The Body - o Corpo Chapter Iii escrita por WildmisT


Capítulo 1
Chapter III




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Quando os pensamentos confusos e palavras livres assaltaram-me a mente,descobri-me pensando. Eu havia recobrado a consciência. O corpo fatigado agradecia a dureza do chão. Hesitei em abrir os olhos, pois tinha medo do que iria encontrar. Ouvia o gotejar de água próximo. Tentei lembrar alguma prece, em vão. Acabei balbuciando algumas palavras que nem eu mesmo compreendi. Senti-me mais disposto. Abri os olhos. Atônito, vi que o chão era de um azuleijo cor de gelo, as paredes brancas e sem pichações. O ambiente parecia ter retornado à normalidade, e os eventos anteriores poderiam ser apenas um grotesco pesadelo, se não fosse pelo fato de despertar no banheiro ao lado de uma laterna ainda acesa. Desliguei-a, para poupar bateria, afinal já não estava tão escuro. Havia, junto a meu corpo, um pedaço de papel rasgado. As frases cortadas não me permitiram entender completamente o que estava escrito. Porém pude compreender que se tratava de um prontuário de hospital. Na borda superior estava escrito "Alchemilla Hospital".
Senti uma forte dor de cabeça. Ergui-me vagarosamente. O espelho estava truncado, proporcionando diversas visões de minha face, de forma distorcida. No entanto, pude perceber que havia um filete de sangue escorrendo em minha testa. Limpei-o com papel toalha. Fechei a torneira que gotejava. Procurei pela foice. Ela estava próxima à porta. "Deve ter caído quando desmaiei." murmurei, aceitando que o que acontecera fazia parte da realidade.

Abri a porta do banheiro, deparando-me com a porta dupla de madeira. Havia nela, agora, uma pequena placa escrito "Secretaria/Tesouraria". Fitei o corredor de onde viera. Não consegui vê-lo até o final. Dei de ombros. Era passado. Não mais importava. Forcei a maçaneta, surpreendendo-me com a porta aberta.Pensei em Lara ou no misterioso garoto da capela. Um dos dois poderia ter aberto.

 

Entrei em uma sala ampla com quatro birôs espalhados. Sobre os birôs, havia pastas, pilhas de papéis, telefones, canetas e, em apenas um deles, um pequeno rádio portátil verde, desligado. No canto esquerdo da sala, dois grandes armários de madeira, que deveriam servir de arquivo. Do lado oposto da sala, havia uma janela de vidro,revelando que havia,do outro lado, um corredor. À direita da janela, havia uma outra porta dupla de madeira. Caminhei até uma das mesas e retirei o telefone do gancho. Estava mudo. De certa forma eu já esperava, o que me poupou de uma maior decepção. Sentei-me e comecei a procurar nas gavetas uma lista telefônica. Ao encontrá-la, folheei em busca de um mapa da cidade. Permaneci alguns minutos observando o mapa de Silent Hill, num turbilhão onde se confudiam ódio, repulsa e graditão. Rasguei a folha e a guardei em minha mochila. Agora já sabia em que cidade estava, e isto me era de certa forma reconfortante.

Olhei em volta, analisando algo que me pudesse ser útil. Os armários estavam fechados. Não havia mais nada que me interessasse. Caminhei até a porta ao lado da janela, girei a maçaneta e vibrei ao ouvir um estalar. Ela estava aberta!Subitamente, o rádio emitiu um ruído estático. Meu corpo estremeceu, e o coração acelerou. A respiração tornara-se ofegante pelo susto. Ouvia uns ruídos ininteligíveis em meio ao som estático. Aproximei-me do rádio para ouvir melhor. Aproximei meu ouvido do objeto , respirando o mais tranqüilo que minha ansiedade permitia. Com muita dificuldade, pude compreender palavras soltas, e apenas uma frase completa, antes de ouvir um grito de horror, e o rádio tornar a seu prévio silêncio. Mexi no botão, tentando ligá-lo, inutilmente. Olhei em volta, para me certificar de que não havia perigo a espreita. Guardei o rádio no bolso da minha calça. As palavras que compreendi intrigaram-me.

