Recém-nascida escrita por Cambs


Capítulo 17
Dezesseis




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Levantei o braço esquerdo de Ryan um pouco mais e segurei em sua mão enquanto ensinava o movimento de ataque, indo devagar na primeira demonstração e rápida na segunda, assim como Demetri havia feito comigo em todos os meus treinamentos com novos movimentos. — Sua vez — suspirei antes de soltá-lo e dar um passo para trás, cruzando os braços para observar sua desenvoltura.

— Posso mesmo segurar nisso? — Ryan encarou a estaca de madeira em sua mão e depois ergueu as sobrancelhas para mim. — Quero dizer, isto é uma estaca e eu sou um vampiro.

Consegui ouvir minha risada ecoar pelas copas alaranjadas das árvores do lado leste, onde eu e Ryan treinávamos alguns movimentos junto com Rodric, Sierra e Kyara.

— Você é um observador maravilhoso — disse ao parar de rir, mantendo o suspiro preso na garganta. — Mas sim, você pode segurá-la. A única coisa que não se pode fazer com uma estaca — segurei sua mão e a levei para cima, fazendo a ponta da estaca ficar a milímetros de seu peito coberto pela camiseta azul claro — é deixar que alguém a enfie aqui.

— Nem se for você? — ele murmurou tão baixo que só ouvi porque estava ao seu lado. Um pensamento muito alto.

— Se algum dia eu tentar fazer isso, é bom me acertar primeiro — sorri.

— Certo crianças, deixem os adultos se divertirem agora — Kyara disse. Parando ao meu lado logo depois, ela deu um tapinha no ombro de Ryan e arrancou a estaca de sua mão, antes de começar a empurrar a mim e a Ryan, parando apenas quando nossos pés bateram no degrau da entrada do castelo. Com suas mãos livres, ela apontou para Rodric. — Vejamos se ainda sabe lutar.

Com um sorriso lhe cruzando os lábios, Rodric passou por mim tão rápido que eu só consegui sentir o rastro deixado por sua movimentação. De frente para Kyara, ambos pouparam palavras e foram direto para a parte da pancadaria. O primeiro ataque veio de Kyara, porém foi desviado tão facilmente por Rodric que acabou gerando um contra ataque, com o vampiro pegando em seu braço e levantando-o, mas sem conseguir virá-lo.

— Parabéns — Kyara sorriu, movimentando o ombro e fazendo o pescoço estalar. Ainda sorrindo, ela atacou o pescoço de Rodric, cravando suas unhas ali até fazer sair sangue. Derrubou o vampiro no chão e, pegando-lhe pelos cabelos, puxou-o por mais de um metro antes de fazê-lo ficar de pé. — Quer que eu pare?

— Vejamos até onde você vai — Rodric sussurrou.

— Era um rostinho tão bonito — Kyara fez bico e então voltou a sorrir. Agora foi a vez de Rodric iniciar um ataque. Chutou o joelho da vampira e deu-lhe uma chave de braço, derrubando-a no chão. Ela reagiu e trouxe o vampiro para o chão, puxando-lhe as pernas e dando uma cabeçada certeira em sua testa. Os dois se levantaram rápido e sorriram mais uma vez, um para o outro, antes de Rodric dar um chute na coxa de Kyara, fazendo com que ela desse um passo para trás. Desviando de um soco, ela chutou as costas do outro, que voltou a cair no chão. — Round 2.

Rodric levantou-se em uma arfada e levou uma mão ao pescoço, verificando se a cicatrização já havia retirado os cortes provocados pelas unhas da vampira. Vendo que ainda estava inteiro, ele partiu para o ataque, disparando dois socos seguidos que foram desviados por Kyara com a ajuda dos braços. Pegando-o pelos ombros, ela bateu o joelho contra o estômago de Rodric duas vezes antes de soltá-lo e dar um soco em seu rosto. Os movimentos seguintes, de ambos os lados, se resumiram a chaves de braço, chutes e socos.

— Ela é boa — Ryan sussurrou em meu ouvido.

— Isso é apenas um aperitivo — sorri para ele, voltando a olhar para a luta logo depois. Rodric estava sendo derrotado de uma maneira até que humilhante, mas lutar contra Kyara sempre acabava da mesma maneira. Ela era muito bem treinada. De todas as vezes que eu a vi lutar, tanto em treinamentos quanto em brigas que valiam a vida, nunca vi uma derrota. Certo, as lutas que ela tinha com Vicktor não entram nessa contagem, porque era visível que Kyara o deixava vencer.

Observei Kyara pular por cima de Rodric e enroscar suas pernas ao redor do pescoço dele, para então fazer seu corpo ir para trás e derrubá-lo no chão, mais uma vez. Mantendo as pernas ao redor do pescoço do vampiro, Kyara puxou um de seus braços para si, enquanto forçava a perna para baixo tentando sufocar o outro. Sua ação, porém, foi interrompida por um curto grito que escapou por seus lábios quando Rodric a mordeu na perna, tentando se libertar.

— Se continuar assim, Rodric acabará morto — Sierra disse.

— Não será uma grande perda — murmurei.

