Acordo com os gritos das ruas, com o barulho das festas; afinal, hoje seria o oficial início dos tão esperados Jogos Vorazes. Nós, habitantes de Panem, seríamos obrigados a assistir ao sorteio daqueles que participariam dos Jogos, chamado de Colheita, pelos telões espalhados nas ruas ou por nossas próprias televisões.

Por incrível que pareça, de onde venho os dias para o início desse evento são ansiosamente contados. É especial a manhã em que alguns adolescentes são sorteados para serem jogados em uma arena para matarem ou morrerem. Podemos dizer que esse é um dos motivos pelo qual digo que não pertenço a esse lugar, por mais que tenha que chamá-lo de lar total e completamente contra minha vontade.

Para falar a verdade, não pertenço, nunca pertenci e não acredito que um dia chegarei a pertencer. Não vejo um porquê para a Capital concentrar tudo do bom e do melhor sabendo que deixa os distritos em meio à pobreza. Nada disso faz sentido; nada disso nunca fez.

Desde a guerra que eliminou o distrito 13 dos mapas, todos os adolescentes de 12 a 18 anos de todos os outros distritos devem participar de um sorteio anual. Cada um dos nomes sorteados corresponde a um dos vinte e quatro jovens que devem lutar posteriormente por suas vidas durante alguns dias. Isto é, precisando conseguir água, comida e abrigo sozinhos. E, é claro, tendo suas imagens transmitidas em rede nacional, ao vivo e a cores.

A pergunta que não quer calar é "Por quê?". Por que a Capital precisa impor tanto seu poder? Por que é tão importante assim mostrar que tem o controle? Se é isso o que realmente quer, parabéns, objetivo alcançado, missão cumprida. Agora que provou que manda em tudo e que concentra todo o poder, já não está na hora de exercê-lo de maneira racional?

Admito que nunca, mas nunca mesmo, diria algo assim para o Presidente Snow, o atual comandante de Panem. Também confesso que estou tão certa disso porque tenho medo.

June, sua covarde.

Snow. Aqueles que o encontram o descrevem como um homem poderoso, decidido e apavorante. Já para mim ele não é um homem, mas sim um perfeito monstro. Um monstro que pode tirar sua vida dando uma simples ordem ou, nesse caso, retirando um simples pedaço de papel de uma bola de vidro. E hoje seria o dia de mais uma Colheita, o dia da sentença de morte de 23 dos 24 tributos sorteados. Será então oficial: a edição sessenta e alguma coisa dos tão temidos - ou esperados - Jogos Vorazes começou. E, como já era de se esperar, eu seria forçada a assistir a isso pela décima quarta vez.

Sim, tenho 14 anos. E meu nome é June Haylon. Moro com meus pais e meus três irmãos: Mathew, Daniel e Cameron. Mathew e Daniel são gêmeos de 9 anos de idade - ainda não tiveram tempo de perder sua tão saliente ingenuidade. Ambos são a razão pela qual acordo todos os dias de manhã. Acredito que ainda sejam inocentes o bastante para crescerem como eu, isto é, lutando pelo que realmente é certo, não pelo que a Capital acha que o seja. Bom, isso se é que o que eu faço pode ser chamado de luta; convenhamos: não há muito o que fazer sendo uma garota de 14 anos frente a um sistema tão forte.

Quanto a Cameron, ele é simplesmente um caso perdido. Com seus 15 anos, é totalmente ignorante, mal educado e mimado. Tive 14 desses 15 para aprender a viver com isso, e vamos dizer que ainda não me acostumei.

Se minha vida é ruim? Não, nem um pouco. Isso, vale mencionar, no ponto de vista das outras pessoas, pois, para mim, antes viver em meio à pobreza do que ao desgosto.

Uma pergunta a ser feita é por que não me incluo no sofrimento se moro em Panem, país na antiga América do Norte onde, com excessão da minúscula Capital, vigoram o desespero, a pobreza e a falta de liberdade; mas acredito já ter dado pistas o suficiente para que tenha se tornado claro qual é meu "verdadeiro lar".

E de fato não há segredos: meu nome é June Haylon, tenho 14 anos e moro com meus pais e meus três irmãos na Capital.