Sweetly Broken escrita por beautifully diseased


Capítulo 3
You Make Me Beautiful




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 Quando chego à escola no dia seguinte, não quero realmente conversar com Jill e tento evita-la o máximo que posso. Caminho até o bebedouro antes de ir até meu armário descarregar minha pilha de livros e pegar mais alguns. Tenho quase certeza de que ela está me esperando no corredor, mas me engano. Ela deve ter me visto chegar, porque me segue até o bebedouro e se aproxima antes que eu consiga montar uma boa defensiva.

 - Carrie! – ela diz, sorrindo.

 Como não sorrio de volta, seus olhos me observam atentamente. Ela se dá conta de que não estou feliz, portanto, ela também não deve estar. Agradeço silenciosamente enquanto ela perde o aspecto entusiasmado e se junta à minha carranca.

 - Oi, Jill – digo.

 - O que aconteceu?

 - Nada.

 Ela revira os olhos. Sempre digo nada porque, no meu mundo, nada quer dizer tudo. Tudo havia acontecido, tudo estava errado. Nada estava certo. E não havia nada que eu pudesse fazer. Eram duas palavras com conceitos muito similares na minha cabeça. As outras pessoas as viam de outra forma, mas eu sempre vi tudo e nada como a mesma coisa. Muitas vezes, eu precisava de tudo e de nada para ter uma recaída na automutilação.

 - Carrie, me conta o que aconteceu.

 Jill não acha que tudo e nada são praticamente a mesma palavra, então ela não entende que com aquela simples resposta eu havia lhe dito o que ela queria saber. Balanço a cabeça ao invés de tentar argumentar com ela.

 - Não quero falar sobre isso.

 - O que ele fez com você? – ela pergunta, imediatamente.

 Penso que, talvez, Jill tenha cogitado a ideia de que Justin não ia querer sair comigo sem razão nenhuma. É claro que ela deve ter pensado sobre isso, mas não me disse nada. Ela me conhece, ela me vê todo dia. Sabe que sou horrorosa. Quem iria querer sair comigo?

 - Nada, Jill – respondo.

Nada. Tudo. Justin não é realmente o culpado. Eu sou.

 Puxo um pouco para cima as mangas da minha camiseta e me inclino para beber água. Tenho plena consciência que estou mostrando mais cicatrizes naquele gesto do que em qualquer outra ocasião. Jill encara meu braço esquerdo atentamente. Fecho os olhos e volto à posição normal. Abro os olhos e cubro meu braço de volta com a manga. Quero que ela entenda o quanto estou sofrendo. Quero que ela adivinhe. Estou tão cansada de ter que dizer as coisas.

 Jill puxa meu braço esquerdo e sobe minha manga.

 - Elas não são velhas.

 - São, sim – minto.

 - Você se machucou ontem?

 O termo que ela usa, machucou, me faz querer rir. Aquilo não é um simples machucado. Todos os machucados saram. Cicatrizam. Os meus verdadeiros ferimentos nunca cicatrizam. Eles continuam lá, abertos. A cada movimento errado, cada movimento impensado, eles se abrem e sangram. E dói tanto. Dói tanto que tenho vontade de morrer.

 - Não – minto de novo.

 Jill está quase lá. Ela só precisa apertar um pouco mais a barra e vou acabar contando. Não quero que ela desista de mim, mas não vou lhe contar meus segredos tão facilmente.

 - Vou tentar ser mais clara – ela aperta ainda mais meu pulso e me encara – Quando você fez esses cortes?

 - Três noites atrás – respondo.

 Estou lhe dizendo a verdade, porque ela fez a pergunta certa.

 - E onde você se cortou ontem?

 - Não me cortei ontem... – começo a dizer.

 - Onde foi, Carrie? – ela me interrompe, brava.

 - Nos quadris. Mas eu me arranhei, não cortei.

 Jill solta meu braço. Arrumo as mangas dos dois braços para cobrir todas as cicatrizes e, consequentemente, a verdadeira eu. Jill me encara como se fosse minha mãe e eu abaixo a cabeça. Sei que aquele olhar realmente é parecido com o da minha mãe. Mas sei também que não machuco Jill quando conto a ela que me corto. Minha mãe não tem esse privilégio. Ela depende de mim e eu dependo dela. Fico feliz por ainda não ter perdido a cabeça, porque poderia ter matado nós duas. Fico feliz que eu ainda tenha esse pouco de força.

 - Carrie, você se arranhou? Isso é horrível. É doentio! Você está usando seu próprio corpo para se machucar. Você não entende o que isso significa, não é?

