Play With Fire escrita por Hanna_21


Capítulo 4
Memories that haunt are passing by


Notas iniciais do capítulo

Hello everybody!!! Como estão?? Obrigada pelos reviews!!
Então, tenho uma notícia para vocês: estou fazendo um blog sobre a fic para vocês terem melhor acesso aos personagens novos, verem fotos e tal.
O link é esse: http://play-with-fire-nyah.blogspot.com.br/
Espero que acessem e gostem!!
ah, e mais uma coisa: leitoras fantasmas, apareçam, por favor!
Enjoy!



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4. Memories that haunt are passing by


- Hey, Ann B.


Olhei para o rapaz ao meu lado, enquanto colocava mais uma caixa no Chevy.


- Diga.

- Você tá legal?


Sorri. Adrian McDowell era o cara mais legal do mundo. Ele ergueu as sobrancelhas, escondendo-as debaixo da franja desfiada e despenteada em sua testa, e inclinou a cabeça de um jeito característico, como sempre fazia quando esperava uma resposta.


- Acho que estou.

- Animada?

- Definitivamente não.

- Eu estou. Nova cidade, nova vida. Pense assim. – ele me deu um tapinha no ombro depois de colocar a última caixa no carro que pegou emprestado de um amigo.

- Não pra mim – resmunguei, suspirando

- Ah. Por causa daquela coisa com... Você sabe, o Bri?

- Na verdade, estou mais preocupada com o meu irmão. Bri Harrington eu posso muito bem ignorar. Mas Sawyer? Esse eu tenho que encarar de um jeito ou de outro.

- É estranho você chamar seu irmão de Sawyer. – Adrian comentou

- Acostumei. Você não tem noção de como é estranho pensar se trata da mesma pessoa. Quero dizer, depois de, sei lá, sete anos sem notícias, eu encontro ele cantando uma música que eu usava para tirar a roupa.


Adrian riu e balançou a cabeça, entrando no carro. Eu o conhecera em uma festa na faculdade, há quase cinco anos. Ele era um ano mais velho que eu e cursava jornalismo no prédio ao lado do meu. Eu era caloura e fora convidada para uma festa da turma de pedagogia, que uma amiga chamada Katie cursava. Adrian era o único sóbrio da festa... Junto a mim. Os amigos dele em sua grande maioria eram babacas, ele me disse na ocasião, mas ele só notara isso naquela festa, talvez porque normalmente ele estivesse sempre chapado demais para reparar. Na verdade, ele só não estava bebendo para ganhar uma aposta que fizera com os babacas. A partir daquele dia, nos tornamos grandes companheiros.


Anos depois, quando já éramos melhores amigos e ele largara a turma idiota, bêbado num bar, ele me contou que foi a melhor coisa que ele fizera. Eu concordava. Eu tinha amigas ali, mas ninguém tão próximo como ele. De início, rumores de que ele conversava comigo por puro interesse foram frequentes. Ele costumava dizer que isso era impossível, uma vez que ele me via como uma irmã, e depois que um infeliz sugeriu uma relação incestuosa e Adrian o nocauteou, ninguém voltou a falar isso. Com o tempo, Adrian de fato se tornou o irmão que sentira falta de ter.


Não nego que, no começo, eu mesma achava que essas eram as intenções dele, e eu não me importava muito. Ele era legal e gentil comigo. E Deus, como era bonito. Na verdade, era mais uma questão de charme, mas ele era bonito sim. Com aquele cabelo castanho desalinhado, os olhos de um verde límpido, por vezes meio azul e o sorriso fácil, ele conseguiria qualquer garota que quisesse. E, bem, ele conseguia. Adrian deve ter dormido com metade do meu campus. A única garota que ele não conseguia era a única por quem ele sentia alguma coisa, desde que a conhecera, três anos atrás. Mas isso é outra história.


- Posso dirigir? – perguntei

- Acho melhor não. – ele franziu o cenho de um jeito estranho

- Por que? – estranhei. Ele deu de ombros. Resolvi não perguntar. Tinha certeza de que ele me falaria o porque daquilo, mais cedo ou mais tarde. Entramos no carro e ele deu partida.


