The Ruler And The Killer escrita por Marbells


Capítulo 39
Do you remember me?


Notas iniciais do capítulo

Aqui está o capitulo. Espero que gostem!



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Não sei há quanto tempo estou acordada, mas os meus olhos continuam fechados e o meu corpo imóvel. Por momentos, nem sinto o meu corpo, nem mesmo as pontas dos dedos. Cheira-me a pinheiros, a folhas secas e a grama. Terra. Humidade. Ouço sons. Primeiro parece que vêm de muito longe, pelo que não passam de assobios ou sussurros do vento. Depois, começo a distinguir sons mais complexos. Chamas a arder, asas de pássaros a bater, um ou outro pequeno animal que passa a correr perto de mim, passos à minha volta… E depois começo a sentir. É uma sensação estranha, como se estivesse a nascer novamente. A renascer, que eu dizer.

A primeira coisa que sinto é dor. Uma dor imensa que me faz desejar adormecer outra vez. A dor concentra-se em certas zonas do meu corpo e, dessa forma, fico com a ilusão de que a mesma acalmou. A minha cabeça está latejando e sinto o meu corpo quente, como se estivesse em chamas. Tento falar, mas a minha voz não sai. Abro os olhos, procurando por ajuda. Estou sozinha, é a primeira ideia que tenho. Vejo árvores e mais árvores, todas elas tão altas que parecem tocar no céu, que está coberto por nuvens volumosas e ameaçadoramente cinzentas.

Depois, eu o vejo. Há uma pequena fogueira, feita com ramos e outros pedaços de madeira, que é rodeada por um tronco caído que poderia servir como banco. Ele sorri me vê acordada e sorri. Tem o rosto chupado e sujo, com olheiras negras debaixo dos olhos. O cabelo está oleoso e corrido para trás e os olhos ganharam um brilho quase maníaco. Mas mesmo assim eu reconheço o garoto há minha frente, a não muitos metros de distância. É Blye.

*

–O que aconteceu? – é a primeira coisa que pergunto, assim que consigo falar.

Blye está sentado no tronco, a estripar um coelho que irá servir para o nosso almoço. Pelo estado do seu corpo, me apercebo de que Blye não tem uma refeição decente há muito tempo. E pelo barulho do meu estomago, nem eu tenho. Há quanto tempo estaremos nós ali?

–Algumas semanas. – responde com simplicidade, como se já nem se preocupasse com a possibilidade de ficarmos ali sem ninguém nunca nos encontrar – Mas não se preocupe, Clove, eles irão vir nos buscar. Aí já não passaremos fome e você terá um médico e medicamentos para tirar a sua febre. – franzo o cenho.

–Quem vem nos buscar?

Ouço uma gargalhada e embora ela venha da boca de Blye, o som é tão diferente daquele eu imaginara alguma vez poder vir daquele garoto. Um arrepio percorre a minha espinha.

–Ora, quem haveria de ser? A Capital, é claro.

*

Quando me começo a lembrar das coisas – e das pessoas – antes de estar perdida naquela floresta com Blye, é como se o mundo caísse em cima de mim. Há apenas uma coisa me minha mente: Cato. Não entendo porque raio estou aqui com Blye e não há sinal dos outros, principalmente do meu namorado. Ponho imediatamente a ideia de ele ter morrido no acidente, seria impossível eu sequer respirar se me convencesse de que ele morreu.

Não faço perguntas a Blye, pelo contrário, eu finjo ter perdido todas e quaisquer memórias de antes do acidente. Sabe-se lá o que aquele louco tem na cabeça. Desconfio de cada passo que o garoto dá, embora ele sempre sorria para mim e mesmo estando quase tão mal como eu continuar a caçar e a dividir a comida comigo. Mas algo me inquieta: porque é que ele me mantém viva se seria tão mais fácil para ele sobreviver ali se não me tivesse com ele? Mais, porque porra ele acha que a Capital nos vai salvar? Eu me mataria antes que qualquer pessoa daquela maldita cidade me tocasse.

