A Culpa escrita por Mara S


Capítulo 2
Capítulo I




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Lá estava meu pai, o cara mais honesto que já conheci, sentado em sua poltrona favorita lendo um livro que acabara de comprar. O velho adorava histórias de heróis, apesar de ter dito a ele diversas vezes que achava aquilo tudo uma tremenda estupidez.

- Pai, quando você vai crescer? – disse enquanto abria uma garrafa de suco gelado.

- Quando você vai deixar de ser tão descrente?

- Esse mundo que você tanto fala, para mim, não existe.

Meu pai fechou o livro que estava lendo e me encarou com aquele olhar de tristeza típico.

- Querida, nós já estivemos em piores situações e vencemos. Não perca sua fé na humanidade, muito menos em você.

- Não é você que... Esqueça. Estou cansada de discutir sobre isso e ter que escutar suas teorias.

- Taria, você não pode negar quem é. Use isso a seu favor.

- Impossível. Heróis, como Sparda, não existem pai. Demônios que salvam a humanidade, tudo isso é bobeira. Não adianta falar que minha mãe esteve lá e viu tudo isso. Eu não acredito. São truques que esses... – eu odiava usar a palavra demônio, principalmente quando falava de minha mãe. – Enfim, eles não se importam conosco.

- Você não sabe como fico triste em ver uma jovem como você com essa idéia. Sua mãe, ela teve que voltar para o lugar que pertencia, você não sabe como ela sofreu ao fazer isso.

Eu sempre acreditei que ela me via como um deslize. Foi por isso que resolveu voltar.

- Eu ainda não consigo imaginar como você foi se apaixonar por um demônio. O que eles têm que humanos não têm? Fora imortalidade, força e outros detalhes...

- Sua mãe era boa. Muitos demônios tentaram se adaptar a esse mundo, como Sparda.

- Lá vem você com esse cara de novo! – joguei a garrafinha no lixo e caminhei apressadamente até a porta- Pai: te amo. – pisquei para ele e fechei a porta antes que ele começasse com um novo discurso pró-demônios.

 

Eu gostava muito de meu pai, mas não conseguia ficar muito tempo perto dele. Fazia três meses que tinha abandonado a faculdade por motivos óbvios: não me sentia bem perto de humanos, talvez por querer ser um deles. Fazia três meses que tinha voltado a morar com o velho, apesar de quase não aparecer em casa, às vezes, ficava fora mais de um dia acompanhada de pseudo-amigos. Meu pai, no começo, preocupava-se com minhas ausências, mas depois desistiu, como, logo, ele faria com seus discursos. Na verdade, não iria ficar lá por muito tempo. Não queria trazer problemas. E eu tinha vários problemas. Cedo ou tarde eles bateriam na porta de casa e matariam meu pai, era assim que imaginava que seria, rápido e silencioso, meio-demônios não tinham chance. Pelo menos em outra cidade eles não teriam chance de me encontrar, assim eu pensava.

Um ex-colega da faculdade havia encontrado um apartamento péssimo e sujo, como ele mesmo dizia, no centro da cidade vizinha, ele já morava lá há um tempo, mas somente agora decidiu me convidar para morar com ele. Eu queria era sair dali o mais rápido possível e ficar o menor tempo necessário com esse amigo. Viraria-me como fosse preciso para ficar sozinha.

Depois de caminhar mais de uma hora cheguei a um bar afastado da cidade, lá estavam as únicas pessoas do mundo que ainda conversava. Alguns cometiam coisas bizarras, mas todos, até onde sabia, eram humanos. O que me tornava a pessoa mais bizarra ali.

- Quando você vai embora? – Sophie gritou para mim, assim que abri a porta.

- Assim que me chamarem – sentei ao lado de Sophie e do namorado. – Há quanto tempo estão aqui?

- Há umas três horas, eu acho. – Josh falou enquanto me oferecia um copo de uísque.

- Perdi muita coisa então.

- Onde você esteve?

- Andando por aí, depois na casa do meu pai – na verdade eu não queria era fica muito tempo com eles, já estava entediada com aquele papo. – Pensei que Jeff estivesse aqui.

- Não. Ele me pediu para te entregar isso, já estava esquecendo – Josh tirou de dentro do bolso da calça uma carta. – Não se preocupe, eu não li.

Assim que li a carta, ali mesmo na mesa, olhei para o relógio assustada. Dentro de duas horas, Jeff passaria em minha casa para irmos embora. O desgraçado nem para me avisar antes!

- Esse... Bom, parece que preciso ir! Jeff vai passar em casa daqui a pouco!

- Agora? – Sophie reclamou.

- Eu também me assustei. Ele não disse nada a vocês?

- Não. Eu não conversei como ele direito. Ele só me entregou isso quando estava chegando aqui, ele estava com pressa.

- Agora eu sei por quê! Adeus para vocês! Boa sorte nessa cidade de merda! – corri para porta depois de me despedir, nada muito emocionante, ninguém ali choraria com uma despedida, “os amigos bons para festa”, como eu costumava dizer.

Corri tanto que cheguei em casa suando.

- O que foi? Decidiu se exercitar? – meu pai falou sem tirar os olhos do livro.

- Depois precisamos conversar.

Coloquei na mala tudo que precisava.

- Pai, eu preciso ir embora. Não posso ficar aqui, você sabe que esse não é meu lugar.

- Só três meses a fez pensar assim?

- Pai, eu sempre fui a desgarrada da família, apesar de nos entendermos bem, eu sempre gostei de ficar sozinha.

- Se isolar é a melhor palavra.

- Vou morar com um amigo na cidade vizinha. Nada definitivo. Eu te mantenho informado.

- Duvido. Bem que dizem que é impossível manter uma pessoa com sangue demônio parada.

- Não diga isso! – falei nervosa. – Foi você mesmo que me educou assim...

- Eu te disse para ser independente, não para achar que ninguém a aceitaria.

- E eles aceitariam?

- Nem todos... Mas não é por causa disso que você tem que fingir que é uma humana!

- Pai, eu vou embora a poucos minutos, vamos pelo menos nos despedir em paz?

- Eu já desisti de brigar com você, e eu acho que não posso fazer nada para que você mude idéia.

- Eu não quero te causar problemas, só isso.

- Você sabe como esconder seus problemas, não é?

- Como ninguém.

Meu pai sorriu, talvez para não demonstrar que estava com raiva porque sairia de casa sem que ele conseguisse me fazer mudar de idéia.

- Você vai aprender, minha filha, que pode controlar isso que está dentro de você. Só espero que seja de uma forma que não te faça sofrer.

- Eu vou fazer esse mal desaparecer. Nunca precisarei usar qualquer coisa que venha do lado demoníaco.

- Você tem os olhos de sua mãe, só que os seus são mais claros.

- Eu tento me esquecer deste detalhe todos os dias quando olho para o espelho.

Escutei um barulho de buzina. Era Jeff.

- Tchau pai. – disse dando-lhe um beijo. O último.

- Boa sorte. Qualquer coisa você sabe que pode voltar.

Eu sabia que poderia, mas não queria. Não me atrevi a olhar para ele de novo. Sabia que estaria chorando. Outra qualidade que não tinha.

 

 


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