Play With Fire escrita por Hanna_21


Capítulo 1
After all this time I'm coming home


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem do primeiro capítulo!



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1. After all this time I’m coming home


Eu sorri, debochada e descrente.


–Você só pode estar brincando comigo.


O homem à minha frente sorriu também, igualmente desdenhoso.


– Não. Não estou brincando.

– Você não pode fazer isso! – exclamei, meu sarcasmo dando lugar à raiva.

– Você sabe que sou um homem que pode muitas coisas. – o sorrisinho dele me irritou profundamente. Não me contive.

– Que você pode muitas coisas eu sei. Minha dúvida é em relação ao “homem” – desafiei, sem sorrir. Esperava que ele fechasse a expressão e alterasse a postura, mas o único efeito que minha fala teve foi o de aumentar o maldito sorriso.

– Sabe, é por isso mesmo que estou te mandando pra lá.

– Minha ironia?

– Sua petulância – ele corrigiu, e dessa vez ficou sério – Isso te torna irritantemente desejável. – eu o conhecia bem o suficiente para saber que aquilo não era uma cantada e nem tinha conotação sexual em particular. Era um elogio. Respirei fundo.

– Me explique essa história direito. – pedi.


Jack Harrison se endireitou em sua cadeira de couro negro e cruzou as mãos em cima da mesa. Eu tinha dúvidas se aquela era sua posição para tratar de negócios ou para assumir uma postura amigável e conselheira. Naquele caso, acho que havia um pouco das duas coisas.


Aquele cara era daquele tipo de pessoa que poderia fazer qualquer coisa na vida. Qualquer coisa mesmo. Se ele batesse na sua porta vendendo qualquer coisa absurda, tipo vassouras falantes ou biscoitos de cebola, você compraria e ficaria achando que foi o melhor negócio da sua vida. Jack tinha tudo o que é necessário para ser bem-sucedido: dinheiro, inteligência, charme, bom papo, contatos. Mas pelo visto, ele gosta de fingir que é Tony Stark (inclusive na aparência, devo dizer) e tenta fugir do lugar-comum; então, ao invés de se contentar com sua super empresa produtora de tecnologia de ponta, ele quis inventar de ter um segundo negócio, sendo este um tanto mais... inusitado.


Negócio esse em que ele era meu chefe.


– Você percebeu que estamos lotados ultimamente. E tenho recebido inúmeros pedidos de contratação, muitos deles irrecusáveis. Mas não há vagas pra todo mundo. – ele começou, com cautela

– Vai me demitir? – fui direto ao ponto

– Não.

– Então onde Huntington Beach entra nessa história? – me impacientei, e o sorriso voltou a surgir no rosto dele

– Pense um pouco. Tenho certeza de que vai conseguir achar uma ligação entre as duas coisas.


Concentrei-me por alguns instantes, procurando paralelos entre o aumento da clientela e a procura por aquele emprego e a ideia – absurda – de me mudar para Huntington Beach, que era o que Jack havia acabado de me propor e também o que tinha me deixado tão revoltada. As duas situações não se relacionavam de forma alguma. Se ele não ia me demitir, que sentido teria eu sair daqui e ir para outra cidade, ainda mais quando os negócios estavam prosperando aqui em S...


Oh não. Não, não, não!


– Você não pode fazer isso! – exclamei, compreendendo.

– Lá vamos nós de novo... – Jack revirou os olhos

– Você não pode abrir uma filial!

– Ah, então você entendeu. – sua expressão era de tédio puro

– Você não pode abrir uma filial! – repeti

– Claro que posso! – ele também alterou um pouco o comportamento

– É um bordel! Quem diabos abre uma filial de um bordel?

– Ah, então AGORA isso aqui é um bordel? Não era você quem ficava irritada quando as outras “menosprezavam o local de trabalho com palavras pejorativas”? – ele rebateu

– Ok. Isso não é um bordel. – e de fato, não era. E eu odiava que se referissem ao lugar como se fosse um – Mas ainda assim, não se abrem filiais de casas de shows.

– Caham.

– Tá, shows de strip-tease – acrescentei, a contragosto.

– Muito bem. Mas você sabe, Annabeth, que não podemos continuar desse jeito. A clientela aumentou em quantidade e qualidade.

– Abrir uma casa em Huntington Beach não vai deixar essa aqui menos cheia. – comentei

– Eu sei. Pretendo reformar esse lugar.


Eu o encarei por alguns momentos. Agora a conversa realmente não fazia sentido.


– Explique-se. – meu tom foi educado, mas ele sabia que eu não estava pedindo.