–Eu posso ajudar. – sugiro um dia, durante a tarde, quando Blye volta para o nosso pequeno acampamento com uma expressão frustrada. Novamente, não caçou nada. Ele é inteligente e conseguiu espalhar algumas armadilhas pela zona, mas como tem chovido nesta semana, os animais andam mais escondidos. E eu não queria mesmo nada passar mais um dia sem comer, logo agora que a minha febre tinha descido e as feridas no meu corpo parecia estar a cicatrizar. Além do mais, eu precisava de uma arma e Blye tinha várias facas – Prometo que trago algum animal antes do final do dia.

–Não sei. – Blye me analisou. Não forcei nenhuma expressão, pois se o fizesse ele saberia o que eu tinha em mente – Já é tarde e…

–Blye, - a minha voz estava um pouco mais firme. Me levantei e o encarei daquele forma que os carreiristas são ensinados, de forma a intimidar os seus oponentes. Eu podia estar doente e fraca, mas não deixava de ser uma carreirista e de saber mais de vinte maneiras de matar alguém com uma faca – eu consigo. Você não quer ficar sem comer outra vez, quer?

O garoto pareceu reflectir um pouco sobre o assunto, inseguro e indeciso. Ele sabia que não devia confiar em mim. Ninguém devia.

–Está bom. Você pode, mas eu também vou. – merda.

–Não é preciso, eu me aguento sozinha. – ele sorriu sarcasticamente e eu rangi os dentes.

–Eu sei que sim, Clove. Aliás, com uma faca em mãos, seria impossível você não ser dar bem, não é? – cerro os punhos, tentando me acalmar – E é por isso mesmo que eu vou com você, não sou assim tão parvo como pensa.

“Pois não, é ainda mais” penso com maliciosidade. O monstro dentro de mim, aquele que devia ter morrido depois eu ter ganho os Jogos Vorazes, me faz sentir um impulso urgente de derramar sangue. Eu quero, e talvez eu vá.

A companhia de Blye não é algo que me agrade mais. O garoto que me ajudou no Distrito 2, que me fez rir quando eu estava deprimida, esse garoto sumiu. Eu quero a companhia do Cato, que poder abraçá-lo e sentir o corpo dele contra o meu. Quero poder dormir numa cama em vez da porra de um monte de folhas secas e enlameadas. Quero usar roupas limpas e não estas cheias de buracos e rasgões. Não quero ter feridas abertas nos braços, nas pernas e no rosto. Eu quero ir para junto da pessoa que amo e ajudar os rebeldes a vencer a Guerra, mas Blye está no meu caminho e ele pretende envolver a Capital – o que só piora as coisas, pois, mesmo sem ter a certeza se ele fala a sério, tenho de me ver livre dele e de qualquer hipótese de cair nas mãos do Presidente Snow outra vez. A única opção é eliminá-lo.

Pela segunda vez na minha vida, a minha única opção é matar para sobreviver.

*

Andamos em círculos á volta da área do acampamento durante o que me parecem horas. O sol desce lentamente no horizonte, que se torna alaranjado e rosado. Me lembro dos dias na arena, quando eu assistia ao mesmo processo da Natureza, mas com Cato a meu lado. Me apetece chorar e gritar de raiva, pelo desespero que sinto. Preciso de saber se Cato sobreviveu, tenho se ter a certeza de que ele está bem. É mais forte do que eu. Mordo o lábio inferior com força, fazendo uma gota de sangue escorrer. A dor me conforta, mas me sentiria melhor se fosse a dor de outra pessoa.

Já tenho dois coelhos no meu ombro, presos um ao outro com uma corda em cada uma das patas. A corda está atada á minha cintura e tem mais uns fios soltos, para o caso de encontrar outro animal.

Blye tinha com ele duas mochilas, ambas com uma caixa de aspirinas e alguma comida, juntamente com um saco de cama. Um dos sacos de cama foi destruído durante a queda, Blye me contou, por isso ele ficou com o que restava. Os passos do garoto são leves e quase inaudíveis, pelo que ele deve ter alguma prática na caça. Isso nem importa mesmo, não é como se ele alguma vez fosse voltar a caçar.

–Talvez devêssemos voltar.

–Ainda não. – contrario – Só mais um pouco, Blye. – ele parece hesitante, mas tem medo de me negar algo. Claro que tem; só um tolo não teria.

–Okay.

