem alma.

A chuva de repente parou, parou mesmo. A mulher linda, não possuía mais que dezesseis anos, parecia ter poderes sobrenaturais. Eu tinha a leve impressão de que tudo em volta estava sendo controlado por ela. Uma Deusa, talvez? Um Anjo?


Bem, pra falar a verdade nunca imaginei uma Anjo vestindo uma roupa escura, com olhos tão sombrios quanto ela. Mas ao olhar profundamente para eles, parecia que iria engolir a sua alma, usá-la e jogá-la na profundezas das águas profundas.

Mas no fundo, não confiava nela. Ela não era boa, disso eu sabia. Eu sentia, dentro de mim. Uma voz me alertara. Desde pequena, pra falar a verdade. Uma voz tão neutra que não era-se possível distinguir se era homem ou mulher, mas que sempre me deu conselhos, sussurra na minha alma e me ajuda quando preciso. E agora, ela dizia:

Não confie nela. Não confie.

Engoli o seco, hipnotizada com os olhos daquela mulher. Agora ela começou a andar lentamente e eu observei a cauda comprida do seu vestido preto com corpete de seda marcando bem a sua cintura, sendo arrastado no chão, espalhando leveza e enganação.
Valentina” — ela sussurrou, num sussurro culto na minha mente. Ela podia falar através... dos pensamentos?!

Porque me chamara assim? Estaria me confundindo com outra pessoa, é claro! Não era eu, nunca fui e na verdade não era para estar aqui. Se não morri.

Convido-na a vir conosco”. — um sussurro mais alto ecoou no meu cérebro. Ir? Com ela? Há, não. Isso era impossível.

Quem diabos é você? —Perguntei, as palavras soando como ofensa.

Ela sorriu, arregalando uma fileira perfeita de dentes brancos.

O sorriso era malicioso. Havia malícia neles e esperteza e isso me assustou. Estava tramando alguma coisa. Ah se eu pudesse saber!

Eu recuei mais um pouco, pensei em pedir ajuda, ou perguntar qual era seu nome...
Sariny” — ela sorriu, lendo, lendo? Meus pensamentos! Ela conseguia ler perfeitamente meus pensamentos, tudo o que pensava estava sendo compartilhado a ela! Como é possível? — “Por favor, não se assuste, guiarei-a para um lugar mais aconchegante”. engoli o seco, não havia mais saliva. E se estivesse falando a verdade? Pensar nessa hipótese me deixava um pouco mais tranqüila, pelo menos meu coração pareceu desacelerar um pouco. Havia alguma chance de eu sair desse lugar? Desse pesadelo que agora me atormentava?
Ela assentiu, provavelmente lendo isso também.

Mas eu não queria deixar-me próximo a ela, não queria que ela me guiasse para um lugar melhor, porque conseqüentemente, não gostava dela. Ela, sem alguma dúvida era ruim. E obviamente ela não estava querendo o meu bem.

Eu percebi um leve fervor acompanhado por um súbito enrijecimento. Sua pele pareceu mais áspera à distância e eu, com um pouco ainda de dificuldade (por causa do nevoeiro) consegui enxergar sua mão fechando em punho.

Numa tensão convocada por escuridão, os pássaros negros voltaram-se a voar. Os barulhos espalhantes fizeram do lugar o inferno novamente. As plantas voavam brutalmente com o vento que soprava ao sul e as lindas flores agora eram arrancadas das suas raízes.
Havia terras.

O chão estava se abrindo.

Desequilibrei-me e pensei em correr, mas ao pensar nisso, um súbito movimento me fez parar de imediato assim que presenciei o chão abrindo-se na minha frente. Uma pedra rochosa chocou-se há alguns metros fazendo um barulho estrondear nos meus tímpanos. E então a pedra afundou. Era como se o chão inteiro fosse feito de areia movediça e engolisse tudo à minha volta.

Menos eu. Menos ela. Permanecíamos agora há uns dez metros uma da outra, mas isso não me impedia, por algum motivo, de visualizar seus olhos como Esmeraldas me fitando de longe. A expressão ainda era fervorosa.