— Você não melhorou nada — Kyara deu risada, passando a ponta dos dedos pelo local onde fora mordida, mais ou menos no meio da coxa esquerda. Rodric ofegou, fazendo alguma parte de seu corpo, talvez o pescoço, estalar, estava de costas para mim, mas eu tinha a total certeza de que estava sorrindo. Num piscar de olhos, mais um ataque fora iniciado e dessa vez Rodric não conseguiu escapar. E, se não fosse por Ryan, eu também não teria escapado. Pulando como um felino, Kyara conseguiu empurrar Rodric e jogá-lo por mais de um metro. O vampiro permaneceu no chão frio da entrada do castelo, provavelmente absorvendo todas as dores que sentia.

— Você perdeu — Kyara anunciou com um sorriso maior que o próprio rosto. Como Rodric ainda não havia levantado, Sierra saiu do lado de Yulio e estendi a mão para ele, com a expressão totalmente carrancuda. Aceitando a mão da outra, ele levantou devagar e apoiou uma mão em seu ombro. Consegui ver um corte em seu rosto se cicatrizar ao mesmo tempo em que endireitava a postura, fazendo seus ossos estalarem.

— Muito bom — inclinou o corpo para frente, fazendo as costas estalarem novamente. — Ao menos uma vez você precisa vencer.

Kyara riu mais uma vez e lançou um beijo no ar antes de parar ao meu lado, ignorando totalmente o dedo do meio estendido que Rodric dirigia a ela e arqueando orgulhosamente as sobrancelhas ao ver a admiração dos olhos de Ryan.

Fechou a porta atrás de si com tanta força que foi obrigado a ver se a madeira havia se quebrado. Bufando, Demetri coçou a cabeça, fazendo os cabelos loiros ficarem ainda mais bagunçados. Voltou a andar em direção à escada que ligava o subterrâneo ao térreo do castelo, chutando as pedrinhas de cimento que se desprenderam da parede coberta por afrescos renascentistas. Nunca entendera o motivo de se enfeitar o subterrâneo, tal coisa era completamente desnecessária, mas Marco e Mégara eram dois amantes irreparáveis da arte. Demetri parou de andar quando ouviu o som de algo se quebrando, vindo do final do corredor.

— Quem é o demolidor? — Elliot apareceu na porta de seu quarto, duas portas a direita do quarto de Demetri. — Ah, é você.

— A porta ainda está inteira — revirou os olhos.

— Coloque uma camisa antes que acabe furando o olho de alguém — Elliot disse e evitou sorrir quando Demetri lançou-lhe o dedo do meio, sem conseguir dar uma resposta pela repetição do som que ouvira anteriormente.

— O que foi isso? — a cabeleira loira de Lenna apareceu na porta entreaberta de seu quarto, que ficava entre o quarto de Elliot e Demetri. O som repetiu-se novamente, agora mais alto, chamando a atenção dos três. Olharam para o final do corredor, onde havia uma pequena fresta de luz. — Mégara?

— Provavelmente — Demetri murmurou. Com passos lentos, ele caminhou até a porta do quarto de Mégara, sendo acompanhado por Lenna e Elliot. — O que foi dessa vez?

Definitivamente, o barulho de coisas quebrando vinha dali. Empurrando a porta de mogno com o dedo, Demetri olhou através da fresta e viu cacos do que antes deveria ser um vaso espalhados pelo chão. Abrindo de vez a porta, encontrou Mégara segurando uma boneca pequena de porcelana, prestes a jogá-la no chão. Não devia fazer mais de um século desde que Mégara passara a canalizar sua raiva para todos os objetos quebráveis que encontrava.

— O que é? — ralhou quando se virou para a porta. Devolveu a pequena boneca para a penteadeira e cruzou os braços antes de encarar Demetri.

— Só queria saber o que estava acontecido — ele murmurou em resposta e balançou a cabeça para Mégara, que suspirou e descruzou os braços.

— Louis já voltou? — ela afundou na cama, fazendo a saia do vestido bordô espalhar-se ao seu redor.

— Não, senhora — Lenna respondeu, esticando a cabeça para que Mégara pudesse vê-la.

— Juntem-se e vão buscá-lo — Mégara suspirou. — E tragam Sophie junto. Quer ela queira ou não.

Um rápido maneio de cabeça foi necessário para que os vampiros saíssem e deixassem a Senhora Amattris novamente sozinha, com seus antigos vasos espalhados em cacos pelo chão e a tão perturbadora bonequinha. Colocou o objeto em sua mão novamente e passou a ponta dos dedos finos e pálidos por toda a extensão delicada do brinquedo, feito com linhas, cores e formas perfeitas. A imagem era a retração de uma memória. Memória que deveria ter permanecido enterrada no fundo da mente. A boneca em sua mão a representava, com o comprido vestido verde musgo, as longas ondas negras, e, principalmente pelo que trazia nos braços. Enrolado em um manto tão branco como a neve e a pele que cobria seu corpo, estava a tão doce e pura criança. A imagem cortava mais profundo que usara naquele dia. Cortava e estraçalhava a alma que já não tinha. Era pior até mesmo que o bilhete que viera junto com a boneca de porcelana, entregue menos de duas horas atrás na entrada do castelo. “Lembranças são feitas de coisas mortas, PP”.


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