 - Não preciso entender por que faço isso, Jill – respondo, elevando a cabeça e a encarando – Só preciso que isso pare. Sinto como se nunca fosse acabar.

 - Você tem que lutar contra isso.

 - Eu luto – dou um sorriso cheio de lágrimas e sem humor – Você acha que não luto? Todos os dias, é uma luta para levantar da cama. Quando não tenho que me obrigar a levantar, tenho que me obrigar a não me matar quando vejo meu reflexo no espelho. Eu me odeio com todas as minhas forças. Odeio toda parte de mim, física ou intelectual. Você não sabe o que se passa na minha mente para me dizer que não luto. Não posso contar para minha mãe, você é a única que sabe. E, ainda assim, tento esconder de você. Porque luto. Mas luto sozinha.

 - Por que não me pede ajuda?

 - Você sabe que não gosto de pedir ajuda.

 - Carrie, você vai acabar se matando.

 Jill não entende o poder de suas palavras, mas elas me acertam em cheio. Porque são verdadeiras. E, um dia, realmente vou acabar me matando.

 - Provavelmente. Mas quem se importa?

 Dou as costas à Jill e seco as lágrimas que fugiram do meu controle.

 - Eu me importo – ela grita para mim.

 Não me viro para encará-la. Sei que é verdade. Sei que também é verdade que, por mais que todos que convivam comigo sentirão minha falta, eles vão continuar com suas vidas. Serei esquecida depois de um tempo. Se não for esquecida, serei ignorada. De um jeito ou de outro, irei cair na escuridão. Isso é muito pior que a morte para mim.

 Depois de trocar os livros da minha bolsa pelos do armário, caminho para minha aula. Na hora do almoço, vou para o banheiro comer sozinha. Não quero conversar com Jill e não quero encontrar ninguém indesejado. Na hora da saída, vejo Justin de longe. Ele dá risada com os amigos como se nada tivesse mudado em sua vida perfeita. Aquilo me atinge ainda mais.

 Quando chego em casa, resolvo tomar um banho. Minha mãe ainda não chegou do trabalho, então tenho muito tempo para pensar debaixo do chuveiro. Quando saio e vejo minha imagem no espelho, quero dormir pelo resto da minha vida. Sou horrível. Devo me machucar. Devo me punir por ser tão inútil e por ser alguém tão nojento. Então arranho meus quadris de novo, em outro lugar desta vez. Limpo o arranhão e passo uma pomada em todos os meus ferimentos. Quando me jogo na cama, quase solto um grito de dor. Encostar em qualquer coisa nos primeiros dias depois de se fazer um arranhão é horrível. Dói muito.

 Minha semana não muda. Continuo seguindo o mesmo padrão, mas paro de me arranhar. Agora, quando saio do banho e me encaro no espelho, só choro. O resto continua o mesmo. Minha mãe continua presa em sua ignorância. Jill não fala comigo. Justin ri com seus amigos, separado do resto da escola. Nada realmente muda. Até a sexta-feira daquela semana.

 Hora da saída na sexta. Fim de semana chegando. Todos estão muito empolgados com as festas que vão dar ou as coisas que vão fazer. Meus fins de semana são sempre iguais aos dias normais: passo a maior parte do tempo no computador, desligada do resto do mundo. Para minha surpresa, uma voz masculina grita meu nome enquanto estamos indo embora da escola. O resto do pessoal para e olha para trás porque reconheceram a voz. Mas ela está gritando um nome que eles não conhecem.

 Aumento o passo para fugir do dono da voz. Não quero vê-lo. Não hoje. Não agora que estou limpa há quase três dias. Quando estou no meio de uma crise, três dias é um grande feito. Ele não pode me fazer ter uma recaída de novo. De novo, não.

 - Carrie, espera por mim.

 Justin consegue me alcançar. Relaxo os ombros e suspiro. Não tenho mais como fugir.

 - Nossa, é tão ruim assim falar comigo? – ele pergunta quando percebe que pareço triste, brava e completamente aborrecida.

 - De certa maneira, é – respondo, sendo sincera.

 Justin arqueia as sobrancelhas e recua um passo, como se tivesse sido atingido por um soco.

 - Eu... Não sei nem o que te dizer... Não queria te incomodar...

 - O que você quer, Bieber? – pergunto.

 Não quero joguinhos. Quero que seja objetivo. Curto e grosso como sou quando estou brava.

 - Quero você – ele coça a cabeça – Quero dizer, quero sair com você de novo. Quero te ver.