– Não sei se é seguro. – ele não pode deixar de provocar

– Jack!

– Eu construí outra boate. Outras. – ele admitiu, e pude perceber que ele queria rir. Desgraçado.

– “OUTRAS”? – indaguei, boquiaberta

– Duas, pra ser sincero.

– E você fez tudo isso por baixo dos panos?

– Sim.

– E ninguém sabe disso?

– Heidi sabe.

– Ela é sua mulher, não conta! – retruquei, impaciente. Normalmente eu não sou rabugenta desse jeito, mas aquela conversa estava me incomodando profundamente. - Estou falando das garotas.

– Na verdade, eu fui contando a elas ao longo da semana. Você é a última a saber.

– Por quê?!

– Porque eu sabia que você ofereceria resistência! – ele alteou a voz. Meus diálogos com Jack eram sempre assim: nós parecíamos estar discutindo, sempre com alguém (quando não os dois) beirando aos berros. Faz parte. Era assim que nós nos entendíamos.

– Aaargh! – resmunguei. Suspirei antes de continuar - E onde são essas boates?

– HB, como já disse, e outra aqui mesmo em San Diego, que vai “substituir” essa enquanto reformo. Ambas estão prontas e preparadas para serem inauguradas. – caramba, ele realmente pensava em tudo.

– Certo. Uma perguntinha... Se você vai abrir outra boate de strip-tease aqui mesmo, porque eu tenho que ir para Huntington Beach? – perguntei

– Porque já tenho garotas o suficiente para as duas casas aqui em San Diego. Em Huntington Beach, eu teria que passar muito tempo procurando por funcionárias. Então, estou, ham, “enviando” as meninas atuais para lá.

– V... Espere. Então TODAS as meninas vão para HB?

– Todas aceitaram.

– Como você conseguiu fazer isso? – cada notícia era como um choque; comecei a falar rapidamente – Quero dizer, todas elas têm uma vida, uma...

– Annabeth – Jack me interrompeu, a voz calma. – Essas garotas... São strippers.

– Show girls – corrigi. Eu detestava que nos reduzissem ao estereótipo de strippers-vadias-mal-vestidas-destruidoras de lares.

– Que seja. Não quero ser desrespeitoso... Você sabe que não entra aqui aquele tipo de garota que decidiu entrar no ramo porque era a forma mais fácil de ganhar dinheiro. Todas as garotas que estão aqui tem outro emprego além desse, um emprego que não as satisfaz; são mulheres que queriam ser cantoras, atrizes, dançarinas, enfim, todo o tipo que teve seu sonho frustrado. Mas continuam tentando. Isso faz delas – e de você – pessoas honestas num ramo desgraçado. Mas diga-me: o que vocês tem a perder?


Fiquei em silêncio. Tudo o que ele havia dito era verdade. Nenhuma das garotas que trabalhava ali tinha uma vida fácil; todas elas tinham um emprego infernal que não tinha a menor relação com o que elas realmente queriam fazer, e rendiam uma ninharia. Aquele lugar era um refúgio que, além de trazer mais dinheiro, trazia uma nova identidade, uma nova chance de o sonho ser realizado. Por mais surreal – e idiota, admito - que isso fosse.


– Então – ele continuou falando – Se você tivesse me deixado falar, eu tenho um excelente motivo para você largar esse emprego de garçonete e ir para HB.


Ponderei o que ele havia dito. Realmente, meu trabalho como garçonete não era medíocre, mas eu não podia dizer que aquela era minha vocação ou algo do tipo. E, se não tivesse fracassado nas últimas 17 entrevistas de emprego, pelos mais diversos motivos (nenhum envolvendo minha competência), eu já teria saído daquele café.


– Diga. – pedi, por fim

– Você se formou em estilismo no fim do ano passado.

– Certo.

– E você trabalha aqui pra complementar sua renda e pagar a faculdade – ele continuou. Aquilo era verdade; o que eu tinha no banco mais o dinheiro do café não eram suficientes para pagar aluguel, energia, telefone, água, faculdade, livros, alimentação, saúde e... Enfim, de qualquer forma, ou eu tinha dois empregos, ou abandonava a escola.

– Certo.

– Conheço você tempo o suficiente para afirmar que não é sua cara ser uma “show girl” – ele fez aspas no ar – e sei que só aceitou trabalhar aqui porque queria fazer os figurinos... Aliás, eu só te de emprego por causa dos figurinos. – ele sorriu de lado, e eu retribui. Eu me lembrava daquilo. Ele precisava de uma figurinista. Eu precisava de um emprego, um que estivesse relacionado àquilo que eu gostava de fazer. Bingo. O que veio depois disso não passou de um acidente, que resultou na minha posição de “show girl”.

