O Espelho escrita por CK Bellini


Capítulo 7
A Mais Amada


Notas iniciais do capítulo

Depois de quase dois anos, terminei :3 êêêê ~palmas
(A forma de escrita tá meio diferente, quase certeza, mas eu mim, não?)



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Não há nuvens no céu tempestuoso. Dito isto, a ironia atinge com força a Rainha, estatelada no chão frio. A tempestade do lado de fora, a tingir a abóbora crescente, não passa da rebeldia momentânea do céu. Lady Ray levanta a cabeça, um tanto desnorteada em se encontrar em sua câmara, sobre o palco de pedra. O Espelho se encontra caído e completamente estilhaçado. A fina película de prata responsável pelo reflexo quebrará em um milhão de cacos de vidro, que agora não tinham mais reflexo. Eram estilhaços opacos e brancos. Com um gemido, pôs uma mão sobre o joelho e tentou se levantar. Sua mão doeu e ela vacilou por um momento. Virou-a de palma para cima e constatou o óbvio. Um grande corte era o responsável pela vazão ardida do sangue que empapuçara o chão onde a rainha caíra.

De súbito, levou a mão à boca. Lembrou-se do ocorrido. Entendeu o porquê do espelho estar caído. Entendeu a mensagem escrita com, muito provavelmente, seu próprio sangue na parede da câmara. "A mais amada" Alarmada, pôs-se de pé e seguiu com os olhos a trilha de pegadas vermelhas que saia diretamente da poça vermelha. Algo estivera ali. Algo a observara. E o fato de não tê-la machucado ou a usado tornava a realidade pior. Ela sentia algo estranho no estômago. Também no ar e nos reflexos das janelas. A Rainha não se intimidava facilmente, mas algo na própria atmosfera do castelo a deixava aflita. Ray estava com medo. De quê? Daquilo que se desenrolara dos muitos fios e barbantes. Daquilo que emitia um brilho vermelho diretamente da cabeça, que dissera ser o espírito mágico de uma garotinha aprisionada por um monstro. Da coisa que fez com que o sangue que um monstro real fosse derramado para sua própria liberdade. Aquilo a usara. Fizera-a de boba. Se ela ao menos tivesse terminado de ler o aviso do espelho...

Uma dor intensa apontou em sua perna. Era funda e indicava alguma torção. Obviamente, nada mais faltava. Isso é, até o grito fino e grosso, tão irônico quanto a noite tempestuosa e sem nuvens, de um homem que encontrou algo ou alguma coisa terrível. Era um grito de morte, tão terrível que aguçou os pelos da nuca de Ray. (A coroa jazia esquecida sob uma cadeira magnífica de espaldar confortável) A porta do quarto estava escancarada. O archote do corredor brilhava fracamente. A luz tremeluzida competia com o cálice de velas posto sobre a mesa de cabeceira do quarto da rainha.

A noite era sem lua. Um ar frio, típico do castelo durante a noite, entrava pelo portal aberto. Havia algo faltando na atmosfera do castelo. O barulho de vida, como sangue correndo nas entranhas de um corpo. Os batimentos cardíacos do grande corpo cujas células se moviam com vida. Não havia o ronco dos passos, das conversas e dos sussurros. Havia apenas o silêncio e o gemido da brisa. Uma viga ou outra de madeira estalava, sozinha, em algum lugar do palácio. O grito morrera logo após sua percepção. Logo após quem o dera também ter morrido. Reunindo coragem, Lady Ray se dirigiu ao corredor.

– Não! O que é isso! - O grito viera como espectro potencializado pelos painéis de madeira do corredor. - GAAAAAHKKH... - Seguiram sons molhados, ecoando na extremidade escura do corredor.

– Meu Deus! - Sussurrou a Rainha, caminhando o mais rápida e silenciosamente que podia e ousava na direção oposta a de onde o som viera. Não se orgulhava, certamente, da total covardia da sua ação, no abandono da moribunda que, obviamente, fora morta a poucos passos de si, mas a autopreservação contava pontos altos em sua lista de prioridades. Uma brisa tão fria sussurrou nos ouvidos delicados da majestade. Vinha de trás.

O archote ao lado da porta de seu quarto - arrancada das dobradiças - se apagou subitamente. O ar que lambera suas têmporas murmurara um suspiro sobrenatural, algo que trouxera os instintos mais básicos de sobrevivência à tona. Lady Ray desatou a correr desesperadamente. Portas e mais portas fechadas passavam aos seus lados. Painéis de madeira trabalhada e tapeçarias manchadas de sangue. "A mais amada" aparecia repetidamente entre os caixilhos das janelas ora aqui, ora lá. Os archotes, tochas e lustres, tortos e caídos, sumiam por trás de seus olhos e eram apagados pela mesma força de escuridão que a perseguia. E ela sentia que aquilo - seja lá o que fosse - estava apenas brincando. Não haviam corpos.

