Blueberry escrita por Rossetti


Capítulo 6
Ressaca


Notas iniciais do capítulo

Demorou, mas saiu mais um capitulo!

Esse capitulo foi o mais demorado pra escrever. Foram cinco horas e meia!
E nem é o maior.

Queria agradecer pelos comentários, como sempre. Vocês são lindos.



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Eu estava sentado debaixo do pinheiro, na escola. Estava sozinho e, ao mesmo tempo, não estava; a única pessoa ali era eu, mas bem em minha frente estava um animal. Cinza, com uma espécie de juba preta, com um corpo alongado. Lembrava vagamente um antílope.

Inclinei minha cabeça para o lado. O animal não me assustava, apesar do aspecto selvagem. Ao contrario, me dava um certo conforto.

O vento soprava calmamente, sendo o único som que quebrava o silencio. O animal batia os cascos no chão. O céu estava nublado, mas eu sabia que não choveria tão cedo. Tudo era muito cinza e azul. Eu gostava muito daqueles tons.

Não questionei em nenhum momento a alegria e segurança que senti ali.



O problema começou quando uma musica tocou ao meu lado, alta e irritante.

O animal se agitou e urrou. Ele sabia que tinha algo de errado. Eu também sabia.

Tive um momento de entendimento e quis impedir o animal de ir embora.

Mas foi tarde demais.




Acordei frustrado.

Demorei para conseguir desativar o despertador do celular, já que minhas mãos estavam suadas.

O que estava acontecendo? Que insanidade tinha sido aquele dia anterior? Parecia distante, como um sonho ruim.

E o quadrúpede do sonho, esse sim parecia real, como se estivesse ao meu alcance.

Sentei na cama e passei a mão no rosto. Tudo ia mudar, era obvio.

Ben e eu deixaríamos de ser amigos? O quão triste ele estava? Ele estava com raiva de mim, naquele exato momento?

Antes que pudesse me controlar, eu estava chorando.




Porque ele teve que fazer isso? Não podia ter guardado pra si mesmo?

Era obvio que eu ia dar um fora nele. Obvio.

E eu, estava chateado por causa disso?

Claro, quem não ficaria?

Eu preferia que ele vivesse com isso sufocado dentro de si?

Que tipo de amigo eu sou?

Eu me importava se ele estava feliz ou não?

Talvez eu seja um bosta.

O que mais eu podia fazer?

Eu dei a entender alguma coisa?

Eu posso viver sem ele?

É ridículo estar pensando nisso.

Ridículo porque eu não deveria ser tão dependente?

Ridículo porque é obvio que não da pra viver sem ele.

Só que ele é meu amigo. Mais nada além disso. Nada.

Talvez ele esteja confundindo as coisas.

Eu sou um homem, droga.

Ele também.



Minha mãe bateu na porta e eu não respondi imediatamente. Não queria que ela percebesse que eu estava chorando. Seria um inferno explicar o motivo.




Mesmo não tendo mais aula pra valer, eu tinha que ir para a escola, ajudar com o que faltava para a formatura. Sem contar que seria melhor que ficar no meu quarto remoendo o que aconteceu.

Mas eu não queria encontrar Benicio. Não tinha ideia do que faria quando o visse.


Por sorte, ele não estava na nossa sala, mesmo que todos os demais alunos da organização da formatura estivessem ali.

Me sentei com eles e acabei tendo que ouvir as meninas debaterem por quase quarenta minutos o tamanho do vestido que deveria ser padrão na festa. Em um determinado momento, eu queria desesperadamente sair de perto daquela chatice toda.

Inventei uma dor de cabeça para escapar da sala.


Pareceu coerente, então, ir até o pinheiro.

Quando me sentei na grama, exatamente no mesmo lugar em que estava no sonho, me perguntei se ele teve um significado. Não era incomum ter sonhos estranhos, mas era como se aquele animal já existisse antes. Tentei me lembrar de onde e não consegui; provavelmente era só impressão.

Fiquei ali, olhando para frente, como se esperasse o mundo se tornar cinza e azul, o quadrúpede aparecer e o vento soprar frescamente. Mas continuou tudo muito claro e verde, com alunos conversando aqui e ali, pássaros cantando loucamente e um calor insuportável.

Fechei meus olhos e comecei a arrancar a grama em torno de mim com as mãos. Tudo estava inquietante, todos os lugares. Também não estava dando para ficar ali.

Quando levantei para ir embora, Blueberry estava ali.


Poucos alguns metros de distancia. Me olhando como se tivesse visto um fantasma.

Provavelmente ele também pensou em ficar sozinho debaixo do pinheiro.



Não existe forma de descrever o quanto me machucou perceber que ele estava chorando. Por minha causa. Eu quis correr para perto dele, quis dizer que ficaria tudo bem, que aquilo passaria. Mas meu corpo não se moveu.

Fiquei ali parado, como um idiota, olhando para Ben.




E mais um pedaço do meu mundo ruiu, quando Benicio virou as costas e foi embora.




Eu só voltei pra casa a noite e fui direto tomar um banho. Deixei meu pensamento vagar livre, enquanto a agua fria caía em minhas costas. Me peguei encarando a mim mesmo no espelho. Observei desde o cabelo e olhos castanhos, até a palidez e magreza que não pareciam combinar com a forma de meus ombros, que sempre fizeram eu me sentir um macaco nerd e esquisito. Benicio me achava bonito? Era meio insano imaginar.

