Dos Diários de Marian Stanford escrita por hgranger


Capítulo 8
Origem - Capítulo 7 - Um pouco de paz




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Quando Marian acordou novamente, estava tudo escuro. Ela sentiu o cheiro de feno, palha, esterco e sujeira, comuns aos celeiros das pequenas vilas. Sua cabeça doía, e ela acordou com um susto, um pouco desorientada. Quando se mexeu, sentiu que alguém se mexia ao seu lado, e sentiu que estava encostada em alguém, sobre a pilha de feno macio.

O alguém era Robert. Ele acordou com os movimentos dela e se sentou rapidamente, enquanto os olhos dela se ajustavam à escuridão.

"O que aconteceu, alguém..." A voz dele era pouco mais do que um sussurro na noite.

"Não, eu acordei assustada, me desculpe." A voz dela, também um sussurro.

"Ah, tudo bem." Ele pareceu relaxar. "Como está se sentindo? Venha, vamos andar um pouco lá fora, William me pediu que cuidasse de você."

Ele a ajudou a se levantar.

Fora do celeiro, a noite era pacífica e as estrelas brilhavam. Um garoto, não mais do que um adolescente, cuidava de um pequeno fogo perto das árvores; um caldeirão com um líquido borbulhante deixava exalar um cheiro que para ela era delicioso.

"Onde estão todos?" Perguntou Marian. Ela percebeu que Robert estava sem camisa, mas a calça e as botas deixavam ver adagas escondidas. Algumas não tão escondidas assim.

Ele a levou até um banheiro improvisado, onde algumas tinas de água limpa repousavam atrás de uma cortina de couro. Ele entregou a ela uma barra de sabão e uma toalha.

"Foram até a vila, fazer uma visita de reconhecimento. Não vão demorar. Vamos, limpe-se. Você está cheia de fumaça e suor, não é bom."

"Até a vila... Mas os cavalos estão todos aí..."

Robert olhou para ela com uma expressão estranha.

"Ei, até que você é bem esperta para uma mulher." Ele sorriu. "Ande, tome um banho, e depois lhe darei algo para comer. Como está se sentindo?"

Marian refletiu um pouco.

"Agora que você perguntou... É engraçado... O ar parece mais gelado, e os cheiros mais intensos. Eu não me sinto cansada... Estou bem acordada. E me sinto mais forte. Que espécie de tônico vocês me deram para beber?"

Robert sorriu mais ainda.

"Receita secreta, garota. Agora ande, se lave e me encontre na fogueira. Eu teria feito isso enquanto você estava desmaiada, mas não quis que ficasse envergonhada depois."

Ela corou, e agradeceu a escuridão que a ajudava a esconder isso dele. Marian nunca trocara mais de meia dúzia de palavras com um homem da sua idade, e aquela proximidade, no escuro, a deixava embaraçada.

Em silêncio, ela foi para trás da cortina, tirou a roupa e se lavou em uma das tinas. Era verão, e a água estava refrescante, mas não gelada demais. Ela aproveitou para relaxar na água, enquanto esfregava a sujeira e as emoções dos últimos dias para longe. Lavou o cabelo com cuidado, depois secou os fios loiros e os trançou, amarrando com uma fita. Vestiu o mesmo vestido simples com que saíra de casa. Roupas eram um luxo naquela época.

Foi ao encontro de Robert se sentindo extremamente bem. Havia algo diferente na noite, dentro dela. O mundo parecia novo. Sua mente funcionava mais rápido, seus sentidos estavam alertas. As estrelas cintilavam com mais brilho. O cheiro da noite a invadia como nunca.

Ele a fez comer duas tigelas de ensopado fumegante, apesar dos seus protestos. Ela não sentia fome, mas ele disse que era melhor ela manter o estômago cheio. Depois do ensopado ele abriu uma garrafa de vinho de maçã, típico daquela região, e eles beberam, enquanto ele tagarelava como se a conhecesse há séculos. Ele bebeu a garrafa quase toda, enquanto ela começou a ficar tonta no segundo copo. Quase não bebia. Ele a fez rir contando histórias sobre Londres e outros lugares que ele havia visitado. Ela viu uma lágrima em seu olhar quando ele falou das terras altas da Escócia, os 'lugares mais lindos que um ser vivo poderia imaginar'.