Você sempre faz a escolha errada” — sussurrou, deixando facilmente com que esse sussurro fosse o mais alto som de todo o lugar. Era como se o som das coisas se acabando ficasse no fundo, mas ainda podendo escutar perfeitamente o terror, e somente o eco da sua voz melódica pudesse fazer alguma diferença dos outros. Era o som mais horripilante e lindo que já vira na vida.
A terra tremeu e eu caí. Estava há apenas alguns centímetros do buraco negro que formou-se ao meu lado, não poderia me mexer, pois não sabia onde aquele buraco acabaria. Ou se acabaria. E provavelmente na queda, já teria morrido.

Cambaleei enquanto tentava me levantar, mas a gravidade parecia espessa demais para isso. Não havia como manter-me em pé. Não quando estava cercada por buracos negros que aprofundavam-se ao infinito.

Foi quando eu vi.

A explosão dela desaparecendo rapidamente em meio a um borrão de cores pretas. Seu belo rosto estava sendo deformado enquanto rodava como um rodamoinho, e ia sumindo rapidamente conforme as voltas iam-se avançando. Uma explosão de cores pretas e cinzas tomou conta do lugar e apenas algo vindo dela pude escutar.

Voltarei”.

Mas muito antes de conseguir pensar bem no fato que ocorrera, tivera caído duramente no chão que agora parecia não mais me suportar, e sim engolir-me para um buraco escuro e infinito das profundezas.”


Algo parecia queimar as minhas pálpebras por trás dos meus olhos fechados. Eu hesitei em abrir, mas estava consciente. A verdade era que não tinha certeza se estava viva ou morta. E então a covardia possuía-me conforme tentava abrir os olhos. Não os abri.

A única coisa que realmente me lembrava era o que tivera acontecido comigo naquele lugar,no paraíso. Mas pelo menos agora, tudo parecia em paz, pelo menos não estava no meio de uma guerra frente a frente com uma garota sombria que lia mentes e sussurrava coisas nos meus ouvidos.

Mas o que eu tinha mesmo que fazer, era descobrir onde estava, porque algo parecia me queimar ou porque estava frio.

Algo parecia estar me cobrindo, somente da cintura para baixo. Seria um cobertor talvez? Também havia uma cama, ou algo parecido com uma cama abaixo de mim, confortavelmente boa para uma longa descansada.

Senti passos. Algo surgiu na minha mente e eu consegui jurar que alguém tivera passado próximo a mim. Será que ainda estava ?

Foi quando abri os olhos.

Uma imensidão de nitidez e contraste invadiu a minha pupila e preencheu todo o espaço com uma definição absoluta. Eu conseguia ver tudo brilhar, ou parecer com algo brilhando. As formas das coisas eram tão perfeitas que era-se difícil distinguir se tudo era real ou não.
Olhei aos arredores, um pouco incomodada com a luz fluorescente que ardia a minha vista seca. Estava em um hospital. À minha esquerda havia um sofá para duas pessoas desocupado, ao lado também havia alguns buquês de flores dentro de um imenso jarro que era pequeno demais para acolher a imensidão delas. Logo acima tinha uma janela aberta, e era dali que conseguia enxergar perfeitamente as pequenas partículas distribuídas pelo sol. Naquele momento tudo parecia em paz. Na minha direita, uma televisão pequena no alto estava ligada. Exatamente quando pensei em levantar, a porta abriu-se e alguém murmurou.
— Bom dia. — Uma Enfermeira gorda vinha trazendo uma bandeja de metal e quando ela sorriu, deixou exposto seus dentes brancos numa fileira perfeita. Não respondi, estava meio agoniada com as coisas estarem tão... claras.

Porque tudo está tão claro? — Perguntei sentindo-me uma idiota. Na verdade haviam coisas mais importantes para se perguntar.

Ela sorriu.