Os minutos seguintes passam tão lentamente e a tensão entre nós é tão forte que eu a poderia cortar com uma faca. Sinto-o tenso e preocupado poucos centímetros atrás de mim, Blye sabe que algo está errado. Li algures que os animais, os predadores de topo da cadeia alimentar, têm uma posição, uma postura que os distingue de todos os outros. Eles são os predadores. Eles são temidos. Eu sou o predador. Blye é a presa que tentou em vão enganar o predador.

Num momento de impulso, sem sequer pensar, eu viro-me repentinamente e me atiro para cima de Blye. Ele grita com um susto e ouço algo estalar, talvez um osso, quando caímos no chão. Ele tenta me empurrar ou mudar a posição, mas eu não perco tempo e distribuo alguns socos no seu rosto.

–Hey! – ele geme de dor e eu inclino a cabeça. Sei que o meu sorriso é sádico e cruel e é assim mesmo que me sinto. Até já tinha saudades de tal sensação – Me parece que você tem algumas respostas para me dar. – a faca que usei para caçar os coelhos está agora pressionada contra a pele do seu pescoço. Há um fio de sangue escorrendo e eu prendo os braços de Blye com os meus joelhos. Ele não conseguiria se soltar sem levar outro soco ou ter a garganta cortada.

–Você não fe-ez nenhuma pergunta. – ele cospe.

A raiva borbulha no meu sangue e quero espetar a faca naquela cara repetidamente até já não haver mais nada para estragar, mas me contenho.

–Oh, sem problema. – aproximo o meu rosto do dele – Que ligações você tem com a Capital?

–Nada! – ele tente me dar um pontapé, mas o meu punho volta a chocar contra o seu rosto – Merda! – grunhe em dor.

–Blye, Blye, você devia saber que me provocar não é a melhor opção. – solto um riso de escárnio e aperto a faca com mais força. Consigo cheirar o sangue do garoto, metalizado e não o suficiente para me fazer voltar ao meu estado “normal”. Ah não, será necessário muito mais sangue para isso – Você viu o que eu fiz àquela garota da fogueira durante os Jogos? – ele assente, hesitantemente – Então, se você não me der o que eu quero, muito pior vai acontecer com essa carinha. Entendeu? – ele assentiu outra vez, com lágrimas nos olhos agora avermelhados – Muito bem. Comece.

–Não tenho culpa. – murmura passados alguns segundos em silêncio – O Presidente Snow me capturou e á minha família. Ele nos ameaçou e ia matar as minhas irmãs e os meus pais… Então eu me ofereci para ajudar, para fazer qualquer coisa que os mantivesse vivos. – a raiva dentro de mim aumenta, chega até a me deixar desconcertada durante segundos. Não sei se Blye me está mentindo, mas mesmo assim sinto um ódio desmedido pela Capital. Desejo nesses momentos que aquela cidade seja destruída, arrasada e reduzida a cinzas – E me deram a missão de me infiltrar num grupo de rebeldes e chegar a você e te levar para a Capital.

–Porquê eu? – rosno.

–Se-eus pais estão lá. – a informação me atinge com força, como um murro nos estomago – O Presidente Snow queria a ajuda deles para reunir mais aliados e eles impuseram uma condição.

–Que pena que você vai falhar, seu traidor nojento. – literalmente cuspo no seu rosto – Foi você que explodiu a nave não foi, miserável? Você arriscou matar a mim, ao Cato e até a você mesmo por causa da merda da Capital!

Ele ri, me surpreendendo. É uma gargalhada que se poderia confundir com tosse, pois agora o meu punho está apertando o pescoço do garoto. Eu estou vendo vermelho e tenho uma sede louca por sangue.

–Você ainda se preocupa com ele? Ele não te merece, Clove. – respiro fundo, sentindo meus músculos ficarem tensos – O cara deve estar morto ou já arranjou alguém com quem fuder e você ainda se preocupe? Cadê sua auto-estima?

–Filho da puta! – eu estouro nesse momento e uma cortina de sangue suja o meu rosto e o de Blye, que agora se afoga no seu próprio sangue.

Me levanto, sorrindo e me sentindo algo estranha. Aquela sensação, o poder que apenas matar oferece, isso me faz sentir bem e por momentos esqueço de tudo. Esqueço onde estou, porque estou ali, quem sou, o que acabei de fazer e tudo resto.