O corredor desembocou no halo de escadarias e vitrais que levavam à grande porta principal no hall de entrada. Um dos suportes de carvão caíra e todo o seu conteúdo rolará no chão, espalhando as cinzas e as pedras em brasa, que lançavam um lúgubre brilho alaranjado ao chão de mármore escuro. Ray estava suada e ofegante. Suas pernas doíam e o medo ainda bombeava em seus ouvidos. A coisa a perseguia, conseguia sentir seu bafo de morte. Escondera-se em algum canto de sombra, pois o corredor, e todos os seus acessos, estavam absolutamente enegrecidos. Ao pisar no primeiro degrau, o cheiro metálico atingiu as narinas reais com intensidade. Lá, no alto do arco de pedra que levava à porta de saída, de braços abertos em posição de crucificação, estava o padre Ferdinand. Suas vestes estavam rasgadas na altura do peito, onde lia-se, tatuado grotescamente em feridas abertas e sangrentas, "A mais amada".

A rainha gritou e se atirou em direção ao andar abaixo, correndo sobre as placas de madeira nobre que sobrepunham as placas de pedra da escadaria. Mas parou de chofre, ainda chocada, ao ver uma pilha de corpos mutilados e despedaçados, barrando o caminho para o exterior do castelo.

A cozinheira Teresa observava na morte os olhos vazios. A cabeça fora arrancada e pedaços de tendões e do esôfago ainda pendiam, sangrentos. O chapéu branco do uniforme manchara-se de sangue cobreado e caía, ligeiramente torto, sobre as madeixas outrora louras, que se tingiam de marrom. O estômago de Ray não aguentou. Vomitou em três garfadas o ácido que queimava suas entranhas enquanto lágrimas de terror, provocadas pela ânsia e pelo cheiro, rolavam sobre sua face branca. O sangue dos corpos formava uma piscina escarlate e refletia o teto abobadado. Mesmo ao contrário, a Rainha pôde ler a mensagem, escrita com sangue e com pedaços de vísceras: "os mais belos" Lá, escondido entre as sombras do castelo, dentro de cada encanamento, cada virgula da biblioteca, soou a gargalhada. Venenosa, terrível como as mortes que Ray vira. A Rainha caiu de joelhos sobre o sangue, escurecendo a barra das vestes azuis. Não conseguia observar mais.

Estava exausta e assustada. Mal foi sua surpresa quando uma massa subiu do centro da poça de sangue, vestindo-a em um manto dobrado e brilhante. Os pedaços dos corpos rolaram quando os chifres emergiram. A visão era tão aterradora que Ray se viu imóvel. Calada. Congelada. Erguia-se majestosamente, observava-a como um deus observa um mortal. E a Rainha entendeu que, de fato, tratava-se de um deus. - Devo entender que tu me libertaste de meu cárcere. - A voz da criatura era tão maligna que as brasas do carvão espalhado definharam e morreram, mergulhando o hall em uma densa escuridão. - Espero que... estejas satisfeita com meu belíssimo... agradecimento. Se abaixou e apanhou uma cabeça de um guarda, ainda dentro do elmo. - Adoro quando vêm em prataria! - Exclamou, arrancando a peça e metal e abocanhando a pálpebra esquerda do cadáver. - Desculpe, eu adoro os olhos.

A Rainha observou, ainda estupefata, os dentes pontiagudos se enterrarem na carne tenra e branca do globo ocular e então arrancá-lo da cabeça. Os tendões e músculos que seguravam o órgão vieram para fora acompanhados por um jato de sangue de coloração profunda e privada. - Não fiques a me olhar. Fuja! A força e o controle das pernas e do estômago voltaram com a gargalhada do demônio. Ray disparou para as entranhas do castelo escurecido, vendo mais corpos em locais nada agradáveis. O monstro vestiu o sangue dos mortos como a uma capa. Onde se vê isso no mundo atual? Comeu o olho daquela cabeça! O pensamento a causou tal mal-estar que uma parada foi necessária. Estava na casa de banho do palácio, escurecida e tingida de vermelho. Dois corpos deitavam-se, parcialmente consumidos, no fundo do cômodo, atrás de uma barreira de trocador.

A Rainha recuperava seu Real fôlego, enojada. Gritou inesperadamente. As crianças consumidas pelo espelho derretiam no espelho imediatamente oposto ao da mulher. A mais poderosa. Os fantasmas sussurraram com a voz do monstro, que surgiu das sombras, como quem simplesmente abre uma porta.

– A mais amada.

A prata do espelho liquefez-se e derreteu para sobre o balcão, escorrendo ao chão. A rainha caiu de joelhos e observou o demônio levar a mão garrada ao queixo e sorrir, observando-a.

– Sua alma, majestade - fez uma reverência - e a do resto do mundo, são minhas.

Ray observou a prata erguer-se e abrir as asas para o abraço da morte. Se veria o inferno, os mortos ou o mundo através do espelho, não sabia.

Sua última visão não foi menos impressionante. A prata se abriu em fogo e um bilhão de almas gritavam em poços de fogo e sangue escaldantes.

Ninguém nunca soube explicar o abandono repentino da população do reino e do castelo, inclusive da governante. Os únicos traços - e pistas - eram os garranchos em cada porta de madeira: "os mais amados"


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado da estória :3



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