"Vida","amor","eu não agüento mais!" e algum tempo depois veio o grito. Tive a impressão de ter escutado o nome Alessa, mas não tinha certeza. Amaldiçoei aquele lugar que não me permitia confiar sequer em meus sentidos. As palavras e as frases foram ditas por uma voz grave, masculina, provavelmente. Enquanto o grito era agudo. Talvez duas pessoas estivessem envolvidas naquela transmissão. Porém a incerteza de ter ouvido o nome de Alessa me torturava. "Eu não agüento mais!", repeti vazio, preso ao que ouvira. Me senti,por alguns instantes, como um corpo inerte e sem propósito. Desprendi-me até de meu objetivo de sair daquele lugar. Porém, passos e um barulho de porta se abrindo trouxeram-me de volta de meus devaneios. Eu tinha que sair dali.

Abri a porta ao lado da janela de vidro, esbarrando em um corredor comprido, que terminava em um pátio iluminado. Ao fundo deste, vi uma grande porta dupla metálica entreaberta. Tímidos feixes de luz entravam por ela. Deveria ser a entrada da escola ou a porta dos fundos desta. Pensei, apenas,que era uma saída e repeti isto incessantemente enquanto corria em sua direção. Uma saída, uma saída, uma saída, repetia enquanto ofegava, a despeito do meu pequeno esforço físico. Um fio de meu ser ainda teimava em ser otimista, acreditando que sair da escola seria a solução de meus problemas. Mas do outro lado da porta, encontrei apenas o silêncio e a névoa densa. Vi o vulto do garoto que encontrara na capela diluir-se na névoa. Corri na direção dele.

Esbarrei no jovem, meio desajeitado, e pude ver o medo em seus olhos. Ele ficara assustado. Deduzi que ele também temia aquele lugar. Talvez ele não soubesse sobre aquela cidade tanto quanto eu imaginara. Ou talvez fosse um fanático relgioso, membro de alguma igreja repressora. Ou talvez ele fosse apenas mais um refém daquele lugar e daquela situação absurda. Como eu.

 

- Você! - exclamei, sem perceber a idiotice de minha afirmação. Ele me encarou silencioso. - Você estava comigo quando eu desmaiei na capela!

Ele permaneceu em silêncio. Continuei, incomodado:

- Você não percebe as coisas estranhas que acontecem aqui!? - disse em tom agressivo, quase gritando. A passividade dele me enfurecia. Segurei-o pelos ombros - Você simplesmente ignora tudo isso aqui?!

- Você poderia fazer o favor de me soltar? - retrucou ele, tranqüilo. Obedeci. Ele ainda me era intimidador. - O que te desespera tanto?

- Este lugar! - bradei, sacodindo-o.

- Você ainda não descobriu porque está aqui? - neste momento ele deu um risinho sarcástico. - E por quê você acha que eu tenho as respostas?

Aquela última pergunta repercutiu como um tapa em minha cara. Ele realmente não podia ser meu salvador. Nem ele,nem Lara. Senti como se ele me dissesse que, apesar de tudo, naquele lugar, estávamos todos em uma jornada pessoal, onde, mesmo caminhando ao lado de uma pessoa, nada poderia ser feito em prol dela. E por isto eu teria permanecido sozinho a maior parte do tempo.Minha ira aquietou-se. Soltei o garoto. Baixei a cabeça, procurando o quê poderia eu perguntar a ele, além de buscar uma maneira pouco embaraçosa de pedir perdão.

- Desculpe. Esse lugar e suas coisas estranhas estão me tirando do meu normal. Então, você já descobriu o seu motivo pra estar aqui? - perguntei, desfazendo-me do embaraço. Tentei incutir um real interesse em minha pergunta.

- Não. Tudo que sei é que cometi um pecado. Uma coisa muito feia. E que agora devo passar por uma redenção. Ainda estou na minha busca. - sussurrou resignado.

