Recém-nascida escrita por Cambs


Capítulo 18
Dezessete




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PARTE III — VENA

“You poor sweet innocent thing, dry your eyes and testify”

Meus pés passavam por folhas e mais folhas. Folhas bastante barulhentas para o meu propósito de sair sorrateiramente de perto dos outros e enfiar-me na floresta atrás de Louis e Anitta. Por sorte, alguns pássaros estavam espalhados pelas árvores e abafavam o barulho de meus passos com suas melodias. Havia troncos de árvores marcados com cortes transversais, como se evitassem que alguém perdesse o caminho. Feito por humanos, caçadores provavelmente. Em uma trilha quase reta, folhas bagunçadas de maneira proposital marcavam o chão e me levaram até o que parecia ser o centro da floresta.

— Você é tão fácil.

Virei-me em um salto e vi Louis encostado em uma das árvores, de braços cruzados na altura do peito largo e um maldito sorriso irônico no rosto quadrado. Com um revirar de olhos, eu cruzei meus braços, suspirando pesadamente.

— E você é tão desnecessário — sorri.

Louis deu risada e descruzou os braços, passando a mão pelos cabelos castanhos e grossos, que iam em linha reta até abaixo do queixo. Desencostando-se da árvore, ele parou em minha frente, ainda sorrindo e inclinou-se para mim, enroscando um de seus dedos grossos em uma mecha do meu cabelo.

— Seu namoradinho fugiu para o castelo? — ele perguntou, puxando a mecha com força.

— E a sua, foi procurar outro homem na floresta? — cravei as unhas em seu dedo até que ele soltasse meu cabelo. Rindo novamente, Louis balançou a mão até que o dedo que eu havia machucado estivesse perfeitamente curado. — Achei que já teria voltado.

— Minha tarefa é levar você e os fujões para lá.

— Então me diga — inclinei o corpo para frente, ficando mais perto do dele — como é o gosto da falha?

Louis parou por um minuto. Apenas parou e então sorriu. Esticou os lábios marcados por uma fina cicatriz até que os dentes e as presas aparecessem. A atração que aqueles dois dentes pontiagudos e afiados sentiam pela veia saltante em meu pescoço era extremamente visível, quase palpável até. Mas, com Louis, era sempre assim. Vontades, desejos e sentimentos quase palpáveis. Por uma mera fração de segundo, acreditei que levaria uma mordida e até levei minha mão para o queixo reto, pronta para tentar impedir qualquer ação, mas seus os olhos de Louis estavam direcionados para trás de mim.

— Parem — um homem declarou com a voz trêmula. Virei-me para ver quem era e dei de cara com um humano, segurando uma Carabina 38 e usando roupas camufladas. — Afastem-se devagar.

Ouvi o rugido no peito de Louis ser formado, embora baixo. Em questão de segundos, as presas já saltavam da boca e os olhos estavam em um breu total. O humano já assustado quase deixou os olhos saírem do rosto, de tão arregalados que estavam. No instante seguinte, a mão de Louis estava ao redor do pescoço do outro enquanto ele ignorava as pernas que o chutavam, tomados pelo desespero. A Carabina do homem caiu no chão no segundo seguinte, dando espaço para que os dedos indicadores formassem uma cruz, estendida em direção ao rosto de Louis.

— Adoro quando eles fazem isso — Louis riu virando o rosto para mim, onde as veias roxas saltavam na testa e ao redor dos olhos. Sem a minha resposta e apenas com um sussurro de “criatura infernal verdadeira” ou algo do gênero vindo do humano, Louis cravou as presas no pescoço do homem, fazendo o sangue espirrar antes de a gravidade levá-lo para o chão, em gotas que Louis não conseguia tomar. O corpo caiu inerte sob as folhas secas e Louis virou-se novamente para mim, limpando a boca suja de sangue com as costas das mãos. — Onde estávamos?

Revirei os olhos e passei por ele, ajoelhando ao lado do cadáver. Se eu estivesse certa, a tatuagem estaria em um dos pulsos. Encontrei a bendita no pulso esquerdo, em cima de uma cicatriz transversal que começava na palma da mão e ia até o fim do antebraço. O antigo símbolo era uma imagem abstrata, tatuada com tinta preta.

— Sabia — mostrei o pulso tatuado para Louis, que já voltara a me encarar com os olhos de safira. Ele se agachou ao meu lado e pegou o pulso do homem para analisá-lo de perto. Eu me estiquei até a Carabina, caída não muito longe do corpo, e quase a bati na cabeça de Louis antes de conseguir trazê-la para mim. Desengatilhei a arma e tirei as balas, deixando-as cair perto de meus pés. — São balas de madeira.

— Faz tempo que não vejo uma dessas — Louis arrancou a bala de minha mão e a trouxe para perto de seus olhos. Provavelmente, fazia mesmo tempo desde que ele vira uma bala de madeira, mas tenho certeza de que ele não se esquecera delas. A cicatriz nos lábios não permitiria que ele esquecesse. Madeira era a única coisa que deixava alguma marca nos vampiros. Enquanto Louis observava as balas, passei a revistar o cadáver, encontrando dois crucifixos de prata, mais munição de madeira e algumas balas de prata.

— Acho que temos um Venator aqui — declarei.

— Enviado ou por acaso?

