Capítulo 6 - Aniversário

Haku encarou o calendário pelo que parecia ser a quarta vez naquela semana, suspirando mentalmente:

É hoje... ela realmente deveria abandonar as esperanças, mas algo dentro de si sempre parecia mantê-las viva.

– Mamãe, porque você tá olhando o calendário desse jeito? – uma voz infantil fez Haku sair de seu devaneio e olhar para Miku, sua filha adotiva, que parecia curiosa com o jeito como sua mãe estava olhando o calendário.

– Hum... Nada, Miku. Só vendo que dia é hoje.

O que ela dissera não era exatamente uma mentira, só havia omitido parte da resposta. Miku pareceu deixar aquilo de lado e foi se sentar na mesa onde estavam os ingredientes para fazer o sanduíche do café da manhã. Haku suspirou em alívio. Ela não precisava incomodar sua filha com algo como aquilo. Afinal, se ninguém se lembrava do dia do aniversário dela...

Nos últimos quatro anos, Haku guardara mais esta pequena decepção no canto de sua mente, apesar desta sempre voltar a afetá-la quando a data se aproximava; ela havia contado aos seus amigos sobre o dia de seu aniversário, mas nenhum deles parecia se lembrar.

Nos dois primeiros anos, Haku nem se importou. Afinal ela ainda estava tentando se ajustar com Miku. Porém, no terceiro ano, ela se sentira um tanto quanto abandonada quando a data chegou e foi sem que ninguém ao menos ligasse para desejá-la um “feliz aniversário”.

Já devia estar acostumada... Haku pensou, mas a bem da verdade, ela não estava.

– Olá, pessoal, nya!!! – SeeU anunciou, praticamente invadindo o apartamento. Haku havia deixado a porta destrancada, já conhecendo os hábitos da coreana.

– Olá, SeeU-chan. – Haku cumprimentou.

– Oi, pessoa-gato! – Miku disse com um sorriso.

– Vou ficar até um pouco mais tarde no trabalho hoje. Não tem problema pra você? – Haku perguntou.

Haku tem feito hora extra nos últimos dias, tentando juntar dinheiro para comprar uma casa quando a situação do mercado imobiliário se estabilizasse e também para manter sua cabeça longe da data que estava se aproximando.

– Claro, nya! Ah, a propósito, posso levar ela pro meu apartamento? É que eu tenho de limpar um pouco, nya. – SeeU falou.

– Tudo bem, só se certifique de que Miku esteja na cama no horário. – Haku disse, pegando sua bolsa e pasta.

– Tchau, mamãe. – Miku disse, abanando para sua mãe adotiva, que retribuiu com um sorriso antes de fechar a porta.

Após o trabalho, Haku não se sentia com muita vontade de ir para casa e esperar até meia-noite somente para enfrentar mais uma decepção. Ela pensara em chamar Meiko e os outros para irem até o bar e deixar Miku e os Kagamine com SeeU (a garota havia descoberto que havia mais criancinhas no complexo e imediatamente oferecera seus serviços á Lily, que alegremente aceitara).

Haku até pensara em pegar Miku e saírem as duas para comemorarem, só mãe e filha, porém ela não conseguia encontrar ânimo nem para aquilo. Indo até a sorveteria de Kaito, ela descobrira que o homem de cabelos azuis havia pedido licença para sair mais cedo. A mulher de olhos vermelhos deu de ombros e pediu um sorvete sabor limão. Após terminar este, ela saiu da loja e vagou um pouco pelas ruas, imaginando o que deveria fazer para passar o resto de outro aniversário solitário.

Foi então que ela passou em frente a um restaurante e olhou pela janela deste para o interior. Lá ela viu uma mulher de cabelos rosados e uma garota com cabelos de cor igual sentadas em uma única mesa. Haku notou algumas semelhanças faciais entre as duas e imaginou que fossem mãe e filha aproveitando um jantar juntas.

De repente, um garçom chegou trazendo um bolo de aniversário e parte do restaurante começou a cantar “Parabéns a Você!” enquanto que a mulher parecia surpresa e sua filha sorria enquanto batia palmas. Após soprar as velas, a mãe agradeceu sua filha e lhe deu um abraço e um beijo enquanto que esta sorria e retribuía o gesto. Pelo visto, fora a filha quem dera a dica para os serviçais sobre o aniversário de sua mãe.

A cena fez Haku perceber algo: só havia mãe e filha na mesa, ninguém mais, nada de marido ou avós, só as duas aproveitando uma noite de alegria e sorrisos. Haku pensou em Miku e então se lembrou que ela jamais mencionara á sua filha quando era seu aniversário. Ela se sentiu imensamente estúpida.

E daí se ninguém mais se lembra. Miku, com certeza, se importaria. Ela é minha filha e nos importamos uma com a outra, a mulher de cabelos prateados pensou.