Fiquei muito surpresa quando Adrian me contou que ele e os outros caras que trabalhavam conosco iam também para HB. Fiquei puta da vida, porque Jack não me contara aquele detalhe, mas depois Adrian esclareceu que os três pediram para se mudar. Eles eram malucos mesmo. Quando perguntei aonde diabos eles iam morar, Adrian respondeu, meio encabulado, que arranjara os fundos de uma lavanderia para morar.


As duas semanas que eu tive de prazo para me mudar passaram de um jeito absurdamente rápido. Durante esses dias, Matthewy ligou insistentemente, perguntando quando eu iria para lá, onde poderíamos nos encontrar, se eu já havia avisado mamãe, se havia ligado para papai e coisas do tipo. Tive que segurar a língua para não lembrá-lo de que eu tinha 24 anos (completados mês passado, março), e não 15, como da última vez em que nos vimos. Graças a isso, comecei a me lembrar das coisas que eu passara bastante tempo evitando...


Nossos pais se separaram em quando eu tinha 10 anos, e Matthew, 12, em 1993. Meu pai se mudou sem dar endereço, apenas um número de telefone. Disse que ia viver sem destino certo. Que queria conhecer melhor o estado, e depois o país. Quem sabe o mundo. Era o tipo de ideia romântica que papai tinha: ninguém saber onde ele estaria no dia seguinte, nem mesmo ele próprio. Nunca o visitamos; ele vinha nos visitar, e com frequência; por isso, ninguém nunca o acusou de nos abandonar. Era bom, mas nem eu nem Matthew gostávamos muito daquilo. Amy tinha 15 anos época, e era a mais madura de nós três e a única a aceitar bem a separação.  Pelo menos até a chegada de Patrick.

Mamãe conheceu Patrick seis meses depois de meu pai ter ido embora. Ele era representante de uma fábrica de produtos químicos que estava em conflito com a organização governamental a favor do meio ambiente que minha mãe trabalhava. Supostamente ela devia odiá-lo, mas ele tinha um discurso apaixonado de que seu sonho na verdade era cuidar da natureza e blá, blá, blá. Sabe-se lá como, depois de um ano, ela estava namorando o cara, que “se demitiu” tempos depois em “favor de seus ideais”.

Pura mentira.

Nenhum de nós aceitou muito bem de início, mas aos poucos Patrick foi conquistando espaço. Ele era simpático, engraçado e extrovertido. Eu até gostava da companhia dele. Seu contato físico conosco se limitava a mãos protetoras nos ombros e ocasionais abraços, que só surgiram depois de mais um ano de convivência com ele. Que foi quando ele começou a morar com a gente.

A aquela altura, eu tinha 14 anos, e toda a simpatia que eu tinha construído pelo cara caiu por terra. Eu gostava dele, mas não o queria morando na minha casa. O mesmo não aconteceu com os outros. Matthew pareceu exultante com a nova presença masculina, e Amy estava indiferente, focada demais em seus estudos para se importar. Mas eu não gostava daquilo. Ele estava sem emprego já havia quatro meses, e estava começando a se achar no direito de ter mais importância que nós, os filhos.

Mais alguns meses e as coisas pioraram. Para mim, pelo menos. Amy saiu de casa, e Matthewy ficou ainda mais amigo de Patrick, e ele adorou aquilo. Porra, é claro que ele adorou. Se não fosse por Patrick, minha mãe teria arrancado fora as duas orelhas do meu irmão quando ele apareceu com alargadores, coisa que ele queria fazer há um tempo, mas ela não deixava. Nessa mesma época ele começou com a história de querer ter uma banda. Eu não sabia que ele ia levar aquilo tão adiante.

Na verdade, eu não fazia ideia de que meu irmão sabia cantar.

E começaram as saídas depois da meia-noite, para aparecer só de manhã. Tanto Matthew quanto Patrick. O pretexto do meu semi-padrasto para sair era procurar Matthew para minha preocupada mãe, mas geralmente Matthew chegava sozinho em casa. Quando ela perguntava, porém, ele repetia a história de que Patrick ia buscá-lo.