— Por acaso, do contrário já teríamos visto mais algum — suspirei e levantei, limpando a calça, com Louis imitando minhas ações logo depois — E você, trate de dar um jeito nessa bagunça.

— Claro, mamãe — Louis deu um tapa em minhas costas e eu fui obrigada a segurar no braço dele para não sair correndo atrás dos pontos brancos que surgiram em minha visão. Seu desgraçado. — O que é?

— Você é um idiota, Louis. Um grande idiota.

A espera já estava ficando mais irritante que o cheiro de sangue que impregnava o ar. Passara muito tempo convivendo com os de sua espécie e esquecera-se como era arrebatador o cheiro de seu alimento, que parecia ainda mais saboroso quando não podia ser consumido. Encostado na parede do que restara da Igreja de Maria Madalena, Kane esperava que sua subordinada trouxesse as notícias do último ataque comandado. Observou o grupo de jovens que passara, sorrindo de volta para as meninas que murmuravam e acenavam para ele. Quem sabe, até poderia aproveitar-se de uma delas antes de voltar para o castelo de Eilean Donan. Pegou uma moeda do bolso e a passou pelos dedos, começando a ficar impaciente com a demora. A moeda ia e voltava, passando pelos dedos devagar, criando um ritmo quase hipnótico. Interrompido apenas quando uma das humanas do grupo de jovens de antes se aproximou dele. A garota segurava, trêmula, um cartaz de propaganda sobre uma festa de Halloween que aconteceria dali uma semana. O sorriso tímido nos lábios finos pintados de rosa logo foi desmanchado para dar lugar a uma frase dita em um inglês tão precário que Kane custou a entender, mas sorriu e concordou do mesmo jeito. Assim que ela se afastou, ele amassou o papel, arrumando um jeito de distrair-se até que Anitta chegasse. Não precisava de outra festa de Halloween, já tinha suas próprias bruxas.

— Não tinha nenhum outro lugar mais perto? — Anitta apareceu, ofegante, e aproximou-se dele em passos lentos. Inclinou o corpo e beijou Kane na bochecha, passando o dedo por um dos braços musculosos do vampiro até deixar sua mão cair ao lado do corpo.

— Não — respondeu seco, sorrindo rapidamente para Anitta antes de frisar os lábios. — E então?

— Mataram uma Mottris e nem chegaram perto de Sophie.

— Morreram?

— Sim.

Kane rosnou baixo e jogou o papel amassado no chão. Encarou o rosto debochado de Anitta e segurou-a pelo pescoço, trazendo-a para perto.

— E onde você estava que não averiguou o sucesso da missão? — sibilou com o rosto quase se encostando ao de Anitta. Olhou para além do ombro da vampira, observando os olhares curiosos dos jovens que tentavam divertir-se na madrugada húngara. Aproximou a boca do ouvido dela e colocou a mão em sua nuca, fingindo um beijo para afastar os olhares. — Dando para alguém no meio do mato?

— Louis e Alec vieram comigo — Anitta respondeu franzindo a testa.

— Ora, minha querida, você não vive dizendo que é uma incrível vampira? — sorriu — Então prove e conserte esse maldito erro. As ordens foram claras.

— Eu entendi.

— Só para repetir — roçou os dentes no lóbulo da orelha de Anitta. — Sophie tem que estar jogada na cela junto com o pai antes do fim do mês. Ou você já pode ir escolhendo a estaca que vai enfeitar o seu coraçãozinho podre.

Ficara tanto tempo sem piscar que os olhos já lagrimejavam, tomados pela sensação de que estavam cheios de areia. Mas mesmo assim não queria piscar, achava que assim que o fizesse Mégara sairia do quarto e faria sabe lá Deus o que. Foi obrigado a fazê-lo quando começou a sentir dor. Por sorte, Mégara continuava ali, imóvel na cama, parecendo pintada igual a boneca que segurava entre as mãos. Vicktor tocou-lhe o ombro coberto pelo cetim bordô igual ao resto do vestido, apenas para ter certeza de que a mulher não havia, de fato, virado uma estátua.

— Não faça assim — sussurrou ao sentar-se ao seu lado. Tomou a boneca das mãos de Mégara e a escondeu atrás de seu corpo.

— Como, Vicktor? Como? — a voz subiu duas oitavas ao mesmo tempo em que o corpo levantava-se da cama. Os pés iam de um lado para o outro, marcando o carpete já marcado.

— Mégara...

— Essa sou eu, Vicktor! Sou eu! — apontou a boneca, escondida inutilmente atrás do corpo do vampiro. — Era a adaga de Marco! Era o meu Jonathan!

Assim que os dedos finos foram parar ao redor do pingente de coração suspenso pela corrente prata, Vicktor levantou e segurou-lhe os ombros, antes que Mégara caísse no chão.

— Era o meu Jonathan — murmurou. — Meu Jonathan.

Vicktor a embalou enquanto Mégara tentava se controlar, mas aquele assunto sempre lhe era perturbador demais. Porém, nem tão perturbador quanto o bilhete que viera junto com a boneca. Apenas seis pessoas sabiam daquela cena. Duas eram ele próprio e Mégara. Uma estava desaparecida, mas era praticamente responsável por aquilo. Duas, ele tinha a total certeza de que não fariam isso. E a outra, cujo nome batia com as iniciais da assinatura do bilhete, bem... Esta estava morta.


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