- Ela é grande. – Observei a corujinha em seu braço tatuado. Eu não sabia que ele tinha tatuagens porque estava sempre de blusa de manga comprida, escondendo-as. – E simpática. – Completei, com um sorrisinho, arrancando uma risada dele ao meu lado. – Mas eu não gosto desse olho.

    - Mas o olho é a parte mais legal! – Ele fitou o braço. – Você não está sendo compreensiva.

    A palavra me atingiu. Compreensão. Não sei como podia dizer algo assim quando eu estava passando por cima de tudo para tentar entender o que se passava com ele. Justin pareceu entender minha linha de raciocínio e segurou minha cintura, puxando-me mais para perto dele.

    - Desculpe. – Inclinou-se para deixar um beijinho suave em minha testa. Depois se afastou e me olhou nos olhos. Abri um sorriso e encolhi os ombros, fazendo-o sorrir também.

    - Todos têm segredos.

    Ele balançou a cabeça, concordando e se deitou de costas, olhando o teto de vidro.

    - Você tem mais alguma tatuagem? – Perguntei, puxando meus cabelos para um nó desajeitado.

    - Na perna e nas costas. – Disse e, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele se sentou e tirou a blusa, virando de costas para mim.

    O desenho era de um índio americano. O traço era grosso e, de alguma forma, deixava a pele dele ainda mais bronzeada na região. Uma vontade vinda de lugar nenhum me invadiu e eu estiquei a mão, acompanhando as linhas com a pontinha da unha, sentindo-me presa em uma espécie de transe. Embaixo de meu toque, Justin estremeceu e soltou uma risadinha, virando-se para mim em seguida.

    - Se eu não te conhecesse melhor, princesa, diria que estava querendo outra coisa. – Ele segurou minha mão firme contra a dele.

    - O quê? – Franzi o cenho, confusa com o enigma dele. Às vezes Justin parecia falar em códigos. Sem dizer uma palavra, ele selou nossos lábios num selinho. – Isso é uma técnica de mudança de assunto?

    - Você já está começando a pegar o jeito. – Ele riu pelo nariz, deitando-se novamente. Acompanhei seu movimento e olhei o céu laranja de Nova Iorque. Justin me disse que era daquele jeito por causa das luzes da cidade então não dava para ver as estrelas. Caímos em um silêncio confortável.

    - O mundo real é difícil. – Sussurrei, fechando meus olhos. – É tudo diferente de como eu imaginei que seria. Eu tinha tantos planos e tantos sonhos e... Nada está indo de acordo com o roteiro. Às vezes eu quero esquecer tudo e correr para casa, trancar-me no quarto dos meus pais e ficar debaixo das cobertas como eu fazia quando era criança e a casa de verão tinha problemas no encanamento. – Ao me lembrar da cena, deixei o sorriso aparecer em meus lábios, deliciando-me com o gosto da memória. Sentindo falta de casa.

    Justin não falou nada, e, mesmo assim, eu podia sentir seus olhos sobre mim, perscrutando. Eu particularmente gostei do silêncio, ele estava me dando espaço para me abrir e... Depois do que houve essa noite, deixar que ele soubesse alguma coisa de mim, parecia mais que justo.

    - Mas eu lembro que isso aqui é o que eu sempre quis. – Tentei engolir o bolo que se formava na minha garganta. – E que eu não posso desistir disso tão fácil. – Abri meus olhos, tentando afastar as lágrimas. Virei meu rosto para ele, encontrando seus olhos também abertos, fixos em mim. – Não posso, Justin.

    Ele abriu um meio sorriso e segurou minha mão.

    - Você não vai. – Disse apenas, voltando a olhar o teto de vidro. Eu, pelo contrário, olhei nossas mãos entrelaçadas em cima do colchão, aquele simples gesto me passando algum tipo de coragem que eu não conseguia reprimir. – Obrigado.

    Voltei meu olhar para ele, pega de surpresa pela palavra.

    - Por?

    - Por ouvir. – Começou, ainda olhando para cima, mas um sorrisinho se formou em seus lábios. – Por compreender. – Olhou para mim.

    - Você também me ouviu. – Ponderei.

    - Não vejo problemas em ouvir como a casa de praia tinha problemas no encanamento...

    - Não diminua meus problemas! – Dei um leve tapa em seu ombro, separando nossas mãos. – E era casa de verão! Não temos casa de praia. – Suspirei. – Eu nunca vi o mar.

    - O quê? – Os olhos dele quase saltaram das órbitas. – Nunca? Mas... Mas, você é toda viajada e...

    - Eu sei. – Soltei uma risada abafada. – Mas nunca vi. As praias do norte da Europa não são populares.

    - Mas eu achei que a Dinamarca tivesse praia.

    - E tem, mas nunca me deixaram ir até lá.

    - Nunca te deixaram?

    - Eu sei que você não entende. – Suspirei, traçando desenhos invisíveis no lençol da cama. Justin soltou algum som indecifrável pela boca e se sentou na cama, tirando o celular do criado mudo e digitando alguma coisa na tela touchscreen viciosamente. – O que você está fazendo?

    Não obtive uma resposta pelos três minutos posteriores, até o celular apitar pela quinta vez e então Justin bloqueou a tela e se deitou de novo, mais perto, invadindo meu espaço pessoal. Uma mão segurou minha cintura e a outra entrelaçou nossos dedos de novo.

    - Já sei o que vamos fazer nesse final de semana. – Disse, fitando alguma coisa abaixo de meu queixo.

    - E o que seria?

    - Vou te levar para conhecer o mar.

    Meu queixo caiu.

    - Sério? – Perguntei, incrédula por um momento. – Isso é sério? Mesmo?

    - Apenas se você quiser, claro. – Ele sorriu.

    - Você está brincando? É claro que eu quero! – Mordi o lábio inferior, chegando mais perto dele. – Obrigada... Obrigada! Ah! Eu vou ver o mar! Isso é... Justin, isso é sensacional!

    Ele soltou uma risada.

    - Que bom que está animada.

    - Animada? Meu Deus, eu daria cambalhotas se eu soubesse! Eu. Vou. Ver. O. Mar!

    Senti seus braços à minha volta quando ele liberou minha mão, o abraço ficando um pouco mais apertado e aconchegante. Reprimi um suspiro bobo quando ele encostou os lábios na base de meu pescoço.

    - Eu não sou um monstro.