O Lado Escuro escrita por Charlotte Fuller


Capítulo 3
Capítulo 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/242435/chapter/3

Capítulo 2


Fugir da frivolidade poderia ser um padrão, mas Louise sempre soubera que em muitas vezes sua habilidade peculiar não bastaria. Então ela havia se lavado, trocado de roupa e, sufocada pelos pedidos da serviçal, salpicado as bochechas com alguma cor. Mas tal feito só fora contemplado devido ao fato do pedido ter partido primeiramente de sua amiga. Josephine poderia ser para os outros apenas uma simples servente, porém, para Louise seria a segunda pessoa com a qual se tornou mais próxima. E embora tenha ido contra seu ponto de vista, ainda estava vestida com um dos seus mais simples trajes. A aparição da cavalaria não era um evento para si, pouco se importava com sua aparência. Infelizmente sua amada avó parecia não partilhar da mesma ideia.


— Oh por favor Louise! — Josephine corria aos trotes como as sombras provocadas pela luz do luar. — Sei que me torno impertinente, mas sua avó, a Lady Vincent, não suportará o torpor ao ver seus trajes.

Louise que espremia as pontas dos cabelos entre os dedos encerrou sua caminhada para olhar a amiga com ironia e, por pouco, chocar-se com a frenética serviçal.

— Ora Jose, creio que minha amada avó não tenha categorizado a roupa certa para ocasião.

— Louise, a Lady Vincent prepara um banquete para os cavaleiros, tenho certeza que roupas de baixo não se incluem em seus planos.

— Não são roupas de baixo! — defendeu-se Louise.

— Para Lady Vincent certamente parecerão.

— Bem, para vovó todos os trajes não supervisionados pela sua decisão são vitimas do seu humor desagradável.


As jovens então se olharam e caíram aos risos realizando imitações da mais velha que pouco condizia com a realidade.

— Não suporto todo esse requinte. — Louise desabafou, interrompendo mais um dos risos frouxos de Josephine. — Usamos de uma imagem inexistente para senhores que nem ao menos lembrarão nossos nomes.

— Não sabe disso. Ouvi dizer que existem nobres benfeitores que descartam esse tratamento.

— E quem lhe disse isso? Dominique? — Louise revirou seus olhos, enquanto Josephine encolhia os estreitos ombros. — Dividir os farelos do chão representa uma atitude nobre para ela. Além do que, não pretendo sair do vilarejo, aqui tem tudo que necessito.

— Bem, penso que você deveria ponderar a ideia, é bonita o bastante para arranjar um bom marido que lhe dê uma vida regada de agrados.


Naquele momento Louise olhou para a amiga surpresa e um quanto tanto cética. Que Josephine não concordava com sua ideia de morrer sozinha, ela tinha bastante conhecimento. No entanto, parecia que a amiga vinha dedicando tempo para a ideia muito mais do que de costume.


— Pompa não me impressiona, mas sua insistência no assunto temo que sim. — ela se virou para que Josephine ajudasse a fechar os botões do vestido. — Posso saber o motivo?

A servente já estava com os dedos ágeis nos botões perolados do seu vestido lilás, porém, a resposta demorou muito mais do que sua destreza com os pequenos objetos. Ela veio acompanhada de um longo suspiro.


— Você sabe que não concordo com seus pensamentos de que morrer sozinha possa ser melhor do que ter um casamento arranjado. E, mais do que nunca, sabe que para meras serviçais de origem humilde ser a primeira escolha de qualquer bom partido é impossível. Mas, se ao menos, a beleza me tivesse sido disposta eu poderia encontrar um bom homem para a vida...


E a confissão da amiga, Louise pode perceber, encaminhava-se para ficar cada vez mais deprimente que a atualidade. Incomodada pelo clima autodepreciativo da outra se viu obrigada a interromper.

— Você está me soando como Lady Vincent. Não está passando muito tempo com a companhia de minha avó? E onde tirou que não é bela? Escute-me com atenção Josephine, qualquer homem seria tolo por não reparar na sua beleza. Muito tolo.

Os pequenos olhos castanhos da amiga repuxaram quase se transformando em duas expressivas linhas. Josephine não havia sido vitima dos enfadonhos discursos de Lady Vincent, ao contrário, ela chegou sozinha àquela conclusão. Entretanto, levando em consideração a melhor amiga e seus pensamentos contrários aos seus próprios ideiais, muitas vezes, preferira guardar seus receios para si. Mesmo que o asco de Louise fosse completamente desnecessário aos seus olhos e que ter uma vida sem um companheiro parecesse totalmente incabível.

— E também já reparei os olhos furtivos que o filho de Collighan joga em sua direção. — Louise prendou duas pequenas mechas dos longos cabelos acobreados no meio da cabeça. — As bochechas do pobre homem vivem escarlates quando você está presente no estabelecimento do pai.