Está meio nublado lá fora, mas ainda assim, é possível ver alguns raios solares escapulindo das nuvens e atravessando a janela— Ela apontou para a janela aberta que já tivera visto. Ela estava sendo irônica. Eu não era idiota. Ela me estendeu a bandeja de metal e eu segurei, admirando com a força que sem querer exerci sobre ela, que quase caiu. — As torradas estão uma delícia, e ah! O suco também e é de laranja, seus pais me disseram que é o seu preferido. — Ela sorriu e a beleza angelical dela me encantou. Por um momento percebi que também deveria rir, estava sendo rude com ela.

Meus pais estão aqui? O que aconteceu para eu vir parar aqui?

Ela fez uma careta, colocou as mãos na cintura e inclinou a cabeça. Como uma criança.
— Acho melhor conversar isso com eles.

Outro sorriso invadiu seus lábios.

Peguei uma torrada e passei manteiga nelas. A Enfermeira permaneceu me observando a comer enquanto eu pegava o copo de suco.

O suco está sem adoçante. Preferi não servir logo, já que geralmente cada um gosta de uma quantidade diferente... Geralmente eu deixo com que meus pacientes possibilitados sirvam-se sozinhos. É mais... Agradável para eles.

Certo. — Dei um sorriso torto e coloquei o adoçante.

A Enfermeira dirigiu-se para a televisão, estava focada na notícia exibida. Foi quando ela pegou o controle e aumentou o volume, bastou mais alguns números para eu sobressaltar.
— Ah! — Gemi.

Ela olhou para mim confusa.

Abaixa essa televisão! — Disse, largando a torrada e apertando os ouvidos.
Ela fez o que pedi, mas logo depois se aproximou de mim.

Emily. — Ela me olhou como se eu fosse louca. — A televisão só está no volume 6! — bastou mais alguns segundos para me desligar completamente dela e perceber o que havia em volta.
O som de
tudo. Absolutamente tudo, no hospital inteiro.

Pareciam milhões de pessoas falando ao mesmo tempo num som tão alto que doía a cabeça. Os barulhos viam de fora, as portas abriam e fechavam, haviam choros acompanhados de lamentações, o som das cadeiras, do ventilador, da caixa registradora, dos sinos tocando, dos passos de tênis... Tudo era tão agonizante que não bastavam apenas tapar os ouvidos. Eram mais fortes do que eu.

Argh! O que está acontecendo?! —Perguntei parecendo que iria endoidar.
— Emily, você quer que eu chame um médico? —Perguntou a Enfermeira, que na verdade parecia berrar.

Droga! Fale mais baixo!

Mas porque diabos você quer que eu fale baixo,quando na verdade estou murmurando? Está sentindo algo?

Eu estava atordoada.

Por favor, sussurre. — Implorei, na verdade querendo dizer para não falar nada.
— O que está acontecendo? —Sussurrou, baixo o suficiente para diminuir apenas um pouco do decibel que a sua voz causara antes. Se estava sussurrando agora, antes com certeza não estava nem gritando.

Droga. — Grunhi, apavorada.

As coisas faziam ecos, tantos ecos capazes de deixar-me tonta. Eu pareci cambalear e então tombei de costas na cama, ainda com as mãos pressionadas. Eu implorei para que tudo parasse e voltasse ao normal, desejei poder fazer com que tudo isso ficasse normal novamente.
Foi quando aconteceu.

Depois de um som agudo e rápido tudo melhorou.

Era como se estivesse ouvindo músicas berrantes nos ouvidos e elas tivessem desligado-se completamente. Eu ofeguei, assustada comigo mesma. Olhei em volta ao perceber que a televisão que deu o primeiro sinal, estava tão baixa que nem mesmo eu conseguia ouvir agora o som da voz. Os barulhos vindo de fora, cessaram e não conseguia ouvir mais nada de lá.
— Você está melhor? — Perguntou ela, ainda sussurrando. A voz falhara um pouco.
—- Sim. Não precisa mais sussurrar. — Já estava com dificuldade de entendê-la.
— Pode me dizer exatamente o que aconteceu? — Ela tentava voltar ao tom normal, mas ainda assim não estava muito confiante nisso.