 Suas palavras me fazem corar. Metade de mim já está derretida por ele. A outra metade está completamente assustada porque sabe que aquilo pode ser parte da aposta. Quero socar Justin Bieber tão forte que ele vai perder seus dentes, mas fico quieta.

 - Por que você gosta de mim? – pergunto a primeira coisa que me vem à mente.

 Justin dá uma risada sem muito humor.

 - Você não consegue aceitar o fato de que alguém possa realmente gostar de você?

 - Não consigo aceitar o fato que você gosta de mim – revelo, tirando um peso dos meus ombros – Porque você é perfeito e eu... Eu não sou nada.

 Sou tão idiota e estúpida que já estou chorando. Justin continua calado. Ele deve ter percebido que não acabei o que tinha que dizer, mas não consigo continuar sem uma pausa. Deixo as lágrimas caírem. Deixo meu corpo inteiro se balançar em um soluço. Justin não se aproxima. Não quero que ele me toque. Tudo ficaria muito pior se ele me tocasse.

 - Você já concluiu sua maldita aposta. Por que ainda está falando comigo?

 - Carrie, sei que o que fiz foi errado, mas eu não me arrependo.

 Arregalo os olhos, quase não acreditando no que acabo de escutar. Meus olhos se enchem ainda mais de lágrimas e eu quero chegar em casa, me encolher em posição fetal na cama e chorar pelo resto da minha vida. Chorar e dormir.

 - Você não se arrepende? Você não se arrepende de me fazer chorar e sofrer?

 Quero batê-lo de novo. Esse arrogante, canalha, idiota. Como pude me apaixonar por ele? Ele é um lixo. Não quero nem acreditar que fui amiga desse estúpido, que já convivi com ele quando éramos crianças. Cerro meus pulsos.

 - Não me arrependo de ter saído com você. Você é incrível e eu quero você de novo.

 Tento assimilar suas palavras e começo a compreender o que ele quer dizer. Ainda assim, não estou pronta para isso. Não estou pronta para me arriscar de novo.

 - Você está pedindo demais – respondo.

 Justin respira fundo e olha para os lados, pensando em outra solução. Ele sorri depois de algum tempo.

 - Tudo bem, tudo bem. Vamos recomeçar. Oi, eu sou Justin Bieber. Qual é o seu nome? – ele me oferece sua mão.

 Encaro a mão de Justin e depois subo para seus olhos. Minhas sobrancelhas estão arqueadas.

 - Não vou entrar nessa brincadeira de merda – é tudo que respondo.

 - Ah, olá Carrie Whitaker. Como você está? – Justin continua, sorrindo e balança a mão no ar.

 - Justin, para com isso.

 Ele está quase me fazendo rir com essa brincadeira idiota. Minhas lágrimas até secam.

 - Ah, que ótimo. Também estou bem, obrigado por perguntar.

 - Tá bom, tá bom. O que você quer, Justin?

 - Neste exato momento, quero te dar uma carona para casa.

 - Tudo bem, mas só se você calar a boca.

 Justin dá risada e nós caminhamos até seu carro. Ele abre a porta para mim e, logo depois, já estamos andando pelas ruas de Stratford. Não digo nada no caminho. Ele também não. Acho que não estamos realmente preparados para conversas sem sentido. Eu, com certeza, acharia um jeito de voltar a brigar com ele. Adoro brigas. Jill sempre se esquiva delas, mas gosto de cutucar e terminar com aquilo. Brigas não me dessem pela garganta se eu não tiver ganhado todas elas.

 Justin estaciona na frente da minha casa.

 - Pronto, moça. Você está entregue.

 Dou um sorriso antes de me lembrar que estou brava com ele, então volto a ficar brava. Aquilo faz Justin rir. Ele sai do carro e abre a porta para mim. Quando tenta me ajudar a sair, eu o ignoro completamente.

 - Consigo sair de um carro sozinha, muito obrigada. Posso ter sido idiota por não ter percebido que o encontro de terça-feira era uma aposta, mas não sou tão idiota assim.

 Justin respira fundo e fecha a porta do carro atrás de mim.

 - Quantas vezes vou ter que te dizer que eu estou...

 - Arrependido? Já entendi. Já decorei. Agora tchau. Muito obrigada, vou para casa.

 Eu me viro e caminho até minha porta. Justin me alcança e me intercepta antes que eu possa entrar. Eu o encaro com um olhar cansado. O prêmio de Stacy deve ser muito bom para ele tentar ficar comigo de novo com tanta persistência.