De alguma forma as bochechas de Josephine acompanharam o mesmo tom que Louise vira muitas vezes do jovem Harry permanecer.

— Louise! — a serviçal disse desconcertada, arrumando os fios dourados que escapavam de sua touca bege. — Não seja tão indiscreta! Todos sabem que Harry Collighan só possui um gênio muito bondoso com todos seus clientes.

— Não me lembro do bondoso Harry ser tão prestativo com Gioconda e Amélia quando vão em busca de óleos perfumados para Lady Layla. De fato, ele me parece muito ansioso para a ausência de ambas.

— Isso porque Gioconda e Annabela só sabem contar vantagem para a própria ama. — Josephine rebateu, dedicando sua atenção para o lenço azul que Dominique concedera a Louise mais cedo. — Bem, talvez o turquesa não seja uma boa opção.


Louise sorriu.

— Não acho que seja um bom motivo, no entanto. — e olhou para o lenço nas mãos da outra. — Hunf! Isso nunca foi uma opção Josephine.

Quando as duas abandonaram os aposentos dos fundos, ao qual pertencia a Louise e Fiona, a prima mais nova, chegar à sala do banquete surtiu como um feito terrível. Para Josephine porque sabia do efeito imediato que os trajes de sua neta afetariam em Lady Vincent, que provavelmente disponibilizaria um belo sermão para ambas. E para Louise pela a simples ideia de aturar todo o teatro que o evento desencadearia. Mas receber todo um batalhão de serviçais desesperadas com o preparo do banquete não se encontrava em seus pensamentos. Que Lady Vincent faria de tudo aquilo um expressivo evento era mais do que previsível, mas que colocaria tanta dedicação, nem tanto. Louise conhecia muito bem a matriarca da casa, que controlava com rédeas curtas as netas mais espevitadas, e rechaçava as mais rebeldes, nesse caso sendo ela a única. Contudo, todo o preparo passava do ridículo. Nem ao menos era o rei! Embora isso se revelasse ser um pensamento único e exclusivamente dela.

— Vovó disse o mais vistoso, o mais vistoso! — Dominique, apoderada de um vestido de cetim esverdeado e exagerados apetrechos, tagarelava comandos, que dificilmente foram dados para sua pessoa. — Veja como está magro. Parece até enfermo!

Ela rechaçou o velho de cabelos grisalhos que trazia consigo um leitão encorpado. Albert, o responsável pelos animais, tentava explicar a estridente Dominique, que uma vez jovens, os porcos não estavam completamente no ponto para o abate. Infelizmente, a jovem dama que pouco entendia da tarefa, achava mais importante explicitar sua incompetência.

— Não é o suficiente, ao menos traga mais dois para encobrir a miséria. — ela cacarejou.

— Milaide acredito que não temos condições de tanta estripulia... — Albert tentava explicar.

— O que insinua? Que não temos condições de matar alguns porcos para um festejo importante? É isso?


Louise, que pouco aprovava as atitudes mesquinhas da prima, viu-se impulsionada a deter-la e não tardou ao fazer:

— Dominique — ela deu um passo adiante à cena, recebendo um olhar incrédulo. — Creio que temos fartura demais à mesa para nos preocuparmos em guarnecer mais o arsenal de leitões.

Mas a atenção da prima voltou-se para um assunto totalmente adverso a sua frívola discussão inicial.

— Santo Cristo! Isso é o pano de esfregar o chão? — Dominique guinchou estupefata. — É isso?

— O quê? Que interesse eu teria no pano de chão?

Dominique apontou para seu vestido lilás e acusou:

— Todos! Visto que o está usando nesse momento. — ela, então, olhou para Josephine logo atrás de Louise. — Você não deveria ter a arrumado descentemente? Como explica seus trajes?

— Por Cristo Dominique! Desde quando preciso de uma conselheira para afirmar o que devo ou não vestir? Afinal, por que você está tomando as rédeas do banquete que Lady Vincent se orgulha tanto ser de sua autoria?

Dominique ficou vermelha, olhando furiosamente para a prima e depois para Albert que encolheu o ombro incerto de quais seriam exatamente as ordens a cumprir.

— Estava apenas sendo prestativa! Mas se acha que tudo isso — e com isso ela referia-se única e votadamente aos trajes de Louise. — vá passar despercebidamente. Está muito enganada!

A saída dramática da prima juntamente com sua ameaça não parecera afeta-la. Ela simplesmente suspirara esgotada de todo excesso de reações e fora acalmar o velho Albert de que seus serviços estavam dispensados. O que deixou o homem visivelmente aliviado. No entanto, se era isso que ela queria transparecer para todas as mulheres que corriam cá e acolá pela cozinha, não obteve tanta sorte. Uma Josephine apavorada surgira para comprovar que a aparente calma diante a ameaça de Dominique, reservava-se apenas a sua pessoa.

