Here, There And Everywhere escrita por Shorty Kate


Capítulo 3
George POV


Notas iniciais do capítulo

Deixo aqui a POV do George, que acho que também ficou em personagem. Acho que ficou bem leve e simples.



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Acordei com o chilrear dos pássaros, com a luz do sol a entrar no quarto, com uma leve brisa de Verão a entrar pela janela entreaberta. Com a aragem veio o cheiro a um novo dia, um cheiro a flores e árvores. O cheiro do meu jardim. Cheirava a terra molhada pela chuva; as pingas caíam do telhado, uma após a outra, melodicamente, e então abri os olhos. E pensei o quão mágica e perfeita é a natureza.

Nunca imaginei, mas o meu paraíso está aqui na Terra.

Abri os olhos e ela olhava-me. Dormi que nem um anjo com a Olivia envolta nos meus braços e a primeira imagem que tive ao abrir os olhos foi ela. Sorri e ela sorriu de volta, pondo um beijo na minha testa e acariciando-me o braço. Adoro a preguiça que as manhãs me trazem. Levantei a cabeça e grudei os meus lábios nos dela enquanto lhe acariciava a face com o polegar.

Saímos os dois da cama e enquanto ela desceu, eu fiquei a ver o jardim da janela. Não demorou até que outros odores chegassem até mim. Café e pão quente. Ela veio-me chamar para o pequeno-almoço. Perguntei-lhe se não a incomodava o facto de eu estar ali em casa. Ela respondeu-me que não; que ela veria estes três dias como um sonho e que os viveríamos como todos os dias havíamos feito.

Lembro-me dos fins-de-semana. O Dhani já estava na sala de pijama e descalço a ver os desenhos animados e corria para a cozinha assim que Olivia fritava os ovos e o bacon. Depois nós os dois andávamos às escondidas a ver quem conseguia provar a comida antes de nos sentarmos todos à mesa. Levei muitas vezes com a espátula nas mãos…!

Pensando nele, ele apareceu espreitando como fazia todas as manhãs quando era miúdo. Sentou-se juntou connosco e falávamos descontraidamente como se nada tivesse passado há onze anos. Mas eu olhava-o pelo canto do olho. Esperei que ele estivesse um pouco ressentido com o facto de não o ter preparado para minha partida. Mas ele estava bem com isso. Ele compreendeu por que o fiz.

Os pais nunca deveriam ir primeiro que os filhos. Ao saber que não haveria mais cura possível senti que não estaria mais cá para ajudar o Dhani. Senti a mesma coisa como quando largava a mão dele para ele aprender a andar. Mas nessa altura eu corria sempre atrás dele, servia-lhe de amparo. Quando soube que ia morrer, isso corroeu-me completamente. Ninguém espera levar essa notícia. Doeu, admito. Mas sabia que não valia a pena tentar prolongar o inevitável. Ia-me fazer sofrer, mas mais aos que sempre estiveram comigo.

Por ter tocado nesse assunto, fui eu quem ficou acabrunhado. A Olivia agarrou-me a mão e o Dhani agarrou-me a outra. Os dois olhavam-me nos olhos e eu sorri pela grandiosidade deles. Só pela forma genuína como eles se preocupavam comigo. O Dhani puxou-me até à sala. Lá ele mostrou-me o videojogo que foi criado baseado nos Beatles. Ele disse-me que teve um pouquinho da ideia.

Elogiei-o vezes sem conta, como sempre fizera ao longo da vida. O meu objetivo era passar o meu tempo com a família, então estivemos ali a jogar um pouco e aproveitei a diversão para lhe falar em tom mais sério. Desta vez queria que ele estivesse preparado para a minha partida. Disse-lhe que assim que saísse para o concerto, que não voltaria mais a casa porque eu não queria expô-los outra vez à mesma coisa. Nem ele nem a Olivia viram problema nisso, e respeitaram a minha vontade.

Iria para o hotel com o John e aí ambos iriamos partir de volta. Pelo menos não iria sozinho. Iria com um amigo. Sei que ele não quis nem conseguiu ficar em casa. A vida dele deu demasiadas voltas, mas eu fiz questão de ficar em casa.

Saímos os três para o jardim onde a Olivia me mostrou a arvorezinha que me tinha prometido plantar. Ainda era pequena e a pouca chuva que caíra de noite não fora suficiente para a regar. Então eu próprio peguei no regador e fui mexer na terra. Há quanto não sentia isso nas mãos. Assim que fiquei doente, as minhas visitas ao jardim tornaram-se cada vez menos e eu sentia falta do ar livre.

Regalei-me que nem uma criança que brinca nas poças de água e eles ajudavam. Então soube das notícias. No dia seguinte ia conhecer a noiva do Dhani, Solveig. Casariam em breve. Bem, eu queria estar lá para o grande dia do meu filho, mas já que não podia, ficaria a conhecer a rapariga.

Ainda antes que o dia acabasse, fui ver as minhas guitarras. Preparei a Gretsch para o concerto e fui tocando com uma e outra, para ver se ainda não tinha perdido a prática. Foi então que decidi pegar na cítara e vi que ela não tinha pó. O Dhani tinha andado a tocar nela. Fiquei mais feliz pelo facto de um nunca lhe ter ensinado a tocar.

Na manhã do concerto conheci a noiva do Dhani. A rapariga é linda, simpática e, sei lá que mais. Sei que ela tem todas as qualidades para fazer o Dhani feliz e ela a ele. Saímos os cinco para o autódromo porque eu e o Dhani somos loucos por Fórmula 1, e a minha família decidiu que eu iria fazer tudo o que mais gosto enquanto estivesse na companhia deles.

No final do dia, comecei a sentir um pouco de tristeza por ter que sair sozinho, mas estava entusiasmo por os ver outra vez. Coloquei a roupa e a Olivia e o Dhani esperavam-me à porta. Despedi-me primeiro dele porque ele ia embora com a Sola. Demos um abraço apertado e ele desejou-me boa viagem.

Na verdade, morrer não mais passa do que ir fazer uma viagem pelo Universo.

Depois despedi-me da Olivia. Ela agarrou-me pela lapela do casaco e deu-me um beijo lento. Encostamos as testas um no outro e ficamos assim por um pouco. Disse-lhe uma última vez aquilo que ela tão bem sabe: que eu a amo mais do que tudo. Pedi-lhe que não chorasse e ela riu e chamou-me de palerma. Ela disse-me porque iria chorar se eu a deixei viver com ele aqueles dois dias? Ela chamou-os de sonho, e a verdade é que o foram mesmo. E ela estava tão feliz quanto eu. Assim como o Dhani.

Então não havia nada de errado. Todos estávamos bem. Agora mal esperava por vê-los outra vez. Saí com alguma antecedência para antes dar uma volta na cidade e ver o quanto estava mudado. Queria ainda ver o sol se pôr uma última vez e ver as estrelas alinharem-se no céu…sozinho. Queria contemplar a beleza do Universo e depois recuar cinquenta anos na minha mente. Acho extraordinário que eu tivesse razão quanto a uma coisa: os Beatles foram quatro pessoas que eventualmente, e como todos, morrerão, mas aquilo que fica é o nosso legado. E o nosso é enorme.



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Notas finais do capítulo

Então? Que tal ficou? Capítulo seguinte: a POV do Paul.