Er, eu não sei — claro que nem passava pela a minha cabeça falar algo para ela, isso com toda a certeza seria uma loucura minha. Ela pensaria o quê? Que estava enlouquecendo e talvez me transferissem para uma clínica psiquiátrica imediatamente. E também não iria contar o que aconteceu aos meus pais. Não mesmo, porque seria apenas mais um em pensar que estou louca.
— Pode me dizer exatamente o que sentiu?

Eu olhei para ela.

Olha, não foi nada. Acho que apenas uma pequena dor...

Precisamos fazer alguns exames. Emily.

Balancei a cabeça, se já estava com isso com certeza deveria ter acusado nos exames, e realmente eram para ter percebido algo de diferente em mim. Então não iria adiantar nada.
— Já estou melhor. Antigamente costumava sentir isso... — Menti e obviamente ela percebeu a mentira nos meus olhos tanto quanto eu.

Boa jogada mocinha. — Ela riu e ao mesmo tempo, senti algumas presenças. Poderia jurar que alguém passou em frente...

Houve uma batida ansiosa na porta e por algum motivo idiota, não precisei nem pensar em quem seria. Eu estava feliz por isso.


— Emily! — Katerine veio até mim, com os olhos meio arregalados e com as mãos abertas, esperando um abraço. Carlos, meu pai, vinha logo atrás sorrindo fortemente.
— Pai, mãe. O que aconteceu?

Alternei o olha entre os dois, esperando uma resposta. Mas eles apenas se entreolharam e não disseram nada de primeira.

Ah Emily, porque relembrar os fatos passados não é mesmo? Nós ficamos tão assustados com você! Pensamos que... — Ela balançou a cabeça, espantando os pensamentos que deixara obvio.
— Acho que já estou melhor agora. — Eu olhei para a Enfermeira que me fitava com a cabeça inclinada. Por incrível que pareça todos pareciam olhar-me da mesma forma. Uma forma estranha, como se notassem algo diferente em mim. Algo que não havia antes. Será que já tiveram notado o que acontecera ali a pouco?

Ah, você realmente parece ótima — disse a Enfermeira gorda que agora recolhia a bandeja de metal do meu colo. — Só precisamos fazer mais alguns exames.

Exames? Ela não seria liberada essa tarde? — Perguntou Katerine assustada.
A Enfermeira sorriu assentindo.

Sim, mas gostamos de refazer alguns exames só para confirmar se a sua menina está realmente bem disposta a sair.

Mas estou muito bem disposta. — Rebati raivosa.

Sei como é chato, mas é necessário — ela fez uma cara de dor e olhou para meus pais.
— Certo — Katerine olhou para Carlos que assentiu. — Hora de irmos!
Mas logo depois que atravessaram a porta, percebi que murmuravam coisas um com o outro, e provavelmente era ao meu respeito. E coincidência ou não parecia ter alguma relação com que me olhavam aqui dentro.

Bom menina...

Porque estão me olhando assim? — Perguntei irritada.

Como? — Ela parecia entender o que eu dizia.

O que há de errado?

Ela chegou mais perto e sentou na beirada da cama. Aquilo me assustou, havia tensão demais no seu olhar, parecia preocupada e nervosa.

Desde ontem à noite, quando você chegou no hospital, não ocorreu nada com você. — Ela parou, olhando em volta como não devesse contar a ninguém. — Quando chegou nesse hospital desmaiada, fizemos alguns exames importantes em você, mas nada acusou. Realmente nada! E... Eu percebi que você começou a mudar.

Mudar?

Sim, as formas do seu corpo, seus olhos, seu cabelo.

Meu cabelo. Realmente, se não tivera notado, percebi algo diferente nele.

Não sei do que está falando. — disse, meio confusa ainda assim.

Ela respirou fundo e fechou os olhos por um lento segundo.