— Sua avó! Ela vai reagir muito mal, você sabe disso, talvez devesse atendê-la. Somente hoje. — Josephine choramingou ao seu lado.

— A ameaça de Dominique? Pode não parecer, mas a própria Lady Vincent, minha avó, ignora os seus ataques.

Todavia, Louise não podia estar tão redondamente enganada em relação a sua avó. Assim que abandonara a cozinha e, infortunadamente, cruzara o caminho com a velha, descobriu que toda a balburdia também mexera com os ânimos da mesma. Com uma reação três vezes mais intensa que a da prima, Lady Vincent, demonstrara toda sua aversão aos comportamentos de sua neta. Para a velha uma dama estava restrita a acatar os conselhos dados pelas as mais experientes e contestar-los não representava nada mais que ingratidão. Estava certo para Louise, que quando sua avó tomara a responsabilidade de criá-la, logo depois da morte prematura de sua mãe, conseqüente por complicações do parto fora altamente altruísta. Mas esta discordava que a criação baseava-se no molde da conduta e opiniões. Ela era muito mais que grata por tudo que Lady Vincent vinha a oferecendo desde o nascimento, no entanto, ela acreditava que justamente esse esclarecimento que lhe fora proporcionado causara a capacidade de discernimento. O que começara a transparecer arrependimento na sua exigente avó.

— Por favor, esclarece-me que tipo de castigos está tentando empregar? Ora, Louise eu realmente não compreendo essa sua vontade de me insultar.

— Vovó é claro que não viso trazer qualquer tipo de problemas a senhora. Eu só não...
Muito tarde a velha já havia assumido as rédeas da conversa novamente:

— Pois então minha querida sua visão se encontra muito deturpada. Sim, porque a única coisa que vejo são suas constantes iniciativas em causar uma má imagem da família Vincent e principalmente de sua avó. — ela disse teatralmente, trazendo para seu lado as netas e filhas que já possuíam os olhos marejados em consideração. — Pense na sua mãe, minha querida, pense como ela reagiria ao ver no que sua amada filha vem teimosamente insistindo em fazer. Como minha Phelippa tomaria suas ações?

Antes de responder, Louise pensou consigo que deveria ser verdadeiramente quebrada. Pois a emoção que se espalhara em suma maioria não surtira efeito. Nem ao menos se sentira culpada em acreditar nos seus ideiais. E principalmente a iniciativa de sua avó, ao tentar trazer à tona a imagem de sua mãe, que pouco conviveu mais sentia como se conheceria durante toda a sua vida. Louise olhou para Annabel que estava entre suas outras duas tias, Matilda e Ivone, e também não parecia tão atingida pelo discurso da mãe. Annabel, um ano mais velha que sua falecida mãe, era a mais próxima dentre todas as outras figuras femininas de sua família. Afinal, como não ter um elo especial com a única pessoa que fazia questão em contar as verdadeiras ações de sua mãe? Fora ela que compartilhara os motivos de sua mãe ter partido das terras remotas de onde viviam, com visível luxo, para a conhecida Paris. E lá teria se envolvido com um rapaz, ao que parecia o amor de sua vida, mas que por um empecilho que o próprio amor avassalador não conseguira superar retornara para a cidade natal anos depois. Conduto, de sentimentos tão profundos houve frutos. Frutos que pareciam causar o desagrado azedo na sua adorada avó constantemente.

— Penso que ela se orgulharia. — respondeu a jovem. — Pelo que acredito conhecer dela, me parece que não a incomodaria eu ter minhas próprias opiniões.

É claro que a resposta petulante causou surpresa e antagonismo nas presentes.

— Menina tola e por que você acha que o destino guardou para ela tal desfecho? — Lady Vincent, agora abandonara a imagem resguardada e pacata, dando espaço para sua verdadeira natureza. — Não é coincidência que tenha morrido só e abandonada. Sua atitude impensada a levou para onde está hoje e você me parece tentada a segui-los com convicção. Talvez isso seja uma maldição a essa família, sempre há chances para o crescimento de frutos podres.

— Mamãe... — Annabel, agora, saia dos fundos visando uma intervenção imediata.

Porém, não fora necessário muito. Entrando pela porta principal com os cabelos levemente desarrumados e respiração ofegante, surgiu uma Dominique afoita. O que Louise percebeu só naquele momento não estar presente. Ela olhou para o claro clima de tensão envolvendo a atmosfera, para depois soltar o motivo de sua pressa:

— Eles chegaram. A cavalaria do Rei está aqui!





Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Lado Escuro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.