Depois do banho vesti uma cueca e deitei, com o corpo ainda meio molhado. Não importava, estava um calor infernal.


Fiquei em minha cama, olhando para o teto, remoendo.

Tudo aquilo, a declaração, a situação, o sonho, aquele dia insano... Não pareciam ter o menor fundamento, como se pertencessem a uma outra realidade ou a vida de um outro Reinaldo.

E mesmo assim... Cada parte de mim parecia estar quebrada. Porque ele estava triste e eu não podia fazer nada quanto a isso. Eu o consolaria, em qualquer outra ocasião. (E essa era a quarta ou quinta vez que eu sentia necessidade de abraçar Ben, em menos de dois dias, sim, eu tinha consciência disso.)

E ainda havia a nossa proximidade. Eu não queria pensar no que seria dali em diante. Porque, é claro, eu não conseguiria lidar com a falta de Ben. Aquilo me mataria. Mataria a nós dois.

Eu não sabia o que fazer.



Acho que cochilei por uma hora ou duas. Só acordei porque senti os pernilongos me comendo vivo, então perdi o sono. Fiquei alguns minutos na internet, pelo celular. Benicio não estava online, mas não me bloqueou em nada. Senti uma pontada minúscula de alivio.

Não consegui jogar nada, cada jogo meu tinha um pouco de Ben, algo que ele customizou, construiu ou nomeou. Acabei perdendo a paciência e comecei a arrumar o meu quarto para me manter ocupado.

Foi muito pior, é claro. Tudo o que encontrei me fez pensar nele. Passei longos minutos olhando brinquedinhos e tralhas que compramos juntos por aí. E achei até um caderno de desenho que fizemos juntos, lá pela sétima serie.

Sentei no chão e virei as folhas, tentando me lembrar dos momentos em que desenhamos tudo aquilo. Conforme chegava o meio do caderno, os desenhos deixaram de ser de coisas comuns, como pessoas e carros, dando lugar a bichos e plantas completamente absurdos. Sorri involuntariamente ao lembrar que aquilo foi quando decidimos, baseado em Pokémon e Digimon, criar um mundo nosso, com fauna e flora próprios.

Uma luz se acendeu um meu cérebro e eu comecei a passar as folhas rapidamente, procurando um especifico. Parei onde o desenho que procurei deveria estar. A folha tinha sido arrancada.

Um pouco afobado, revirei as gavetas, olhando cada papel nelas.

Achei ele no meio de uma agenda velha.





~~~~~

Eu estava insatisfeito com os desenhos do caderno. Mesmo que Ben e eu estivéssemos nos dedicando muito naquilo, ainda pareciam desenhos infantis e desproporcionais.

—Nós somos ruins, admita. _Falei, me esparramando no chão do quintal de Ben.

—Você é tão pessimista, credo. _Ben falou, calmante pintando uma flor azul marinha. _Ou acha que todo mundo já começa sendo genial?

—Acho. Pessoas com talento começam sendo geniais. _Desconversei. Ele só riu.

—Vamos fazer outro. _Benicio decidiu, virando uma folha. Ele fez os rascunhos, de leve, e ficou olhando para o papel.

—Você não cansa? _Peguei o lápis de sua mão e desenhei alguns detalhes, por cima.

—Rei, você ta deixando todo zoado. _Ele reclamou, segurando minha mão, por cima do lápis. Parei de olhar para o desenho, por uns segundos, prestando atenção apenas em como a mão dele era quente. Cheguei a assustar, quando ele riu e soltou minha mão.

Ben pegou uma caneta preta e contornou o desenho. Demorei para perceber que estava perfeito. Era, de longe, o melhor do caderno.

—Cara, que legal! _Falei, esquecendo as mãos. Aquele animal era a coisa mais incrível do mundo para mim, naquele momento.

—Eu sei. _Benicio olhou pra mim. Seus olhos pareciam duas estrelas, azuis e brilhantes. _Nós somos muito melhores juntos, eu acho.

—Somos sim. _Confirmei. E mordi o lábio, antes de continuar falando. _Nós somos até pessoas melhores, juntos, Ben. Acho que nós temos que ficar juntos sempre.

Ele gargalhou, uma daquelas risadas livres e gostosas de ouvir.

—Caramba, Rei, você não devia ter um anel, pra me pedir em casamento? _Ele brincou.

—Credo, Benicio! _Exclamei, rindo também. _Que nojo!

Ben parou de rir, como se tivesse levado um choque. Mas antes que eu perguntasse o que tinha acontecido, ele me empurrou com o ombro e voltou a rir.

—Eu tava brincando, ô idiota. _Ele pegou o lápis azul e começou a pintar o fundo da imagem.

Eu revirei os olhos, de forma exageradamente teatral, e peguei outro lápis.

—Eu sei, né. Não ofenda minha inteligência, por favor.

Ben não respondeu, concentrado em não errar a pintura.

~~~~~~




Já estava quase amanhecendo e eu continuava parado, olhando para o desenho. Eu estaria chorando, mas era como se eu não tivesse mais lagrima nenhuma.


Por que eu tinha esquecido daquilo? Quantos outros pequenos detalhes eu deixei passar?





Benicio gostava de mim, já naquela época? Parece impossível, mas a forma que ele me olhou quando eu falei de nojo... Como eu não reparei nisso, no momento?



O que mais eu não percebi?

 


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Odiaram? Por favor, comentem! ;)