Ela levantou-se e foi até o banheiro, onde consegui vê-la desencaixando um espelho da parede. Ela o trouxe até mim e estendeu para que eu pegasse. Por mais estranho que pudesse acontecer ali, olhando para mim, não hesitei.

E por fim, tive a verdadeira prova.

Meus cabelos negros, antes pareciam apagados e feios, agora estão claros e brilhosos. A minha pele cintilava conforme a luz que entrava pela janela, fazia uma combinação tão perfeita quanto tudo que conseguia ver ao meu redor. Meus olhos estavam mais amarronzado claros, um pouco mais bonito do que o de antes e meus lábios eram cheios e corados, tão corados que nem pareciam meus. A quem acabara de acordar de uma noite profunda, estava muito bem.
Mas mesmo assim, depois da admiração consigo mesma, é impossível não ressurgir um frio mútuo na barriga e um medo arrepiante. Será que essa minha mudança na aparência tem alguma coisa haver com a loucura com que vim parar aqui? Ou será que tem alguma coisa haver com o que tive agora há pouco? Ou será que ambos tem a mesma relação?
Bom, mas tinha certeza que, as coisas pareciam estar acontecendo rápido demais. Era uma explosão de acontecimentos inquestionáveis, a primeira coisa que você pensa é que irá morrer. Apesar de
aquilo parecer-me muito real, no sentido verdadeiro das coisas fora apenas um sonho, ou pesadelo, ou um dentro do outro. Mas a realidade com que presenciei falara mais forte a cada momento em mim, e principalmente a sua voz no tom melódico e horripilante continuava a sussurrar na minha mente, cada momento, cada desespero estava sendo repassado agora, deixando-me mais assustada ainda e talvez houvesse muito mais do que um simples “pesadelo” para eu desvendar.

Respirei fundo, contentando-me com a Enfermeira que ainda me fitava de forma estranha. Do tipo que “eu avisei”.

Entreguei-lhe o espelho desejando não poder ver-me novamente. Ah, é claro que era muito bom estar com uma aparência “ótima”, mas não era bom o motivo por que isso foi acontecer e me lembrava coisas terríveis das quais eu queria implorar para que não tivessem alguma relação. Mas algo me dizia que tinha mais que uma relação, era um fato.
— Agora entende? — Perguntou ela erguendo as sobrancelhas e puxando o espelho.
— Sim — disse meio em choque.

E você entende porque isso foi acontecer?

Balancei a cabeça.

Bom, isso era para ser bom na verdade, mas de alguma forma não era para ela tanto quanto não era para mim. E nós, ambas estávamos assustadas com o mesmo fato e isso me deixava confusa e era como se estivesse dentro de um... furacão.

Por algum motivo estranho isso me parecia familiar, era como se já estivesse sido avisada, mas não me lembrava...

Passaram-se algumas horas e tive que fazer mais alguns exames, a Enfermeira não saiu do meu lado enquanto faziam um último check up. E sem a menor surpresa houve o resultado dos exames logo depois de algumas horas. Não havia nada de errado comigo e eu poderia jurar que não houve surpresa quando a Enfermeira recebeu o resultado. Porque não só ela mas como todos que trataram de mim nesse hospital sabiam perfeitamente que não houve nenhuma acusação nos meus exames. E isso me assustava.

Agora a única coisa que devo fazer agora é descobrir o que realmente aconteceu naquela noite, e com toda a certeza não havia alguém melhor do que a menina dos olhos sombrios, a menina que possui algum tipo de relação com a morena dos meus pesadelos. Susan.
Já era de tarde, eu e meus pais estavam ao meu lado, segurando a minha mão enquanto eu caminhava para fora do hospital. Estava ótima, não precisava da ajuda de ninguém. O que eu queria saber mesmo era o que tivera acontecido e já. De longe eu reconheci o carro parado à frente do hospital: a família da Susan.

Depois de umas pequenas inclinações consegui vê-los perfeitamente encostados ao carro de braços cruzados, provavelmente ansiosos para que eu saísse logo. Perguntei-me se viriam mais alguém...
Eu a vi.