Colocando uma expressão determinada em seu rosto, Haku então se apressou em voltar para casa, checando o horário em seu novo relógio de pulso. Duas horas para meia noite. Ainda havia tempo para ela e Miku saírem e fazerem algo juntas para comemorar a virada do dia...

Haku levou dez minutos para chegar ao complexo de apartamentos e subiu correndo as escadas, tendo de respirar fundo para recuperar seu fôlego antes de entrar no apartamento de SeeU. Ajeitando sua roupa e expressão, ela então abriu a porta, chamando por Miku e SeeU... Somente para receber uma surpresa.

– SURPRESA! - Meiko, Kaito, Gakupo, Lily, SeeU e Miku todos pularam de trás dos móveis, quase causando uma taquicardia á Haku.

Silêncio se seguiu, como se o grupo estivesse esperando algo. Lily então saiu de sua pose e chamou:

– DELL!!!

– Huh? - o homem de cabelos prateados saiu da cozinha. Ele então notou Haku na porta, imóvel e ainda sob o efeito da surpresa. - Oh. – ele então se aproximou e estourou um cone de confete sem muito entusiasmo.

– Valeu por arruinar a atmosfera. – Meiko o repreendeu, olhando feio para o sósia de Haku. Dell deu de ombros e voltou à cozinha.

– Hum... O que está acontecendo? – Haku, finalmente, encontrara sua voz.

– É uma festa surpresa, nya! – SeeU disse.

Foi então que Haku notou a decoração no apartamento da coreana: uma grande faixa no teto da sala, todos de chapéus (inclusive Dell) e alguns balões nos móveis, com os quais os Kagamine estavam brincando. Os olhos de Haku se iluminaram:

Eles lembraram?!

– Gakupo foi quem organizou tudo. – Lily disse, se referindo ao homem de cabelos púrpura.

– Íamos instalar um sistema de parabenização pelo aniversário dos funcionários na empresa. Quando olhei a sua ficha, vi que seu aniversário estava vindo e me lembrei que você já havia nos dito qual era a data. – Gakupo falou.

– Mas se esqueceram. – Dell falou da cozinha, alto o suficiente para eles ouvirem.

– Você também, se esqueceu, senhor mal-humor! – Meiko rebateu.

– Eu não. – Dell respondeu naquele mesmo tom apático que sempre usava.

– De qualquer maneira... – Gakupo retomou a palavra. – Me senti extremamente envergonhado, por isso. Aceite minhas sinceras desculpas, Haku-chan. – o empresário fez uma reverência em súplica, a perfeita imagem de um homem arrependido.

– Uh.. ok. – Haku disse com um pouco de nervosismo, não estando acostumada a pessoas se desculpando para ela.

– Presentes, mamãe! - Miku falou, se adiantando e entregando um presente que estava no topo de uma pilha perto do sofá.

Haku não pode deixar de se sentir excitada ao receber o embrulho comprido. Ela o abriu e viu que era um cachecol de cor cinza.

– Eu mesmo escolhi. - Kaito disse. - Para você usar no inverno.

– Muito obrigada, Kaito-san. - Haku disse, sorrindo para o homem.

– Aqui. Esse é meu. - Meiko disse, entregando para Haku um pequeno embrulho da pilha.

A mulher de cabelos prateados abriu e viu que era um perfume. Ela agradeceu a Meiko e logo estava recebendo presentes de todos seus amigos. Gakupo lhe deu um cupom para uma noite em um SPA, para quando ela quisesse relaxar. Dell deu a ela uma garrafa de vinho. SeeU comprara um par de pantufas com dois alces em cima. Eles eram bonitinhos, porém não o tipo de coisa que Haku usaria. Mesmo assim ela agradecera a garota (o que pareceu fazer com que ela ronronasse). Lily puxara Haku para um canto da sala para lhe entregar o seu presente. Quando Haku abriu o embrulho, ela corou um tom rubro.

– Lingerie?! - ela sussurrou à sua amiga loira.

– Claro! Nenhuma mulher tem um guarda roupa completo sem uma. - Lily disse orgulhosamente.

– Você andou olhando meu guarda roupa?

– Sim. Aliás, porque você não usa aquela camisa curta com o decote maior? Acho um desperdício algo tão bom ficar parado em um canto do roupeiro.

Haku tinha suas bochechas em um tom que faria tomates fugirem de vergonha. A camisa em questão foi algo que ela pedira para sua mãe comprar quando Haku era adolescente. Naquela época, ela pensara que o decote era atraente, porém, após alguns anos (e olhando fotos antigas), ela não conseguia acreditar que vestira algo que dava tanta ênfase ao seu busto.

Agradecendo a Lily pelo presente (apesar de que provavelmente não encontraria uma razão para usá-lo), Haku então se reuniu com os outros e conversaram por um bom tempo. Quando chegou perto de meia-noite, Haku sentiu Miku puxando suas roupas. Olhando para sua filha, ela viu que Miku estava sorrindo enquanto dizia:

– Minha vez de dar meu presente pra você, mamãe.