Quando ela sentiu sono novamente, o sol estava próximo de nascer. Estava meio adormecida, sobre a relva, quando ouviu vozes baixas. A voz de William McAlpin. 

"Como ela está, Rob?" A voz não demonstrava cansaço, e tinha um interesse genuíno.

"Limpa, alimentada e um pouco bêbada. Achei que seria bom para ela, depois do que ela passou nos últimos dias."

"O que você acha...?"

Um suspiro. O rapaz hesitou um pouco. "Eu não sei, Will. Ela é frágil, inexperiente, uma mulher do campo. Mas... Ela parece observadora, e tem algum bom senso. Será que é suficiente?"

"Eu estava pensando," a voz grave de William ia e vinha da consciência de Marian. "Você anda muito sozinho, talvez ela seja um boa companhia para você. E seria interessante ter uma mulher como companhia, para variar. E ela não é feia."

Robert riu baixinho. "Você sabe que não preciso disso, Will, as mulheres que encontramos nas tavernas das vilas me acham interessante o suficiente."

"Não estava falando desse tipo de companhia, garoto! Estou falando em alguém em quem você possa talvez vir a confiar com o tempo. E é melhor ter um rosto bonito por perto, de vez em quando."

Robert hesitou mais uma vez. "Não sei, Will. Eu tenho vocês, afinal."

"É, mas não de dia."

Marian achou estranha aquela afirmação, mas não conseguia entender bem porque. O vinho embaralhava suas idéias. O sono a deixara em um estado de sonho, e na verdade ela já não sabia se estava sonhando ou não.

William pareceu ler algo nas feições de Robert. Ela pensou que, pelo jeito que eles conversavam, Robert parecia ser filho dele, mas devia ser um sobrinho ou algo assim. Eles não tinham idade para serem pai e filho, mas parecia. Era algo na voz deles. Ela reconhecia.

Robert suspirou de novo. "Não sei, Will. Estamos em guerra. Você acha mesmo que ela sobreviverá até poder ser treinada adequadamente?"

"Acho que vamos ter que pagar para ver, como diria o Robin. Aliás, ele vai gostar dela. Faz tempo que ele procura uma Lady Marian, podemos dizer que finalmente achamos." O tom de brincadeira inundava a voz do Escocês.

Marian achou graça na brincadeira. Robin Hood e Lady Marian. Velhas histórias.

Fez-se silêncio por um tempo, e só se ouviam os sons da floresta.

Marian acordou sentindo-se carregada. Os braços eram frios e fortes, e a mantinham um pouco afastados do corpo do homem de cabelos compridos.

"Shhh... Está tudo bem, durma, pequena. Amanhã você terá um dia longo."

Ela reconheceu a voz de William, e uma enorme sensação de bem-estar a envolveu. Ela aninhou a cabeça contra o peito dele, e inspirou o cheiro que vinha dele... Um cheiro que lhe lembrava algo, mas agora ela não lembrava. Ele entrou com ela no celeiro, e a deitou no feno, em cima de um lençol limpo. Uma vela estava acesa em um canto, longe do feno.

Ela piscou e olhou para ele, intensamente. Ele lhe parecia mais bonito do que na primeira vez. Mais impressionante. Mais poderoso. Ele pareceu ler a admiração em seus olhos, e sorriu.

"Aqui, garota, tome." Ele estendeu a ela um cálice de metal escurecido. "Amanhã você vai ter um dia cheio."

Pelo cheiro ela reconheceu, era a mesma coisa que a haviam feito engolir no início da noite. O cheiro era rico, intenso, vivo, e ela não conseguia identificar o que era. Um tipo de vinho? Um caldo? Mas bebeu avidamente, e sentiu o mesmo pulsar e latejar da noite anterior, só que desta vez de forma mais controlada. Quando o efeito da bebida se espalhou e toldou seus pensamentos, ela sentiu uma dor rápida no pulso, e uma sensação de prazer intenso se espalhando daquele ponto para todo o seu corpo. Seu corpo se arqueou para a frente, e o calor a invadiu, deixando uma camada de suor entre seus seios, e em sua testa. Ela ainda tentou entender o que estava acontecendo, mas a escuridão veio mais uma vez, por trás de uma cortina vermelho-sangue que toldou seus olhos e a roubou  daquele mundo.

 


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