Havia algo errado ali. Sei que Matthew queria proteger Patrick porque gostava dele. Eu me perguntava se ele sabia o que Patrick fazia naquelas horas que ele sumia. E se era algo que poderia deixar mamãe chateada. Eu tinha quase certeza que era. Foi numa madrugada de quinta-feira que eu descobri o que era.

Não era a primeira vez que meu irmão chegava bêbado em casa. Nem a primeira vez que chegava com alguma parte do rosto sangrando. Ele sempre inventava alguma desculpa imbecil, mas naquele dia não. Naquele dia, Matthew chegou em casa uma e meia da manhã, com Zakk, os dois tropeçando. Eu tinha chegado há duas horas, depois de ter dado uma escapada até a casa de uma amiga, então ainda estava acordada. Desci até a sala para ver a movimentação; escondi-me no corredor e fiquei ouvindo.

- Porra Matthew, você tem que parar de se meter nessas paradas – Zakk sussurrou, rindo

- Mas você se diverte também.

- Desde quando apanhar é divertido? – um som de um soco veio da sala– Caralho, quê isso?!

- Você apanhou, e foi divertido. – meu irmão riu de um jeito idiota. Eu não gostava de vê-lo daquele jeito. Não era simplesmente bêbado. Era bêbado e destrutivo. Auto-destrutivo.

Então a porta se escancarou, e eu senti o clima ficar diferente. Me atrevi a olhar e vi o rosto de Patrick no escuro. Ele ostentava uma expressão meio desesperada, como quem não sabe o que fazer, então ele viu os dois imbecis jogados no sofá.

- Ham, Matthew, eu vou pra casa – ouvi Zakk dizer lentamente. O barulho de sua perna se chocando contra a mesinha de centro foi audível, mas ele nem ousou soltar um palavrão. A porta se fechou e a voz sussurrada de Patrick encheu a sala.

- De novo, Matthew? Aonde dessa vez, garoto? – ele estava visivelmente irritado

- No cais – meu irmão retrucou, despreocupado

- Você tem que parar de ficar arranjando brigas por aí.

- E você tem que parar de perder esses jogos. Você é ruim assim? – Matthew riu, rouco.

- O que vai dizer pra sua mãe dessa vez, hein?

- Não sei. E você, o que vai dizer quando ela descobrir que esse seu emprego voluntário não é nada voluntário? Que você recebe uma bela grana e gasta tudo em jogo? – ele riu de novo

- Eu não gasto em jogo. São dívidas do passado. E saiba que não uso toda a grana.

- Sei.

- Olha, acho melhor parar de me acusar, Matthew. Quem anda aparecendo com um hematoma diferente a cada semana é você. Quem recebeu não sei quantas advertências escolares por brigas foi você. Quem quase foi expulso da escola foi você. Eu não estou fazendo nada além de apagar um passado que não quero que sua mãe descubra. Assim, ela não fica infeliz nem comigo nem com você. O acordo era esse.

Parei de ouvir e subi as escadas silenciosamente, incrédula.

Eu sabia que Matthew tinha alguns problemas com umas gangues imbecis na escola, mas a culpa não era dele. O que eu não acreditava era que ele acobertava Patrick, que saía todas as noites porque era um viciado em jogo. Que mentia para a mamãe. Eu tinha 14 anos, então aquilo me assustou. Senti como se não conhecesse meu irmão. Ele não podia realmente acreditar que estava fazendo bem mentindo daquele jeito. O que garantia que Patrick ainda não era um maldito viciado em jogatina?

Nada. Nada garantia aquilo. E quando coisas começaram a sumir do porão, tive certeza qual era o destino delas. Aquela expressão de desespero dele não me enganara. Não eram dívidas antigas. Ou até podiam ser. Mas a cada dia que passava, elas aumentavam. Não suportei ver aquilo e contei para minha mãe minhas suspeitas quando uma caixa antiga que pertencia à minha avó desapareceu sem explicação. Ela me mandou parar de assistir filmes policiais, e ficou irritadíssima com a suposição.

