Me dei ao luxo de acordar um pouco mais tarde naquela manhã. O ano letivo havia sido puxado, e como eu já tinha passado os últimos 5 anos em treinamentos intensivos em batalhas reais, não via mal em pegar leve nesse verão. Depois de escovar os dentes, arrumar o cabelo e fazer tudo que tinha que fazer em meu chalé, peguei minha faca, amarrei a bainha dela no braço e sai.

Caminhei tranquilamente até o refeitório e no caminho encontrei nada menos do que Clarisse La Rue. Ela estava mudada. Acho que era por causa do namoro com Chris Rodriguez, um dos poucos filhos de Hermes que não havia se juntado com o exército de Cronos na Guerra contra o Olimpo. Fazia quase um ano que eu não a via. Em outros tempos passaríamos reto uma pela outra, sem nem dar um leve aceno de cabeça ou um sorriso. Mas agora era diferente. Não hesitei nenhuma vez em parar para cumprimenta-la.

– Olá Clarisse, tudo certo? Como foram os meses de escola?

– Olá Anna... Foram difíceis, como sempre! – Respondeu ela enrugando a testa. A Intelectualidade não era um dos fortes do chalé de Ares. Eles, porém sabiam mostrar muita eficiência quando o assunto eram batalhas e guerras – Mas até que não foi dos piores. E você, conseguiu todos os títulos e menções honrosas possíveis, aposto!

– Não é pra tanto. Mas digamos que tentei aproveitar ao máximo o último ano na escola dos mortais. Ainda bem que ainda tenho muito que estudar e aprender sobre o mundo dos Deuses, semideuses e afins...

– Só você mesmo pra achar isso bom rs... Mas me fala, por onde anda o famoso Percy Jackson? Achei que depois da ultima vez que nos vimos vocês não iam conseguir se desgrudar mais.

– Er... – Fiquei completamente sem graça de ter que falar nesse assunto, ainda mais com ela - Não sei do que esta falando. Só porque somos namorados não quer dizer que vamos viver juntos 24 horas por dia. Alias, por falar em namorado, como andam as coisas com ao Chris?

– Ah, o Chris? Ele está muito bem! – Agora foi a vez de Clarisse ficar sem graça, e suas bochechas vermelhas não escondiam isso. Ela também não conseguia esconder o fato de que estava realmente muito feliz com ele – Nos vimos bastante durante o ano. Mas ele ainda não voltou pro acampamento, deve ter tido algum imprevisto...

– É deve ser isso – afirmei para dar-lhe confiança, já que senti um tom de preocupação em sua voz ao dizer aquilo – Espero que ele não demore, você costuma ser mais amigável quando Chris esta por perto.

– Olha aqui Anna, estou dando apenas uma trégua a vocês, depois de toda a guerra dos Titãs e tal. Assim que começarem os ‘trabalhos’ por aqui no acampamento, voltaremos a ser os mesmo inimigos de sempre, ok?!

– Assim espero! Não teria a mesma graça continuar treinando por aqui sem ter um inimigo à altura pra desafiar de vez em quando – nesse momento nós duas quase rimos juntas, o que não era típico de nenhuma de nós. Então fizemos as nossas melhores caras sérias e fingindo que aquilo não aconteceu, seguimos nossos caminhos sem nem ao menos nos despedir.

Fiquei pensando naquela conversa que acabara de ter e refletindo sobre algumas coisas enquanto continuava meu caminho. Seria eu tão “incapacitada” pra falar de namoro e garotos quanto a Clarisse? Bom, ela ao menos teve ajuda de Silena no começa de seu namoro. Eu ao contrário, não tinha nenhuma amiga mulher, pelo menos não tão próxima, com quem pudesse compartilhar certas coisas ou pedir conselhos. Só de pensar em minha mãe pra aquele papel já ria comigo mesma por dentro. Não, isso estava fora de cogitação. Além de ela não ser a Deusa mais indicada para o assunto, ela ainda não gostava muito do meu namorado.

