The 68th escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 31
Cheiro de Sangue + Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Bom, chegou o último capítulo afinal, gente! Espero que gostem desse restinho de June, rs.



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Depois da coroação, volto para o Edifício dos Tributos em silêncio e durmo quase instantaneamente, ainda devastada devido à Arena.

Em meu sonho, estou em meu quarto, na Capital. Estou deitada na cama que não vejo há tanto tempo, e a sensação de estar lá - mesmo que em sonho - já me é estranha. De repente, começo a sentir um cheiro de algo que reconheço como sangue. Abro os olhos, mas percebo que tudo à minha volta está escuro. Tento me mexer, mas sinto mãos frias e grossas fazerem força em minha garganta contra o lençol, tão forte que sinto como se houvesse perdido o ar.

Tento gritar, mas não sai som algum. Remexo meu corpo, tentando me livrar das mãos que, naquele momento, estão à beira de me enforcarem. Uma delas, porém, desgruda de meu pescoço e some de minha visão durante alguns segundos. Quando consigo vê-la novamente, os dedos estão dobrados em volta de um pequeno frasco de vidro, ou melhor, dois deles. O líquido de dentro é incolor e em questão de segundos sinto-o percorrer o interior de minha boca, descer por minha garganta.

Então, quando finalmente a luz se acende, vejo um sorriso cruel porém familiar, quase recente. Reviro os olhos, tentando decifrar a figura que me segura e que acabou de tomar um gole do mesmo líquido que foi forçado dentro de minha boca. Quando consigo ver com clareza a figura, percebo que se trata de nada mais, nada menos do que o Presidente Snow.

– Saúde! - ele me deseja junto a uma risada irônica.

Acordo subitamente; minha respiração é ainda ofegante e sinto como se o sonho ainda não houvesse terminado, tão intensa foi a forma com que me veio à mente. Meus batimentos haviam acelerado, assim como minha respiração. Ouço então batidas contínuas dessa vez fora de mim.

– June, está acordada? - Reconheço a voz fina de Elise do outro lado da porta, batendo na mesma de forma contínua.

– Sim - digo, me endireitando na cama. - Acordei já faz alguns segundos.

Ela então gira a maçaneta e entra no quarto, sentando-se na beira da cama.

– Pensei ter ouvido você gritar.

Faço que sim com a cabeça.

– Infelizmente - concordo com uma voz fraca, quase como em um suspiro. - Foi meu sonho. Snow me enforcava enquanto eu dormia e eu perdia todo o meu ar, depois ele me dava um líquido estranho para beber...

Ela se aproxima de mim e faz um sinal com os dedos para que eu pare de falar.

– June... Você sabe que está tudo bem, não precisa se preocupar com essas coisas.

– Eu sei, Elise. Mas o que me assustou naquele momento foi o modo com que ele segurou minha garganta. Parecia que ele queria me matar lentamente, fazendo-me sofrer antes mesmo de que eu pudesse sentir o líquido e seus efeitos. E o cheiro de sangue... Tudo aquilo me dá calafrios e me faz querer tudo menos morrer pelas mãos daquele homem.

Deito então a cabeça no ombro de Elise, e ela diz:

– Desde que você não piore as coisas, prometo que Snow não te enforcará nem te dará nada estranho para beber. - Então ela expressa um sorriso sutil, tranquilo. - Você fez tudo o que pôde e o que quis, agora é só esperar.

E, com essas últimas palavras de Elise ainda soando, novos pensamentos começam a brotar em minha cabeça.

Minha casa. Cameron. A Capital. A Arena. Joy. Madeline. Trevor. Amelia... Tudo. Lembro de todos os acontecimentos desde que me ofereci como tributo; desde a Colheita até a Coroação.

Flashes de memórias aparecem em minha mente, oscilando entre si e trazendo de volta tudo o que senti ao viver cada uma das lembranças que revejo agora.