 - Quer jantar comigo hoje? – ele pergunta.

 - Você está brincando? É claro que não.

 Minha resposta até mesmo me surpreende, mas realmente não posso me dar ao luxo de me arriscar. E se ele fizer o mesmo que antes? Vou ter outra recaída e, dessa vez, vai ser mais forte porque vou me lembrar do quanto fui burra por cair pela segunda vez.

 - Não, mas...

 - Tchau, Justin – abro a porta.

 - NÃO, espera! Sua mãe vem também.  E vocês vão jantar lá em casa. Minha mãe vai estar lá. Não vai ter perigo nenhum. Como eu poderia te machucar desse jeito, hein?

 Arqueio os sobrancelhas, mas estou realmente pensando no assunto. Seria estranho ter nossas mães em um encontro, mas, de certa maneira, seria uma garantia de que nada iria acontecer comigo. No sentido da aposta, é claro.

 - Essa é a melhor ideia que você teve? – pergunto, com uma sobrancelha arqueada.

 - A melhor que eu tive até agora.

 Cruzo os braços e suspiro. Ele não vai me ganhar desse jeito.

 - Qual é, vai ser legal! Nós vamos poder conversar e, talvez, daqui a algum tempo, você vai conseguir me perdoar e gostar de mim de novo.

 Olho para baixo e sorrio sem humor algum.

 - Você não entende, não é? – quando subo os olhos e encaro Justin, seus olhos estão preocupados – Eu já te perdoei. Só estou brava comigo mesma agora, porque fui muito burra de não ter adivinhado. E, no fim das contas, sempre vou gostar de você.

 Ficamos em silêncio porque não há nada a dizer. Acabo de dizer a Justin que gosto dele. Claro que eu não disse tudo o que eu sentia – especialmente porque não sei explicar – mas foi uma dica e tanto de que eu sempre tive uma queda por ele, desde criança. Justin olha para baixo por alguns segundos e sobe a cabeça. Seus olhos parecem tristes.

 - Venha esta noite. Por favor – ele diz em um sussurro.

 - Por que você quer que eu vá? – pergunto – Não consigo te entender.

 - Você não sabe que é uma ótima pessoa, sabe?

 - Não. Acho que eu sou horrível – respondo com sinceridade.

 - Cala a boca – ele diz, aproximando-se de mim e pegando meu rosto em suas mãos – Você é maravilhosa. Você é engraçada, divertida, doce, gentil, você ri das minhas piadas, até mesmo das sem graça, e você é linda. É por isso que eu te quero por perto.

 Sinto meu coração acelerar e minhas bochechas corarem. Meu rosto está bem mais quente. Tento dizer alguma coisa, mas não consigo. Justin olha em meus olhos e sinto como se estivesse completamente presa neles. Meu coração agora está tão alto que o escuto nos meus ouvidos. Justin deve estar escutando também. Coro mais ainda. Que embaraçoso.

 - Eu... Oh, meu Deus – é tudo que consigo dizer.

 - Isso é um sim? – ele pergunta, sorrindo.

 Seu rosto está tão próximo do meu que nossos narizes se tocam quando eu faço que sim com a cabeça. Justin solta meu rosto, abre um sorriso ainda maior e beija minha testa. Sinto como se pudesse morrer naquele momento, porque já tive felicidade suficiente por uma vida inteira. Ele gosta de mim, é inegável. Justin Bieber gosta de mim. Preciso de um beliscão.

 - Vou te esperar lá em casa – ele diz, com um sorriso de lado.

 - Eu e minha mãe estaremos lá – respondo.

 - Ah, claro. Sua mãe. Com certeza – ele diz, dando uma risada tímida – O que você acha de aparecer às sete e meia?

 - Ótimo – respondo, tentando não soar muito entusiasmada.

 - Legal – ele se afasta um pouco – Vejo você mais tarde então, Carrie.

 Justin puxa minha mão esquerda. Fico tão desconfortável, mas não deixo transparecer: aquele é o braço das minhas cicatrizes. Demoro a lembrar que estou usando mangas longas hoje, então não há com o que me preocupar. Justin beija as costas da minha mão e sorri. Fico corada, mas retribuo o sorriso. Ele caminha até sua casa.

 - Vejo você mais tarde, Justin – sussurro, tarde demais.

 Entro em casa e fecho a porta, meu coração quase saindo pela boca.


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Notas finais do capítulo

Sei que demorei muito e eu sinto muito mesmo. Vou tentar não demorar tanto assim da próxima vez.



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