Pensar em um dos meus amigos para me ajudar com aquilo pareceu ainda mais ridículo e engraçado. Grover, Tyson, Nico... não! Definitivamente não! Acho que o único garoto com quem eu poderia chegar a ter esse tipo de conversa algum dia era... O simples fato de mencionar sua presença em meus pensamentos me fez engolir em seco. Infelizmente eu não conseguia negar a mim mesma, que depois de Percy, Luke tinha sido o maior amigo que eu já tivera, e com quem com certeza poderia conversar sobre qualquer coisa. Isso se ele ainda estivesse no mundo dos vivos. Isso se ele continuasse sendo aquela pessoa tão boa e nobre que um dia eu conheci. Nesse momento imaginei como haveria sido sua entrada no Mundo Inferior. Será que o tinham poupado dos campos de punição pelo seu sacrifício no último momento de vida?

Eu não queria mais pensar sobre aquilo. Me deixaria triste, e eu não queria que Percy me visse assim. Ainda não estava pronta pra falar com ele sobre Luke, nem nada que o envolvesse. Ainda perdida em pensamentos, percebi que havia chegado ao refeitório quando o cheiro da comida entrou pelas minhas narinas e o meu estômago me deu um alerta de que estava com fome. Meu semideus de olhos verdes trazia uma bandeja com seu café da manha e se encaminhava pra mesa de seu chalé. Como já era um pouco tarde e já não havia muita gente ali, eu não me importei de burlar as regras um pouco e me sentar com ele.

Cheguei por trás dele e roubei um dos morangos que havia em seu prato. Depois me inclinei em sua direção e lhe dei um beijo no rosto.

– Bom dia herói! Dormiu bem?

– E tem como não dormir bem depois de passar a noite ao lado da garota mais linda e mandona desse acampamento? – Disse ele enquanto continuava devorando seu café da manha. Mesmo com o “mandona” ele conseguiu me deixar corada com o elogio. Passei as mãos levemente em seus cabelos e me afastei indo buscar algo pra eu comer também. Voltei e me sentei a sua frente.

Nos dois devíamos estar com muita fome porque comemos em silêncio por um longo tempo, apenas nos olhando algumas vezes enquanto isso. Era isso, ou então os dois estavam pensando no que dizer, ou evitando algum assunto. Tinha que quebrar aquele gelo de alguma forma. Decidi que se ia ter que pagar pelo meu fora de ontem, que fosse logo. Adiar o “castigo”, não diminuiria em nada o meu “sofrimento”. Mesmo sabendo que ele não me pediria nada assim tão ruim, eu odiava mesmo aquela sensação de expectativa, de não saber o que vinha pela frente.

– É então... será que você já pensou no eu posso fazer pra você como presente de um ano de namoro? – Dei aquele sorriso bem amarelo de boca fechada, como se pedisse pra ele ser bonzinho. Ele riu da minha expressão e olhou pra cima como se pensasse por um momento antes de responder.

– Mais ou menos. Não sei se teremos tempo suficiente pra isso durante o treinamento por aqui, será que não é melhor deixar pra lá?

– Como assim, tempo suficiente? O que esta planejando? E não vai deixar pra lá coisa nenhuma! Eu prometi que te daria “alguma coisa” pra compensar minha mancada, e agora vou cumprir! – me mantinha super séria enquanto ele fazia força pra segurar o riso.

– Claro que não vou deixar pra lá, estava só brincando! Sei que você não foge da ‘briga’ assim tão fácil. E eu já pensei no que eu quero. Mas vou precisar que você me prometa que vai topar desde já e que não vai desistir no meio do caminho!

– Se esta querendo me assustar, cabeça de alga, pode desistindo! Eu já disse que vou cumprir com o nosso “acordo”, não se preocupe – tentei parecer confiante. Na verdade eu estava sim um pouco receosa quanto ao que ele tinha planejado, mas não ia deixar transparecer isso de jeito nenhum! Ele estendeu a mão sobre a mesa e segurou a minha. Eu olhei pra elas enquanto o ouvia dizer novamente.

– Prometa.

–Sério que precisa disso?

– Apenas prometa!

– Ai, ok! Eu prometo senhor Jackson! Aceito a sua “missão” e juro não desertar em nenhum momento! – Colocava a mão sobre o peito como se fizesse um juramento super importante e depois cai na risada.