Não parou por ali. Aos poucos, mais coisas sumiam, e tudo ficava mais claro. Eu já não conseguia mais conversar com Matthew. Quando ele não estava enfurnado na garagem com Zakk e outros caras, ele estava fora de casa. Não era assim antes. Costumávamos ser próximos, e eu sentia falta disso. Não é como se ele tivesse mudado. É como se ele simplesmente não apreciasse mais minha companhia. Às vezes eu me perguntava se ele tinha noção do que eu sabia. De qualquer forma, eu me senti meio abandonada por ele.

A gota d’água chegou em 1998, quando eu já tinha 15 anos, e Matthew, 17. Quando você é uma adolescente, certas coisas são importantes. Eu tinha uma coisa importante. Um colar Era simples e bonito, e tinha muito valor sentimental: foi o primeiro presente de aniversário que meu pai me deu após a separação. Era um fio fino de ouro, com um pingente de caveirinha, com pequenas pedras nos olhos. Eu ainda estava começando a ouvir rock, pegando os últimos suspiros da época do grunge, então achei o presente o máximo, e não tirava aquilo do pescoço desde então, apenas para dormir e tomar banho.

Então o colar sumiu.

Vasculhei o quarto. A casa. A mochila. A sala de aula. A calçada. Refiz meus passos, em pânico. Então eu lembrei que aquela não era a primeira coisa que sumia de dentro de casa. E fiquei furiosa. Descontrolada. Aquilo era meu. MEU. Ele não tinha direito nenhum sobre as minhas coisas, uma coisa tão importante como aquela. Parece algo muito bobo agora, mas na época parecia a coisa mais importante do mundo.

Já passava da meia noite. Matthew ainda não havia chegado em casa, e Patrick disse que ia procurá-lo. Consegui segurá-lo por um tempo. Foi o suficiente. A polícia chegou em 5 minutos e a confusão foi armada. Eu ligara acusando aquele homem de roubar de dentro de minha casa para apostar em jogos. Eu tinha ligado há quase 40 minutos, e foi difícil convencer alguém que eu estava falando sério, mas consegui. Afinal HB era cheio de vagabundos passando trotes, mas a polícia sempre tinha que verificar.

Patrick disse que havia um engano ali, que ele jamais roubaria alguma coisa daquela casa e dramas desse tipo. Minha mãe ficou perguntando que circo era aquele que eu tinha armado, chamar a polícia por causa de uma bijuteria barata e acusar seu namorado de ser ladrão de novo, além de viciado em jogo. Eu implorei para ser ouvida. Disse que tinha outra pessoa que sabia da verdade. Que Matthew sabia o que estava acontecendo. Ele sabia. Ele só precisava chegar em casa.

E ele chegou. Na verdade, ele já estava em casa. Entrara pela garagem e ouvira a confusão, por isso estava indo até a sala. O policial explicou o que acontecia e, apontando para mim, perguntou se ele sabia do que eu estava falando. Foram os segundos mais longos da minha vida.

E Matthew disse que não. Ele não tinha ideia do que eu estava falando.

Perguntou se eu tinha procurado direito. Completamente desnorteada, eu balbuciei que sim, que tinha procurado em tudo. E levantei almofadas, abri gavetas e esvaziei minha bolsa como quem quer provar alguma coisa.

Eu vi o brilho dourado antes de ver o colar no chão.

Minha mãe ficou entre envergonhada e furiosa. Patrick pareceu aliviado, e então, eu acompanhei, boquiaberta, ele dizer aos policiais que eu não concordava com a presença dele naquela casa, e por isso eu tinha ficado hostil. Perguntaram se ele era meu pai. Ele disse que não, mas que talvez fosse uma boa ideia eu passar um tempo em outro lugar. Olhei para minha mãe, ainda segurando o cordão. Ela parecia tão... Decepcionada. Eu nunca esqueci aquele olhar.