Por momentos, não sou nada mais do que um monstro

*

Você sabe como o tempo pode passar depressa, sem você sequer se aperceber. Isso aconteceu comigo, mas penso que foi por naquela altura eu estar, de certa forma, num estado em que tentava ignorar o que estava acontecendo. Era ainda pior do que nos Jogos, porque não havia forma alguma de eu saber como estavam as pessoas com que me preocupava. Tudo á minha volta era real, e eu não passava de um corpo a caminho da morte por esquecimento.

Cada vez que eu pensava desistir, ouvia a voz dele nos recantos da minha mente “Eu te amo”. E aí eu voltava a ganhar todas as forças que precisava para continuar.

*

Os meses que se seguiram foram difíceis. Fui melhorando fisicamente com o tempo, mas fiquei com cicatrizes feias e de vez em quando tinha alguma febre. Mas sempre conseguia chegar ao dia seguinte, dormindo debaixo de árvores enrolada no saco de dormir de Blye e segurando uma faca na mão.

*

Eu ouvia explosões de vez em quando. Estava longe demais para realmente ouvir qualquer som além desse, mas, na minha cabeça, gritos agoniados soavam. Ora eram vozes desconhecidas, ora era a de Cato. E às vezes quem gritava era eu.

Até que um dia, depois de semanas sem nada explodir, ouvi um som. Vinha de cima, e por momentos pensei que fosse alguma espécie de míssil.

Mais tarde me dei conta de que era uma aeronave e ela tinha o símbolo da Capital.


Gale´s Pov

Fomos todos chamados para uma espécie de reunião urgente. Eu, Finnick, Annie, a Johanna e até o Brutus e a Enobaria. Estávamos no Hospital, no escritório do médico encarregado de Cato. Era um escritório confortável, com várias cadeiras almofadadas e mobília clara e não muito sofisticada. Há algum tempo que o médico dele não nos dizia nada, não havia nada para dizer mesmo. Cato estava no mesmo estado e cada diz que passava parecia que se afogava um pouco mais na sua própria mente.

O médico tirou uns papeis da gaveta da secretária e nos fitou.

–Devem estar a perguntar-se porque vos chamei. – começou – Bom, não tenho nenhuma nova informação sobre o meu paciente, Cato Ruthless. Mas…

–Então porque nos chamou se é o médico dele? – Enobaria perguntou. Ela parecia me impaciente, quase tanto quando nós chegámos á Capital depois de sermos resgatados e ela não conseguia encontrar a soldado Breil. Era quase como eu ficava cada vez que via um trem, ficando na esperança de que Katniss fosse sair dali, vinda da arena. Mas era só uma ilusão.

–Como estava a dizer, - o doutor continuou, um pouco perturbado por ter sido interrompido – não tenho novidades sobre o paciente, mas fui recentemente informado de algo que o puderá ajudar a melhor rapidamente.

–E o que é isso? – perguntou Johanna.

O médico sorriu. Era um sorriso brando, como se já soubesse as nossas reações á sua resposta mas mesmo assim temesse não estar preparado para elas. Nesse momento, alguém bateu á porta.

–Ora, mesmo no momento certo! Entre!

Dois soldados rebeldes entram no escritório e eu franzo as sobrancelhas ao notar que um deles tem um corte bem feio no rosto. Eu o conheço e o vi ontem, sei que não estava assim. Me mantenho calado. Um outro soldado entra também no escritório, puxando atrás dele outra pessoa. Está um silêncio constrangedor, todos nós confusos demais para sequer perguntar alguma coisa.

A pessoa que o soldado puxava está agora no centro do escritório e tem os pulsos algemados. É uma garota, pelo cabelo negro e longo que lhe cobre o rosto, e está ainda usando as roupas com que foi provavelmente encontrada, sujas e rasgadas. Sinto curiosidade em saber quem é aquela garota selvagem, que rosna ao soldado e o ameaça entre dentes, o fazendo a olhar com receio. Quando vejo o rosto dela, percebo de onde veio o corte na cara de um dos soldados e o medo no rosto do outro vêm. Reconheço imediatamente aqueles olhos verdes, selvagens e que assombraram os meus sonhos tantas vezes. São os olhos da Clove Breil.


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Notas finais do capítulo

Comentem, é um dos últimos três capítulos! Bjs ♥