Susan estava com um vestido preto de bolinhas brancas e uma pequena bota cobrindo até os joelhos. Seus cachos dourados estavam expostos e soltos, presos com alguma coisa que eu não conseguia enxergar...

Ah, acho que já chegaram. — murmurou Carlos ao meu lado para Katerine.
— Sim — ela sorriu lindamente.

Quando nos aproximamos, eles vieram falar conosco. E eu não conseguia desviar o olhar de Susan, um olhar sério porém pensativo. Ela me fitava também, mas logo quando ia falar com ela, alguém me puxou pelo braço.

Emily! Você parece muito bem! — Disse Cláudia ao meu lado me abraçando.
— Muito bem mesmo. Olhe só pra você! — Elogiou Fábio sorrindo.

Eu também via muita diferença. Enquanto todos pareciam surpresos, apenas Susan continuava encostada no carro de braços cruzados, olhando para mim nem um pouco surpresa. Ela era tão sombria que por algum motivo eu conseguia acreditar de que ela sabia de alguma coisa importante sobre mim.

Como está encarando essa mudança, Emily? — Perguntou Susan com uma pontada de sarcasmo na voz, o som dela me arrepiava de tal forma que precisei engolir a saliva para responder.
Ela sabia.

É... Não sei ainda...

O que acham de irmos a algum lugar? Um restaurante talvez? Acho que não deu tempo de comemorarmos o Aniversário de Emy ontem a noite, não é?! — sugeriu Cláudia.
— Eu acho ótimo! — responderam todos, numa sintonia perfeita.

Eu não queria nada disso, queria que eu ou Susan pudéssemos permanecer sozinhas, eu queria falar com ela à sós, sem nenhuma dessas indiretas ridículas que só fazem perder tempo. E um restaurante obviamente não era um lugar perfeito para essa conversa.

Quando chegamos lá todos pareciam eufóricos e animados. Menos eu e Susan, ambas permanecíamos sérias. Mas muito antes do que eu imaginava, consegui encontrar uma pequena brecha quando Susan resolveu ir ao banheiro, e muito antes de eu pensar também disse:
— Ah, eu vou com você!

Ela foi na frente sem dizer nada e eu fui atrás, meio cambaleando para desviar das cadeiras à minha frente. Ela estava andando rápido, parecia que estava fugindo de mim. Mas se estou certa não havia como, já que ambas iríamos para o mesmo local.

Sus... — Gritei interrompendo assim que ela parou de costas para mim. Os cachos

definidos e visíveis eram bonitinhos.

Ela se virou lentamente, próximo a entrada do banheiro feminino.

Diga.

Mordi o lábio inferior meio nervosa. Ela não parecia ter nenhum censo de humor.
— Preciso falar com você — Implorei.

Ela fez um gesto com a cabeça e então partiu novamente. E eu a segui.
Estávamos do lado de fora do restaurante, havia um campo com gramas curtas e alguns banquinhos. Eu me perguntei porque num restaurante lotado ninguém vinha aqui, parecíamos a sós, como eu desejava.

Ela se sentou primeiro, olhando para mim com arrogância.

É...

Você quer saber o que aconteceu ontem a noite, não é? — Perguntou assustando-me. Mas ao mesmo tempo não deixando-me muito surpresa, ela era misteriosa e pouco nos conhecíamos, pelo menos o tom da sua voz agora era mais calmo.

Assenti, deixando com que continue.

Por um momento observei-a fechando os olhos.

Eu vou ser rápida. Portanto, preste atenção.

Concordei.