E então encontrei os olhos verdes de Matthew. Tão iguais aos meus. E mentindo. Descaradamente. Desviei o olhar para onde minha bolsa estava. De repente, me veio à cabeça como ela tinha ido parar ali, num canto da sala. Eu tinha plena certeza de que assim que eu chegara da escola após procurar o cordão, eu a havia largado na garagem...

Na garagem. De onde Matthew havia acabado de sair.

Fora ele. Fora ele quem colocara o colar ali. Não sei porque, ou sob quais circunstâncias... Mas tinha sido ele. Disso eu estava certa. E quando olhei novamente em seus olhos, quase sem enxergar por causa da água que começava a enchê-los, percebi que ele sabia que eu descobrira. Me senti ridícula. Como se estivesse fazendo parte de alguma cena patética de uma novela mexicana ou algo do tipo. Parecia surreal que aquilo estivesse acontecendo. Mas eu não me entreguei. Não deixei as lágrimas saírem.

- De repente, mãe, é uma boa ideia mesmo. – disse, com um nó na garganta, me levantando. Os oficiais me olharam como se eu fosse louca, e Patrick os conduziu até a porta.

- Annabeth, você nã...

- Eu estou raciocinando direito sim, mãe! – exclamei, mordendo o lábio – Por favor. Me deixe ir morar com o papai. A nossa guarda é compartilhada mesmo, ele sempre nos visita...

- Seu pai é um nômade, Annabeth! Se você morar com ele, você nunca mais vai nos ver... – minha mãe pareceu um tanto desesperada, e fiquei com pena dela. Mas mantive a postura.

- Não é verdade. Vou visitar você. – naquele momento, ninguém reparou, mas eu dissera “você”. Eu não pretendia ver Patrick nem Matthew tão cedo. Afinal, minha mãe também era uma vítima no meio daquilo tudo. Eu não podia culpá-la, mas eu o fazia do mesmo jeito.

- Amanhã...

- Não. Hoje, por favor, hoje. Não sabemos onde papai está, e se ele demorar? Por favor, mãe, eu ligo, eu explico, eu faço tudo, mas me deixe ir! – implorei, deixando as lágrimas rolarem. Minha mãe também começou a chorar, e eu me senti péssima.

- Eu não posso... Eu não posso deixar minha filha sumir pelo país...

- Eu não vou sumir, mãe, eu prometo, não vou, vou estar sempre por perto, vou sempre mandar notícias, se papai sonhar em não me deixar te ver, eu venho ainda assim...

- Eu entendi.... Eu entendi, mas...

A conversa se estendeu pela madrugada toda, até eu convencer minha mãe de que não agüentaria mais uma noite ali. Não depois do acontecido. Ela chorou até dormir. Meu pai apareceu na porta de casa às seis da manhã. Eu já estava com as malas prontas. Desci as escadas com lentidão, observando tudo, sem acreditar no que estava acontecendo, no modo como eu fugia da minha própria casa. Trinquei os dentes para não chorar. Papai não disse nada. Apenas me abraçou. Eu tinha contado tudo para ele, e ele sabia que eu não iria ficar discutindo aquilo várias e várias vezes, por menos detalhada e confusa que minha versão tenha sido. Ao longo dos anos que se seguiram, eu falei com ele sobre isso apenas uma vez.

A despedida foi ainda pior que a madrugada. Minha mãe chorou sem parar e não disse nada além de “miszite”, que acho que era para ser “me visite”. Ao menos o grande causador da confusão não estava ali ainda. Sumira e ainda não voltara para casa. Matthew, por outro lado, me encarou do pé da escada, as mãos afundadas nos bolsos do casaco de moletom. Ele já era mais alto que eu e já estava adquirindo um pouco da musculatura que anos depois... bem, o deixariam daquela largura atual. Andei até ele e peguei seu braço esquerdo, onde sabia que as ataduras da tatuagem que ele fizera dois dias atrás ainda estavam, e apertei com toda a força que tinha. Matthew mordeu o lábio, também ferido pelo piercing recente. Então ele soltou um lamento baixo de dor, e eu sorri, amarga, encarando-o firmemente.