- Entendo. - murmurei tentando esconder o desprezo em minhas palavras. Ele pareceu não perceber, ou não se importar. - Eu tenho um mapa da cidade. Peguei numa lista telefônica na escola. Eu estou procurando o Alchemilla Hospital.

- Eu irei com você. Até o hospital. - emendou fitando-me sereno. E seu olhar vago me deixou com a sensação de que eu não percebia algo óbvio, que não estava em suas palavras, mas em seus silêncios. Eu o odiei novamente. Mas não podia recusar sua presença.

- Eu me chamo Travis.
- Dalton. - respondeu seco.

Retirei o mapa da minha mochila e mostrei a ele. Analisamos algumas rotas.

- Precisamos cruzar uma ponte metálica pra chegar até lá. - disse Dalton, enquanto analisávamos o mapa. Fitei-o surpreso. Ele conhecia melhor aquela cidade do que demonstrava, e o medo que ele me infligia fez percorrer um frio em minha barriga.

Enquanto caminhávamos em silêncio, refletia sobre o que Dalton queria dizer com seus discursos ambíguos. Ele me era um jovem estranho e contraditório. Sentia-me oprimido por sua presença introvertida, quase apático, o olhar vago, voz mansa. Seus passos sincronizados aos meus como uma sombra. Não sentia desejo de iniciar uma nova conversa. Pensava em Alessa. Se estávamos ali por um redenção, que ela teria feito? E o que eu teria feito? Tentava recordar algo,mas nada me vinha a mente, que pudesse ser moralmente repreendido. Dalton me parecia um fanático religioso, cujas opiniões eu deveria ignorar. Compadeci-me dele ao imaginar a que processos de lavagem cerebral ele deveria ter sido submetido desde sua infância. Sua calma revelava-se típica de uma pessoa que nega seus conflitos, uma tranqüilidade tensa, trêmula, a beira de explodir raivosa a qualquer momento. Ele policiava suas palavras, talvez seus passos, talvez até os pensamentos. Dedilhava o rosário de uma maneira nervosa. E só então pude perceber sua infelicidade. E apesar de toda a repulsa, ele de certa forma me fascinava.

Algum tempo depois, quando minha divagações quase me fizeram perder a noção de quanto tempo estivemos caminhando, atravessamos a ponte metálica, e o silêncio se rompeu com a voz de Dalton:

- Estamos perto.

Ele avançou rapidamente, caminhando com desenvoltura. Agora eu tinha plena certeza de que ele realmente conhecia aquele lugar. Apressei meus passos para não o perder de vista. Chegamos ao hospital. Pude ler uma placa escrito "Alchemilla". Chegara onde eu acreditava ser o próximo local aonde eu deveria ir. Não conversei com Dalton sobre o pedaço de prontuário que eu encontrara na escola. Não tinha certeza de que estava no caminho certo, e a idéia de Dalton sobre redenção latejava em minha cabeça. Cerrei o punho, buscando em mim alguma firmeza que me encorajasse a entrar ali. Dalton olhou-me com frieza.

- Vai ficar ai parado? - indagou ele, abrindo o portão que permitia acesso a entrada do hospital.

Dalton prosseguiu até a entrada. Eu permaneci alguns instantes observando o local. Tornei a tentar racionalizar a situação, ou pelo menos encontrar uma causa racional para entrar no hospital. Sozinho, peguei a folha de prontuário em minha mochila e reli. " Paci com diag delír". Pelo emblema do hospital, deveria tratar-se de um prontuário médico. Deveria ser de algum paciente. Seria Dalton? Aquelas páginas estariam me revelando algo a respeito daquele jovem misterioso de voz pacata e olhos frios? Não consegui pensar em outro lugar a ir. Só me restava entrar naquele hospital, tentar descobrir mais alguma peça do quebra-cabeça que estava diante de mim. Se redenção fosse a causa de todos estarmos ali, montar este quebra-cabeça seria minha única chance de sair dali vivo.


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