– Oh, Miku. Não precisava. - Haku disse.

– Espera até você ver.

Ela então fez sinal para Lily e Meiko que estavam na porta da cozinha. As duas retribuíram com um aceno da cabeça e foram buscar algo, incitando a curiosidade de Haku. Foi então que as luzes diminuíram e as duas mulheres voltaram com um bolo de aniversário com diversas velas acesas, formando um 22. O grupo todo começou a cantar "Parabéns a Você" enquanto Haku só podia olhara para seus amigos com surpresa. Miku então puxou sua mãe para a mesa, onde colocaram o bolo em frente á ela.

Haku podia admitir com honestidade que ela não se lembrava de qual fora última vez que ela vira um bolo de aniversário na sua frente. Ela não era uma pessoa acostumada a festas e quando estava se preparando para entrar na faculdade parara de se preocupar com essas coisas.

Agora, vendo seus amigos fazerem aquilo por ela sem pedir nada em troca... Haku sentiu o canto de seus olhos lacrimejar. Ela então limpou as lágrimas antes que essas caíssem, e soprou as velas quando todos terminaram de cantar.

Após terem cortado o bolo e distribuído entre os convidados, Haku colocou um pedaço deste em sua boca e seus olhos se arregalaram.

– É delicioso. - ela disse. - Onde vocês compraram?

– Na verdade, foi a pequena Miku aqui quem fez. - Gakupo disse, se ajoelhando e colocando as mãos nos ombros pequenos de Miku.

– Você fez, Miku? - Haku perguntou. Miku confirmou com a cabeça em um gesto entusiasmado.

– Com a ajuda do Kaito-nii-san. Ele é um ótimo cozinheiro. - Miku disse.

Kaito colocou a mão atrás da cabeça e deu uma risada embaraçada, dizendo que ele não era tão bom assim. Meiko sorriu e sacudiu sua cabeça, dizendo:

– Qual é. Você sabe que é verdade. Afinal, era você quem sempre fazia café da manhã pra mim quando me trazia pra casa depois das festas.

Isso fez com que Kaito corasse um tom rubro e baixasse o olhar, parecendo extremamente embaraçado ao receber um cumprimento de sua paixão (não tão) secreta. Haku apenas sorriu e o agradeceu. Foi então que Miku fez uma cara de quem se lembrava de ago importante e puxou levemente a camisa de sua mãe, perguntando:

– Mamãe, quando é o meu aniversário?

Haku quase engasgou com o bolo em sua boca. Ela então começou a suar quando se lembrou que jamais havia sequer parado para pensar qual fora a data do nascimento de Miku. Considerando que ela fora abandonada sem nenhuma notícia de seus pais verdadeiros, não era de se surpreender que não houvesse documentação sobre que dia ela nascera.

Mesmo assim, o fato de Haku ter sequer pensado em reservar um dia para comemorar o nascimento de Miku a fez dar outra volta no seu velho carrossel mental intitulado “Eu sou uma péssima mãe”. Meiko e Kaito notaram aquilo e pensaram em como eles podiam ajudar ela.

Foi então que, para a surpresa de todos, Lily veio ao resgate:

– Ué? Você não sabia, Miku? – a garotinha de cabelos azulados olhou para a loira com curiosidade e confusão. – O seu aniversário é no mesmo dia que o da sua mamãe, não é, Haku?

Haku saiu de seu pensamento ao ouvir aquilo e olhou para Lily, que lhe deu uma piscadela. A mulher de olhos vermelhos imediatamente entendeu o que Lily estava fazendo e disse a Miku:

– É verdade. Hoje também é o seu aniversário, Miku.

– Sério?! – ela perguntou, excitada.

– Sério. – Lily disse, seu sorriso se tornando travesso enquanto ela dirigia a voz a Dell. – Aliás... Dell, vá buscar o bolo da Miku.

– Do que você tá falando? Nós não compramos bolo... – ele recebeu uma cotovelada de Meiko. Vendo o olhar da morena e de Lily, Dell suspirou, sabendo que não poderia vencer contra aquelas duas juntas. – Eu vou buscar...

Dell só voltaria uma hora depois, após percorrer todo bairro em busca de uma padaria aberta. Enquanto isso, os outros prometiam trazer presentes a Miku no dia seguinte, porém a menina parecia não se importar muito, estando mais contente em ter todos ali, junto com a sua mãe.

Haku observava sua filha adotiva brincar alegremente com Rin, Len e SeeU e foi então que uma memória lhe veio a mente. Ela arregalou seus olhos momentaneamente, mas sorriu ao perceber o que aquilo significava, olhando para Miku novamente.

A mulher de olhos vermelhos se lembrara; nesse exato dia, há quatro anos atrás, ela encontra Miku em uma caixa de papelão coberta por jornais e trouxera-a para o seu apartamento...