- Isso nem se compara ao que estou sentindo agora, Matthew. Eu não te reconheço mais, e não acredito que tenha feito o que fez. – fiz uma pausa – Espero que eu nunca mais tenha que ver você ou ouvir sua voz. - Ele permaneceu lá, parado, com a boca meio aberta e os olhos arregalados.

Nem preciso dizer que o destino tem uma puta de uma ironia.

No caminho para meu novo lar, meu pai disse que estava em San Diego há dois meses e gostara da cidade, e estava disposto a ficar lá até minha maioridade. Eu respondi dizendo que não tinha necessidade daquilo, e que além do mais, mamãe descobriria. Então ele sorriu e revelou que fingiu estar em muitos lugares em que nunca esteve ao falar com a mamãe, só para ela não descobrir que ele sequer fora para o centro do país, e se limitara à costa leste. Sorrindo, ele me disse que ainda teria muito tempo para curtir depois que eu pudesse morar sozinha, e que ele ia adorar poder morar comigo de novo.

Quando eu queria ver minha mãe, nós viajávamos para um lugar diferente, mandávamos uma passagem e fingíamos estar ali há meses e meses. Ela era contra a ideia, mas ou era isso ou nada. Eu me dispusera a nunca mais por os pés em Huntington Beach se não fosse de extrema necessidade, caso de vida ou morte. Bem, eu precisava de um bom emprego para viver, então de novo, o destino se mostrou um grande filho-da-mãe.

Depois de 3 anos, fiz questão de lembrar meu pai do que ele dissera sobre sair dali quando eu fizesse 18 anos; ele relutou, de início, mas sete meses depois partiu para Illinois. Dois anos depois, foi a vez de minha mãe sair da Califórnia e ir para Washington, morar com seu novo marido, o namorado que veio depois de Patrick. Eu o conhecera; era um bom homem, afinal. Fiz questão de verificar todo o histórico dele.

Tempos depois do ocorrido eu percebi que, se eu quisesse, podia ter voltado para casa, mas então me dei conta de que eu não queria voltar. Não queria ouvir as desculpas de Matthew. As da minha mãe, que chegaram oito meses depois do ocorrido, já haviam sido o suficiente. Minha mãe jamais soube que Matthewy mentira. Eu por outro lado, nunca esqueceria.

Por fim, não me restou mais nada em HB, a não ser memórias. Memórias essas que vieram me assombrar de duas formas diferentes. Ambas na mesma maldita banda.


- Está quieta – Adrian comentou, enquanto dirigia. Dei de ombros.

- Nunca achei que fosse voltar pra cá. Muito menos pra aquela casa. E menos ainda dividindo ela com meu irmão. – comentei. Ele ficou muito silencioso, e desligou o rádio.

- AB – ele chamou. AB, Ann B. Todos apelidos vindos de Adrian, que detestava me chamar de “Anna” ou de “Beth”.

- Diga.

- Preciso te contar uma coisa. – ele engoliu em seco. Rá, eu sabia!

- Conte – pedi, curiosa

- Acho que tenho alguma responsabilidade nisso que está acontecendo. E que começou com você tendo que trabalhar no Just Fire It. – ele disse de uma vez só, sem me olhar

- Eu sei disso – estranhei – Foi você quem me disse sobre o emprego.


Quando comecei a trabalhar para Jack, e eu ia começar meu penúltimo ano de faculdade, em 2005. Eu tinha aulas de manhã, trabalhava numa loja de CDs durante a tarde e trabalhava na lanchonete durante a noite, até as dez. Eu precisei me demitir da loja de CD’s, o emprego mais legal que eu tivera até então, porque as aulas iam começar a se estender para a parte da tarde. Eu reclamei que precisaria de uma coisa melhor que ser garçonete para poder me manter, mas que não encontrava nada. Então Adrian veio e me contou sobre o Just Fire It.


