As Duas Faces De Johanna escrita por Lina Pond


Capítulo 4
Garotas como você não se apaixonam.




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Voltei a minhas lembranças. O tempo já havia se passado. Nós tínhamos uma casa e nosso pai tinha voltado, mas ele não era do tipo que entende as coisas. Depois da morte da mamãe ele ficou... Piradinho! Não trabalhava, não se lembrava dos filhos, sequer falava coisa com coisa.


– Pai, a comida acabou. Se o senhor não me ajudar, esse ano vou ser obrigada a pegar as tésseras.

– Que pegue. Eu nem te conheço. Você tem 13 anos e não pediu as tésseras ano passado? Isso é uma vergonha, uma vergonha. – A rua inteira deve ter ouvido seus gritos.

– Pai, sou eu, a Johanna. Eu sou sua filha. Olhe no bolso da sua jaqueta, tem uma foto nossa. Mamãe me mandou não pegar as tésseras, eu só estou fazendo o que ela me mandou. – Ele puxou a foto e um sentimento de culpa o tomou, pude notar apenas pela sua expressão facial.

– Me desculpe Johanna, não sei que acontece comigo. Isso acontece sempre?

– Sim Pai.

– Eu sinto muito mesmo. Vou trabalhar. Oh não, hoje já perdi a hora. Vou trabalhar amanhã, eu prometo.

Ele não ia trabalhar. Amanhã ele surtaria de novo e com sorte teria paciência de pegar a foto em seu bolso. Em outros dias ele apenas quebra alguma coisa e saí de casa. Eu estava bem cansada daquilo. Ele perdeu uma esposa, mais eu e as crianças perdemos uma mãe.

– Johanna, o que houve com o papai? – Sophia veio em minha direção com o vestido branco, o favorito dela. Sophia já estava quase fazendo cinco anos, mais era bem adulta pra essa idade, assim como eu não parecia ter treze e David não parecia ter nove.

– Não é nada querida. Álias é o de sempre. Hoje você pode ajudar David com o almoço? Vou procurar um emprego.

– Um emprego? Johanna, você tem treze anos. E é mulher. E estamos no distrito sete, o da madeira. O que você vai fazer? Cortar árvores?

– Sim Sophia, eu vou cortar árvores, até com os dentes se for necessário. Você pode me ajudar ou não?

– Tudo bem.

– Ótimo e tomem cuidado com o papai. Se ele surtar e quiser sair, não o impeçam.

– Mesmo se ele se machucar?

– Sim Sophia, mesmo se ele se machucar. Só se proteja. – Dei um beijo nela e um em David, peguei um casaco grande do meu pai, botas da minha mãe e fui em direção ao lugar em que meu pai trabalhava.

Um garoto estava sentado mexendo em alguns papéis. Ele não devia ser muito mais velho do que eu, mais trabalhava como se sua família precisasse de comida. Aquilo era bem familiar.

– Oi? – tentei ser o mais simpática possível, não que isso fosse meu forte.

– Oi – ele respondeu sem levantar os olhos.

– Sabe o que é, eu queria conversar com um supervisor ou algo do tipo. – Só assim ele levantou os olhos e me encarou. Tinha olhos claros, um cabelo castanho e um sorriso muito convidativo. Olhando assim, parecia bem mais velho do que eu. Era bem bonito pra falar a verdade.

– Por quê? Algum problema?

– Na verdade, não é bem um problema. – puxei a cadeira e me sentei a sua frente. – Eu queria um emprego.

– Você só pode estar brincando.

– Por quê?

– Você é uma mulher.

– Sim, essa é uma das poucas coisas que eu tenho certeza na vida. – ele riu e ficou sem jeito.

– Mulheres não trabalham com madeira.

– Alguma já se candidatou?

– Não.

– É proibido?

– Não.

– Então eu vou ser a primeira a me candidatar.

– Desculpa, mas você não tem nenhuma experiência. Não posso te dar o emprego.

– Meu pai trabalhava aqui. Harry Mason. Era um dos melhores.

– Johanna?

– Exato. Mais eu não sei seu nome.

– É Cody. Seu pai falava muito de você.

– Agora não fala tanto. Nem de mim, nem de nada.

– Eu sinto muito pelo que aconteceu.

– Serei muito mais grata aos seus sentimentos se você me der o emprego.

– Você sabe usar um machado?

– Eu posso aprender.

– Eu duvido.

– Faço as coisas muito melhor quando duvidam de mim.

– Disso eu não duvido. – eu ri.

– Por favor, Cody. Eu posso fazer isso direito. Eu posso trabalhar aqui e ser tão boa quanto meu pai.

– Eu vou ver se consigo um emprego e te aviso. Vocês ainda moram na casinha aonde foi o enterro da sua mãe?