A surpresa que tomou meu corpo quando Cameron se ofereceu. O nervosismo de antes da entrevista. A primeira vez em que peguei em uma faca, a incerteza e vontade de que aquilo pudesse dar certo. O Banho de Sangue da Cornucópia, o desespero ao causar a primeira morte. Minha apreensão quando Madeline foi raptada. Minhas lágrimas quando Joy se foi. Meu arrependimento quando vi Cameron sem vida. O quanto estranhei o cheiro de sangue vindo de Snow. Meu último sonho, o medo que senti enquanto vivenciava tudo aquilo. Eu poderia ter evitado tudo isso, se soubesse que todos os meus esforços seriam em vão.

Porém, apesar de tudo, não tenho medo de continuar tentando e de me esforçar para fazer o melhor sem colocar a vida de outras pessoas em risco. Temo morrer pelas mãos de Snow, mas sei que sou a única a realmente merecer tal fim.

Se garantir a proteção dos distritos a qualquer uma das futuras injustiças da Capital é algo fatal, a única pessoa a quem Snow vai sufocar será eu.

Bom, não que eu acredite que ele vá conseguir se livrar de mim tão facilmente.

**

EPÍLOGO

Naquele dia mesmo começo a viagem que iniciaria a Turnê dos Vitoriosos; nela, o Vitorioso dos Jogos Vorazes passa por cada um dos distritos compartilhando suas experiências e prestando homenagens aos tributos que não chegaram até o fim.

Há um novo conjunto azul criado por Fennie para cada novo distrito que visitamos. É duro ter que me basear em um discurso específico quando meu desejo é de sair falando sobre como determinado tributo não mereceu nada do que sofreu na Arena. Em vez disso, preciso carregar comigo um pequeno papel com tópicos que me guiam na progressão de minha fala e tenho pouco tempo para dizer coisas sobre os tributos em si. Elise me lembra antes de todas as vezes em que subo no palco de me manter controlada e reservar minhas ações como rebelde para depois da turnê, quando eu estivesse fora do alcance das lentes da Capital - se é que um dia estaria.

No Distrito 1, falo sobre como Joy foi uma pessoa importante para mim, uma das únicas em que sabia que podia confiar. Falo de como, mesmo estando em uma arena, eu podia sentir que tinha uma amiga quando estava a seu lado. Depois, apesar de tudo, acabo dizendo que Garret era extremamente talentoso com as armas e que foi um tributo muito difícil de ser vencido. Isso é considerado um elogio, não é?

No Distrito 2, conto sobre Amelia e sua habilidade com as armas. Se fosse mais além disso, sei que a acabaria xingando por ter matado meu irmão, o que não seria nada agradável. Quanto a Chad, digo que, apesar de terem sido poucos os momentos em que convivi com ele, percebi - e ouvi - que foi uma pessoa muito boa e muito amada.

Quando o trem chega no Distrito 4, ainda estou indecisa quanto ao que falar sobre Trevor. No final, tudo acaba evaporando de minha mente e digo que ele foi um tributo muito habilidoso, com ótimas estratégias. Quanto a Madeline, confesso que, se tivesse tido oportunidade, consideraria deixá-la ganhar. Mas, infelizmente, o garoto do 11 havia sido mais rápido. Por fim, completo dizendo que sua perda foi uma das mais difíceis de superar e acabo não comentando nada a respeito de Jason e o desejo dela de poder libertá-lo.

O pior é quando chego ao Distrito 6. Todos me recebem com aplausos e assovios; afinal, eu e Cameron salvamos a vida de dois adolescentes que poderiam ser qualquer jovem daquele distrito. Tento evitar, mas sei que, uma hora ou outra, teria de seguir o discurso pré-estabelecido e falar sobre meu irmão.