Ele disse que trabalhava lá há dois anos (eu evidentemente armei um escândalo nessa parte – “COMO ASSIM, HÁ DOIS ANOS? PORQUE NUNCA ME CONTOU?”), depois que saía do expediente como barman (a vida não é fácil para quem mora sozinho, acabou de sair da faculdade e não tem um centavo no bolso, cara). E disse que estavam precisando de uma espécie de “figurinista” ali. Depois de fazer três entrevistas e ser rejeitada por “falta de experiência”, decidi tentar o emprego que Adrian me sugerira.


E fui aceita. Quem me entrevistou foi Heidi, e ela ficou feliz com minhas ideias. Disse que Jack, seu marido (eu fiquei em choque quando ela disse isso) ia me adorar, e que eu ia me dar muito bem com as garotas.


Na noite seguinte, acidentalmente, eu me tornei uma delas. Nunca foi a minha intenção. Tudo aconteceu sem querer. Aliás... Graças a Synsyter Harrington, ou Brian Harrington Jr – chame-o do que quiser - e sua vontade desgraçada de ver mulheres tirando a roupa.


- Não... Não estou falando disso. Estou falando da sua primeira noite. Que você teve que substituir Britanni e assumiu como Amethyst no lugar dela. Para sempre. – ele se remexeu, desconfortável

- Adrian, o que você tem a ver com isso? – estranhei

- Você só foi obrigada a dançar porque Bri Harrington chegou lá, certo? – ele perguntou

- Sim. E daí?

- E como Bri Harrington chegou lá? – Adrian me olhou de esguelha

- Sei lá, Adrian, eu...  – busquei na memória - Não lembro bem, acho que uma vez ele comentou algo sobre estar bêbado num bar e o barman ter indicado a boate pra ele porque Jamie, sabe, não deu carona pra ele... Ou algo assim.


Silêncio.


- E então? – perguntei, sem entender – E daí?

- Você não entendeu? – ele virou a cabeça para me observar, escandalizado

- Olha pra estrada. E não, não entendi.

- Annabeth, qual é o meu emprego?

- Jornalista freelancer.

- E qual o meu outro emprego? – ele continuou, entre dentes

- Barman no Just Fire It.

- E o outro emprego? – ele fechou os olhos

- Abre os olhos, Adrian. Seu outro emprego é barman naquele bar horrível que você sabe que eu nunca lembro o nome. E daí?

- Meu Deus, AB, tente ligar as coisas! – ele exclamou, batendo na buzina, ansioso.


Então eu entendi.


- OH MEU DEUS, ADRIAN! – ele me olhou inseguro

- Diga.

- Foi você!

- Fui eu que... – ele me incentivou a continuar

- Foi você quem disse pro Brian sobre o JFI! Foi você o responsável por ter levado ele até lá! Você é o responsável por eu ser uma stripper e agora ter que voltar pra essa droga de cidade! – eu apontei para a placa “Bem-vindo a Huntington Beach”. Claro que eu estava exagerando absurdamente, e ele sabia que eu não queria de fato querer dizer o que eu tinha dito, mas ele encolheu os ombros como quem tem culpa – Adrian, eu vou te matar!

- Tá vendo? É exatamente por isso que eu não quis deixar você dirigir! – ele exclamou, antes de me olhar de canto, provavelmente sabendo que agora eu realmente considerava a possibilidade de matá-lo.


Eu respirei fundo várias vezes e apertei o colar de caveirinha em meu pescoço. As pedrinhas dos olhos já haviam caído há muito tempo, mas eu fizera questão de substituí-las.


Por ametistas. 



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Notas finais do capítulo

Sooo...? O que acharam?? Meio dramático, mas bem esclarecedor, não?
Pra quem não leu o recado ali em cima sobre o blog, o link é esse: http://play-with-fire-nyah.blogspot.com.br/ não deixem de dar uma olhada!! o perfil do Adrian já está lá. BTW, gostaram dele??
No próximo capítulo: sem mais lembranças, sem mais explicações, Annabeth não tem mais como adiar seu encontro com Matthew e também não pode evitar a ansiedade que vem com a possibilidade de rever Brian. Além disso, novos personagens! Não percam!!
Reviews, please? Fantasmas, estão aí??
Bjos, espero que acessem o blog e gostem!!