– E...?

– E então que, agora que terminou a faculdade, não precisa trabalhar aqui. Teoricamente.

– Correto.

– Mas você continua, porque não encontra um emprego satisfatório.

– Aonde...

– Você quer... Não, você precisa de um emprego relacionado à moda! E você sabe disso. – pausa dramática – Eu posso conseguir isso pra você.

– Não mesmo – arfei; aquilo era jogo baixo.

– Se você for para HB, Annabeth, você terá um emprego garantido numa empresa de estilismo, responsável por mandar os estilos de tecidos, modelos e ditar as tendências que os estilistas famosos vão seguir. Volta e meia, eles mandam modelos para os desfiles de LA. Não é nada 100% certo, mas não estaria te dando essa oportunidade se não acreditasse que você pode conseguir. – Jack se inclinou – Você sabe que só precisa de um empurrãozinho.


Fico imaginando o que ele ofereceu para as outras garotas. Ele era assim; ano passado, uma menina foi demitida porque o próprio Jack arranjara um emprego de verdade no que ela queria fazer. Ele não se importava se estava perdendo uma funcionária – sempre haveria outras, de qualquer forma; ele gostava era de encaminhar cada uma das “garotas perdidas” que chegavam à porta do “estabelecimento” dele. Estou dizendo, esse cara tem um quê de Homem de Ferro.


Eu olhei em seus olhos castanhos, me sentindo meio claustrofóbica. Aquilo era irrecusável. Eu tinha que ser muito imbecil para dizer “não”. Mas... Porque, dentre todos os lugares, justo Huntington Beach?


– Posso responder amanhã?

– Não.


Shit!


– Digamos... Que eu diga sim.

– Ah-ah. Sem “digamos”. Quero uma resposta concreta. – fechei os olhos e suspirei

– Sim. – respondi, ainda sem saber se aquilo era um erro.

– Excelente!

– Ok, agora que você já tem minha resposta, preciso saber de algumas coisas básicas, como... Em quanto tempo eu tenho que ir pra lá.

– Duas semanas. – abri a boca para protestar, mas parei.

– Onde vou morar. – eu já não perguntava; tinha que ter o máximo de informações o possível para planejar minha vida.

– Sabia que você é a primeira a perguntar isso? – ele riu – As outras ficaram tão... Empolgadas, que nem pensaram nisso. Mas realmente, aí eu tenho um pequeno problema, e eu ia abordá-lo assim que você aceitasse. São nove garotas, pensei que vocês pudessem dividir apartamentos. Três em cada. – seu tom dizia que tinha um “porém” na história.

– Mas...?

– Mas ainda não arranjei todos os apartamentos. Consegui dois, apenas. Não dá pra amontoar vocês todas neles.


Aquele papo estava estranho demais.


– Pesquisei e descobri que as gêmeas têm onde ficar por enquanto. Elas têm amigas lá. Quanto às outras, nenhuma delas tem ligação com alguém em HB.

– Ótimo. Três ficam em um, quatro em outro. Pronto. Provisoriamente, pelo menos. – disse rapidamente. Tinha medo de que ele sugerisse o que eu pensava que ele ia sugerir. Mas não tinha como ele saber. Não depois de tanto tempo escondendo tão bem. Ele simplesmente não...

– Não. Não há espaço para quatro.

– Fico no sofá.

– Não.

– Então alguém fica no sofá.

– Ninguém vai ficar no sofá.

– Então alguém vai dormir na rua! – exclamei, nervosa. Jack se limitou a me encarar, e eu vi algo nos olhos deles.


Ele sabia. Droga, ele sabia!


– Você é a única outra que conhece alguém lá.

– Eu não posso... – resmunguei.

– Ele tem uma casa lá!

– Mas...

– Olha, eu não sei porque você não pode, mas...

– Jack, a exposição! Todo mundo ia saber, iam investigar minha vida e descobrir que eu trabalho... Fazendo isso. – meu argumento fazia todo o sentindo, apesar de eu sequer ter pensado nisso quando falei.

– Nem adianta tentar. Você sabe que eu não iria sugerir isso se não tivesse plena certeza da segurança. Se até hoje protegi a identidade de vocês, não é agora e de um jeito tão estúpido que eu deixaria que descobrissem o que você faz. E de qualquer forma, ninguém vai dar muita atenção para isso. Não estou te menosprezando, mas no fim das contas, isso não é nada demais.

