The 68th escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 22
Traidora


Notas iniciais do capítulo

Não me matem!



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Saio calma e silenciosamente de trás da árvore em que estava escondida até então. Não há nenhum sinal de Trevor, Joy ou Amelia.

Me aproximo mais um pouco. Sei que estou perto do acampamento de Trevor, a fogueira vem de algum lugar dessa área da arena. Então, me escondo novamente atrás de um pinheiro, começando a sentir um cheiro de madeira queimando.

É aqui.

Encontrei o acampamento de Trevor. Agora só falta pegar o que me pertence.

Olho para os lados e logo avisto Joy. Vejo que ela também encontrou nosso querido tributo procurado e que agora começa a montar a alguns metros de mim a fogueira que o atrairia futuramente - bom, pelo menos de acordo com o que planejamos.

Um pouco mais distante, vejo Amelia com sua espada e facas a postos. Ela fica o tempo inteiro de olho em Joy, provavelmente certificando-se de que está segura, isto é, longe de Trevor.

Volto meu olhar para Joy quando ela começa a esfregar dois gravetos para acender a fogueira. A princípio nada acontece, mas não demora muito até aparecerem faíscas que crescem a ponto de tornarem-se chamas fortes e vívidas. Uma isca perfeita.

Minha deixa se aproxima; é só uma questão de tempo até Trevor perceber a fogueira e deixar o acampamento. E é aí que eu entraria em ação.

Espero mais alguns segundos ainda escondida atrás do pinheiro até que Trevor aviste a fumaça da fogueira de Joy. Quando finalmente parece enxergá-la, pega sua lança e corre em direção ao local onde supostamente estaria o tributo responsável pelas chamas. Deixa no acampamento a espada que pegara de Cameron, algumas frutas e o mais importante: a mochila.

E é esse o momento em que finalmente saio de trás da árvore e corro; corro o mais rápido que posso. Agarro a mochila e penduro-a nas costas e, sem hesitar, pego também a espada de Cameron.

Assim que estou com tudo de que preciso, abandono o acampamento e torço para que Amelia e Joy tenham feito o mesmo.

Tento não escorregar na neve e chegar até a Cornucópia em segurança, mas sou interrompida quando colido com o garoto do 7.

Sem dizer uma palavra, não hesito em atacá-lo com a espada que está em minha mão. Não que eu saiba usá-la, mas acredito que forçar uma lâmina grande pontuda para frente na barriga de alguém seja suficiente para, pelo menos, causar um ferimento grave. Não é tão diferente de usar uma faca apesar do peso da arma - sou fraca demais para aguentar segurar a espada durante muito tempo. O garoto grita horrorizado e logo depois seu olhar congela, seguido de um tiro de canhão que me indica que atingi um bom lugar em seu corpo. Mas, além do grito do tributo do distrito 7, há também um segundo som estridente. E dessa vez o grito não é dele.

Não dou importância para o eco que ouço como deveria ter feito, mas isso eu só descubro depois, quando vejo marcas de sangue na neve. Sigo-as com a sensação de que não gostaria do que veria ao final do percurso.

Estou certa.

– Joy! - grito, desesperada.

Quando olho para ela, vejo que sua barriga está ensanguentada, assim como suas mãos. Ela parece fraca, seus olhos fazem muito esforço para se fecharem, porém ela não deixaria; não se renderia à morte. Não antes de me falar o que precisa.

– June - ela diz com uma voz fraca em meio a soluços de dor e sofrimento -, não é porque não vou estar com você que não deve continuar sozinha. Eu acredito em você, eu sei que vai conseguir provar o que queremos. Desculpe ter que te deixar agora, mas...

Realmente não me importo com Joy dizendo tudo em frente às câmeras. Naquele momento, só penso em quão boa amiga e aliada ela foi.

– Não - afirmo com todas as minhas forças e percebo que estou chorando. Quem sabe negar o que estou vendo torne tudo menos real. - Você não pode morrer, Joy, você não pode... - Tento abrir a mochila e pegar o remédio, mas ela me impede antes que eu toque no zíper.

– Não adianta evitar, nós duas sabíamos que isso aconteceria uma hora ou outra.

– Mas... - tento interferir. Não é possível que alguém se mantenha teimoso até mesmo na hora da morte. - Ao menos me deixe ajudar!

Joy estende uma das mãos para frente, a princípio para barrar-me simbolicamente, mostrando que não há nada que eu possa fazer. Depois, percebo que isso é para que eu segure sua mão.