– Sim. – disse baixinho – não diga que sente muito novamente, por favor.

– Não vou dizer. Eu sei que você é forte, corajosa, destemida. É o que todo mundo fala.

– Todo mundo está certo. Eu tenho que ser. Eu vou esperar sua resposta. E agradeço muito se você fizer isso por mim. Não sou do tipo que desaponta as pessoas.


“Não sou do tipo que desaponta as pessoas”. Que ironia. Eu desapontei todas as pessoas do distrito sete. Eles me odeiam agora. Cody me odeia ainda mais. E a únicas pessoas que são obrigadas a me amar, não existem mais. Ouço uma voz saindo pelas caixas de som do trem:

“O trem já está de volta aos trilhos e dentro de 5 minutos iremos voltar à viagem.” Me levanto do sofá e vou em direção ao meu quarto. Lá troco de roupa, e peço a um Avox que traga meu jantar no quarto. É o mesmo Avox que estava aqui quando eu fui escolhida para ir aos jogos pela primeira vez. Não consigo evitar a vontade de abraça-lo então olho para os lados pra ver se tem alguém nos vigiando e quando noto que não, me enrosco em seu pescoço.

– Dessa vez eu não volto. – deixo escapar uma lágrima e ele a seca com seus dedos gélidos e deixa escapar um grunhido. – Não, dessa vez eu não volto mesmo. Você vai saber logo o porque. Mais caso o mundo comece a cair em decadência, fuja. Por favor.

Me solto dele e entro no quarto, sento na cama aonde minha bandeja com um delicioso jantar está servida. Janto, tomo um banho de água quente, coisa que também existe na casa dos vitoriosos, então não fico tão impressionada quanto da primeira vez. Com os cabelos molhados, encosto minha cabeça no travesseiro e dentre todas as minhas lembranças triste, procuro uma feliz. Eu tinha acabado de fazer 15 anos.

– Não acredito que você me deu um dia de folga Cody, você é um péssimo chefe.

– Não, você é o melhor Cody – gritou Sophia. – Cody a pegou nos braços, a colocou nos ombros e saiu em disparada. Fui conversando com David enquanto caminhávamos até uma parte da floresta que tinha uma bela cachoeira.

– Você gosta dele?

– Porque está perguntando isso Johanna?

– Porque eu gosto dele, Sophia gosta dele, papai gosta dele. Mais você não. Eu queria saber por quê.

David parou e agora que era quase do meu tamanho, só precisou levantar um pouco os pés pra alcançar meus olhos.

– Eu não quero que você se apaixone Johanna, porque não vivemos num mundo de conto de fadas. Você não vai querer ter filhos. Você vai mandá-los todo ano pra colheita, como vai fazer comigo ano que vem? Como vai ter que fazer pra Sophia? E se você casar, ele vai cuidar da gente? Nós não temos dinheiro nem pra nos alimentar, imagine se você tiver outra família, uma família que vai ser dele também, a família que ele vai ter que cuidar de verdade e não só agradar pra tentar namorar com a irmã deles.

– Eu não vou deixar vocês David, jamais. Não me importa se você acha que eu vou te carregar a tiracolo, porque não é isso. Eu vou levar vocês porque eu amo vocês, amo mais do que amo a mim mesma. Não, eu não pretendo ter filhos, mais eu tenho vocês, não tenho? Não é como se eu pudesse tirar essa responsabilidade de mim. Você sabe que não vamos ser escolhidos pra colheita. Você só vai ter seu nome lá uma vez, e eu nunca pedi tésseras, nós estamos seguros. Não estrague os momentos bons tentando pensar nos ruins meu anjo.

Ele me abraçou e pela primeira vez em anos, não questionou minha autoridade.

A verdade é que eu tinha muito medo que o nome dele fosse escolhido pra colheita. E eu não poderia me voluntariar pra salvá-lo. Saio um pouco do meu momento e me lembro da garota vencedora do ano passado, que se voluntariou pra salvar a irmã. Nem isso eu podia fazer pelo meu irmão.

Pego no sono e meus sonhos são extasiados por risadas e sorrisos das pessoas que eu amo. Das pessoas que tiraram de mim, seja pra morte, seja para o ódio. Logo cedo sinto o trem parar. Chegamos ao Capitol. Tudo começa novamente... Mais dessa vez eu tenho a certeza e o dever de não sobreviver.

Ouço uma voz bem conhecida, uma das treinadoras, Sr. Muller, a única pessoa da Capitol que sabia do meu poder sobre os machados na primeira vez que fui pros jogos.

“E então Johanna, já preparou uma nova estratégia pra esse ano? A menina fraquinha não cola mais.”

Aquilo doeu mais do que qualquer facada que eu levei naquela arena.


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