– O que dizer sobre Cameron? - pergunto a mim mesma no microfone, dirigindo-me a toda a população do Distrito 6. - Ele era sensível, leal, sagaz... Porém, o mais importante é que ele era meu irmão. Diferente de qualquer outro tributo, Cameron conviveu comigo desde que me entendo por gente. Sei que nunca dei a ele o carinho que merecia, e confesso que me arrependo disso. Ele entrou naquela arena para me proteger, e agora sei que, na verdade, eu deveria tê-lo protegido. Não me arrependo das atitudes que me inseriram nos Jogos, pois sei que me oferecer foi a melhor opção considerando os objetivos que tinha - e que ainda tenho - em mente. Mas sei que, de um jeito ou de outro, essas atitudes foram o motivo de sua morte. Acho que nunca haverá palavras o suficiente para que eu expresse o quanto o amo e o quanto quero me desculpar por tudo. Cameron foi alguém que me ensinou muito e é exatamente por isso que quero pedir a vocês, não só do Distrito 6, mas de toda Panem, que façam uma coisa em nome de nós dois: não se esqueçam de Cameron. Por favor, nunca se esqueçam de sua coragem e de seu amor, que foi uma das coisas mais bonitas que já vi em toda minha vida. É isso que o faz tão especial, é por isso que ele deve ser lembrado.

As pessoas aplaudem, e eu saio do palco com lágrimas escorrendo pelo rosto. Penso em tudo que deveria ter dito a Cameron quando tive chance, no tempo que perdi pedindo para que ele me deixasse em paz, para que sumisse da minha vida.

A Turnê dos Vitoriosos se resume a isso: um olhar torto aqui, outro acolá, palmas sem entusiasmo, lágrimas ao lembrar-me de cada um que deixei para trás naquela Arena.

Penso então em tudo o que fiz para provar meus valores e em tudo o que farei no futuro. Assim que a Turnê dos Vitoriosos chegar ao fim, retornarei à Capital, pois tenho muito a tratar com minha família. Além de inúmeras explicações que preciso dar e de determinados momentos de que precisamos tratar, tentarei convencê-los a ir comigo morar no Distrito 6. Apesar das circunstâncias, o governo seria obrigado a me fornecer uma casa na Vila dos Vitoriosos com direito a uma vida no distrito padrão Capital. Planejo começar projetos comunitários relacionados a vários aspectos de carência da população. Projetos independentes, claro; totalmente fora do conhecimento de Snow. Conto com a ajuda do resto de minha família na realização desses, e realmente acredito que me apoiarão depois de tudo pelo que passei.

Talvez eu consiga um papel que contribua para a sociedade sem iniciar uma rebelião, o que é algo para que ainda não estou pronta, e nem mesmo sei se estarei um dia. Mas, no Distrito 6, pelo menos terei satisfação em fazer o que muitos deveriam ter começado há muito tempo. Desse modo, eu talvez consiga superar a sensação de que perdi mais do que ganhei entrando nos Jogos.

Ainda assim, no fundo, sei que meus esforços não foram em vão. Sei que um dia alguém continuará o que comecei e terá sucesso. E eu seguirei esse líder com toda a minha determinação - a mesma que carreguei comigo na Arena para chegar até o fim.

Continuarei o caminho que eu mesma tracei. Farei com que a Capital e o Presidente Snow caiam para nunca mais se levantarem.

E vão cair. Não sei quando, mas vão.


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Notas finais do capítulo

E é isso, acabou a fic, gente!
Primeiro, eu queria agradecer a cada um de vocês que gastou uma parte do seu tempo para ler mais um capítulo ou para deixar um review.
Segundo, eu quero agradecer o carinho de vocês pela fic, de verdade. Ao longo desses 31 capítulos, eu recebi reviews que me incentivavam, que elogiavam a fic e o jeito que eu escrevo, e acho que vocês não fazem ideia do quanto isso foi importante pra mim.
Eu quero que vocês saibam que cada um de vocês foi extremamente especial. Eu abri um sorriso cada vez que via que tinha um novo leitor. Essa foi minha primeira história, então o fato de vocês terem gostado me faz muito feliz.
Então, obrigada, de verdade, a cada um de vocês que leu a fic e acompanhou do começo ao fim. Espero que não se esqueçam da história e que contiuem indicando, porque eu com certeza nunca vou esquecer do carinho que vocês tiveram com ela, de verdade. Eu e a June agradecemos, espero que tenham gostado!



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