– Só pode existir um vitorioso, June - ela me lembra.

Porém, não importa o que ela diga, eu simplesmente me recuso a aceitar o fato de que Joy está morrendo bem em frente aos meus olhos molhados.

– Esse vitorioso tem que ser você, Joy. Você treinou a vida inteira para isso, você merece. E pode levar para frente o que é certo, pode ir contra a Capital tanto quanto eu iria. Pode espalhar as coisas em que nós duas acreditamos e fazer jus a mim se você ganhar.

– Ei, nós duas merecemos ganhar. E se não sou eu, pode ser que seja você, June. - Sua voz falha ainda mais; ambas sabemos que ela não tem mais tanto tempo. - E, nas minhas condições, não tem como ser eu a levar o título.

– Então o que eu faço agora? - pergunto. Em meio a todos os conflitos da arena, esqueço-me de que sou apenas uma garota da Capital e que não sei exatamente quando e o que fazer aqui. Joy havia me guiado até então, havia me ajudado a chegar onde estou sem desacreditar em meus ideais. Nossos ideais.

– Lute. Lute pelo que acreditamos, pelo que temos que provar. Você pode, June.

Então Joy fecha os olhos, deixando para trás todos os seus problemas, todas as suas preocupações. Um canhão soa, e eu desabo por dentro. Joy deixou tudo em minhas mãos, e eu devo algo a ela agora. Tenho que ganhar; tenho que provar à Capital que eles estão errados e que sempre estiveram.

Sinto meus olhos molhados, minha garganta seca e minha mente raivosa. Joy tinha um propósito, ela não merecia isso. E tudo por causa de Trevor... tudo por causa de mim. Se não fosse por mim, Joy ainda estaria segura. Era tudo culpa minha. De novo. Ela havia perdido tudo o que tinha por minha causa.

Não faz sentido, ela não merece nada disso.

– É isso que vocês querem? - pergunto, ainda incerta a respeito de quem eu quero que me responda. - Vê-la morta? Morta?! - Estou gritando como se minha vida dependesse disso. Por fim, respiro fundo e esclareço, dessa vez com a cabeça baixa e o olhar voltado para o chão abaixo de mim. - Ela não merecia nada disso. Nunca fez nada que a pudesse levar a merecer.

**

Chego na Cornucópia sem palavras para descrever o que sinto. Passo o remédio em Cameron e ele sente um alívio imediato, porém não o suficiente para curá-lo totalmente do estrago causado por Trevor. Conto então as más notícias para ele e Madeline. Ambos ficam sem palavras.

– Vamos acender uma fogueira - afirmo de maneira decidida depois de alguns minutos em silêncio.

– Está louca? - responde Madeline - Tudo bem que somos Carreiristas, mas podemos deixar essa passar agora que estamos próximos do fim.

Mas eu não me deixaria ser contrariada.

– Foi a última coisa que Joy fez: acender uma fogueira. Acenderemos uma em homenagem a ela, apesar dela merecer muito mais do que isso. - Cameron e Madeline não respondem e resolvo que, se não teria o apoio deles, faria isso sozinha. - Bom, se precisarem de mim, estarei lá fora mexendo na lenha.

Levanto-me e saio da Cornucópia. Quando encontro dois gravetos, começo a acender o fogo sobre alguns pedaços de troncos de árvore juntos em um pequeno monte.

Depois que obtenho sucesso, Madeline resolve aparecer.

– June, você sabe o que aconteceu com Joy, não é?

– Sei - respondo apesar de não estar muito afim de falar no assunto -, Trevor a matou depois que ela acendeu a fogueira.

Mas ela me lança um olhar de reprovação, como se soubesse que estou mentindo.

– Nós duas sabemos o que realmente aconteceu, June, e sabemos que não foi isso.

Na verdade não sei do que ela está falando. Continuo a raspar os gravetos, mas ela insiste.

– Onde foi parar Amelia, hein?

– Mad, esquece - nego automaticamente -, ela não faria isso.

Ela revira os olhos.

– Quais eram os ferimentos de Joy? - Madeline está para insistir hoje, não?!

– Acho que facadas ou marcas de espadas.

– Trevor? Usando espadas?

Então meus olhos se arregalam. Eu pegara a espada de Trevor quando peguei também sua mochila. Tudo de repente se torna claro; que ingenuidade a minha.

– Foi Amelia - esclareço, incrédula, apesar de ter sido a única que parece não tê-lo enxergado desde o início.


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Notas finais do capítulo

(Rescrito em 06/12/2014)



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