Quando chegamos naquela noite na sua casa... Não houve “coisas” demais para dizer a verdade... eu entrei na sua casa e olhei para você, eu a avistei de longe e então corri em sua direção, meio inconformada com o modo em que mudava. Obviamente ninguém percebera isso porque haviam muitos assuntos de negócios a se tratar e então porque notar uma simples adolescente completando seus dezessete anos? — Ela riu um pouco exibindo a fileira de dentes bonitos — você estava estranha, Emily... A sua aparência era tão estranha quanto a de um defunto em decomposição. — Ela engoliu o seco como se estivesse temendo alguma coisa — Não sei bem o que você estava sentindo, mas parecia tão agonizada consigo mesma, como se uma força brutal estava abduzindo você por dentro. Comendo seus pedaços... — Ela arregalou os olhos. — chegou a vez em que você subiu para algum lugar da casa, imagino que tenha sido o banheiro e logo quando desceu... parecia um pouco melhor — notei seu olhar que escurecia as poucos, a respiração ofegava e ela parecia explodir de nervoso, nunca a vira assim —, mas... era obvio que não estava melhor, mesmo você dizendo eu sabia e então você caiu.
Ela piscou algumas vezes parecendo mais nervosa do que eu. Se foi isso o que realmente ocorreu, as coisas estavam realmente estranhas,
muito estranhas. Mas se observasse muito no olhar da Susan, eu conseguia perceber que não era o estranho que a afetara e sim... a quantidade de informações.

É isso — disse por fim, depois de alguns segundos.

isso?

Ela assentiu nervosa.

E... por algum acaso você imaginou algo?

Peguei. A sua face pareceu tão branca quanto leite.

N-não! Droga já disse tudo!

Bom então... Não acha estranho?

Ela me fitou.

Olha só — por um momento pensei que iria me bater ali, mas não —, se eu fosse você, tentava ficar mais informada das coisas. Só pra saber, certo?

Engoli o seco.

Porquê?

Porquê? Ah! Bom, simplesmente porque será uma descoberta medonha.
Ela se levantou e se virou, caminhando mais apressadamente para dentro do restaurante.
— Espera ai! Do que você sabe que
eu não sei?

O que eu sei? — Ela soltou um risinho — Que o mundo corre perigo.
O mundo.

A palavra ricocheteou distorcidamente no meu estômago e eu pensei que iria vomitar. Mas nem isso estava preparada agora, nem isso eu conseguia. Era como se um choque estivesse eletrocutando-me por dentro num pesadelo de eu não conseguia acordar. Não tinha ajuda e ainda assim...

Mas... E se tudo fosse apenas uma simples coincidência? Coincidências existem, certo? E se não precisasse fazer essa maluquice de “desvendar” não sei o quê? E se Susan estivesse apenas me enganando, é claro! Sempre fora tão misteriosa e gótica que estava tentando apenas me assustar! Bom, obviamente se “o mundo” corresse mesmo perigo, é claro que ela não estaria soltando risinho engraçados. Era mentira e como me deixei enganar!

Caminhei meio aturdida e animada um pouco.

Se tudo fora apenas uma coincidência e Susan apenas me enganara, não haveria com o que se preocupar, certo? Mas é claro que não!

Sentei-me à mesa e fiquei surpresa por ninguém perguntar-me onde estava. Mas olhando de relance apenas consegui ver a face de Susan, olhando séria para mim e balançando a cabeça. Mais uma vez isso me assustou e é claro, parecia que estivesse entendendo no que eu pensava. Mas não deixei-me levar e estampei um sorrisinho para ela.

Estava brincando comigo.

Mas eu ainda não sabia se aquela versão que Susan tivera me contado era verdadeira, então basicamente eu não sabia exatamente o que aconteceu naquela noite. Mas também não queria perguntar mais a ninguém, não queria tocar nesse assunto novamente, embora soubesse que “talvez” envolvesse uma pequena explicação para isso tudo, não queria tão cedo lembrar-me que esse meu aniversário de Dezessete anos foi o pior de todos os outros. E nada nunca acontecera parecido.

E espero que nunca mais tenha que passar por isso, embora não ter sentido nada, seria vergonhoso e começariam a pensar que estou... Inventando ou Enlouquecendo.
Comi a comida quieta quando serviram.


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Notas finais do capítulo

Meu primeiro capítulo, se lerem, deixem um review :)



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