– Sei que não. É idiotice. Mas não estou me escondendo por ele ser uma figura pública. – não foi minha intenção, mas ao dizer “ele”, eu não tinha muita certeza de qual “ele” eu estava falando... - Aliás, é até uma surpresa que não tenham me procurado, considerando como as coisas estão hoje em dia e como qualquer notícia imbecil já vira furo de reportagem.

– Então não vejo motivo para essa frescura toda. – Jack disse

– Eu... – hesitei – Eu não falo com ele há anos.

– Uma oportunidade para reunir a família. – ele debochou

– Se não mantenho contato é porque tenho meus motivos. – retruquei, séria.

– Então, tenho uma coisa pra lhe dizer: a não ser que ele tenha assassinado alguém ou algo assim, deixe seus motivos de lado e peça abrigo temporário em Huntington Beach, já que a casa é dele e não sua.

– Não. Vou ficar em um hotel – decidi, cruzando os braços

– Faça isso e será demitida – Jack respondeu sem nem pensar. Eu o encarei, chocada.

– Você só pode estar brincando comigo.

– Acho que desde o início dessa conversa deixei muito claro que nada do que foi dito aqui é uma brincadeira – o homem de negócios veio à tona e ele me lançou um olhar autoritário.

– Ok então! – exclamei, revoltada – Eu ligo para a porcaria do meu irmão que não vejo há anos, peço para ficar na porcaria da casa que é dele, tudo por causa da porcaria do emprego, que vou ter que conciliar com essa porcaria de boate de strip-tease!

– É assim que se fala.

– Eu... Oh meu Deus. Jack, você é um grande hipócrita!

– Quê?

– Está fazendo isso de propósito!

– Não entendo.

– Está me mandando pra HB de propósito! Porque de alguma forma você descobriu o que aconteceu e quer que eu enfrente meu passado! – como eu não tinha percebido aquilo antes??

– Não sei do que está falando – ele disse, mas ele tentava conter um sorriso

– Sabe sim! Sou mais um dos seus projetos de caridade!

– Q...

– Não fala mais nada!

– Quer dizer que você não vai? – ele perguntou, arqueando as sobrancelhas

– Não! – levantei da cadeira, fuzilando-o com o olhar - Você sabe que eu tenho que ir. Estou puta da vida com você, mas eu vou. – dei a volta e comecei a sair da sala dele - Se para construir o resto da minha vida eu precisar voltar e resolver algumas coisas do passado, é isso que vou fazer!


Saí dali batendo a porta. O pior de tudo ainda era ter que aguentar uma noite inteira dançando para bêbados pervertidos e gordos. Tudo bem, a clientela dali não era assim, mas naquela noite, qualquer um pareceria nojento. Subi as escadas e sentei-me na frente da penteadeira, puxando com violência o estojo de maquiagem.


– Já está sabendo? – alguma das garotas perguntou

– Já – respondi, mal-humorada. Estendi a mão para pegar as lentes de contato coloridas, mas me contive. O relógio dizia que ainda eram seis e meia da tarde. Eu ainda tinha duas horas para me transformar naquela que eu virava todas as noites.


Eu podia resolver aquilo de uma vez. Não fazia sentindo esperar até o dia seguinte.


Levantei-me e fui a uma sala vazia. No celular, procurei pelo número que jurei a mim mesma que nunca discaria. Aliás, nem sei porque ele ainda estava ali. Talvez nem fosse mais aquele número...


Foi torcendo para que isso fosse verdade que eu apertei o botão de “discar”.


Chamou uma vez...


Duas… (ele não vai atender)


Três… (provavelmente trocou de número)


Quatro… (mais uma e eu desligo)

Cinco... (já chega)


– Alô? – a voz do outro lado da linha congelou meus dedos, que estavam quase apertando o botão de desligar.


Levei o celular ao ouvido e abri a boca. Há quanto tempo aquela voz parecia tão distante? Há quanto tempo eu não sentia aquela proximidade com o lugar que um dia eu chamara de casa?


– Alô? – a voz repetiu. Não havia mais escapatória. Depois de tanto tempo, eu estava voltando para casa.

– Matthew – minha voz parecia não sair de mim – Sou eu.



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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam???
Os próximos capítulos serão mais claros que esse, que é mais introdutório.
Com reviews, posto o segundo bem rápido, ok?
Não deixem de comentar!!!
Obrigada a MandyMA, que desde o início me ajudou com esse projeto.
Kisses!