Entre Céu & Mar escrita por Tassi Turna


Capítulo 21
Veloz e furiosa




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Os dias previstos por Erick se prolongaram ainda mais, e assim como eles, a saudade de Ágata também. A saudade rapidamente se transformou em preocupação quando Erick lhe contou sobre uma confusão na hora do show, e que envolvera até polícia.

–Acho que tinha um assassino no meio da plateia. Pelo menos foi isso que o Gean me contou. Ainda estão resolvendo isso, mas precisaram do testemunho de todos os presentes.

–Ai, meu Deus! Mas você está bem, não está? Não aconteceu nada com você, não é? Erick, não é?! –Ágata quase gritava de preocupação do outro lado da linha.

–Eu estou ótimo, meu amor. E estou voltando para casa ainda hoje. Devo chegar só a noite, mas prometo que passo aí antes de voltar para casa. Tudo ocorreu bem. Eles amaram o nosso som. E de quebra ganhei um pai e um empresário. Devo tudo isso a você, meu anjo.

–Viu só? Até que ouvir a sua namorada não é tão ruim assim. Fico feliz que você esteja de bem com o seu pai. E estou feliz por finalmente participar de alguma coisa envolvendo a banda. –Ela disse brincando, mas jamais suspeitaria a importância que aquilo tinha para Erick.

–O Jon disse que quer te conhecer. Da próxima vez que eu vier aqui, eu vou te trazer tudo bem? Você vai adorar esse lugar. As praias são bem parecidas com as que têm aí, só que sem essa gente metida.

–Então deve ser perfeito! Mal posso esperar para conhecer o meu sogro.

–E eu para chegar logo aí. Ate a noite, meu anjo.

–Até.

Ágata desligou o telefone ansiosa para ter Erick de volta aos seus braços, longe daquela confusão que o manteve distante por mais poucos (mas longos) dias. Apesar da ansiedade, estava feliz por Erick ter o seu pai de volta. É como se vivesse nele a felicidade que viveria se tivesse o seu de volta. A felicidade dele era a sua felicidade.

*****

O colégio também estava tão ansioso quanto Ágata, mas é claro, por outros motivos. O baile de máscaras estava se aproximando e todo mundo só sabia falar nisso.

–Você vai, não é? –Sofia perguntou para Ágata, mostrando-lhe o panfleto da festa. Ágata deu uma boa olhada na descrição da festa antes de responder.

–É, pode ser que eu vá. –Ela respondeu, fingindo certa indiferença.

Sofia arregalou os olhos ao ouvir as palavras de Ágata.

–Irmãos! Acabo de presenciar um milagre agora. Ágata Baker comparecerá a uma festa do colégio! Com direito a música alta, luzes estonteantes, bebidas escondidas e tudo que ela mais detesta! –Sofia fez um alarde, fazendo tanto Ágata quanto Anna rirem.

–Você é tão exagerada, Sofia. –Ágata disse, em tom de defesa.

–Acho que a mudança de pensamento tem a ver com quem vai tocar na festa. –Anna soltou, dizendo numa voz boba e um sorriso igualmente bobo.

–Agora está explicado. E como andam vocês dois? -Sofia quis saber.

–Estamos bem. Ele volta hoje. –Ela disse, acompanhada de um meio sorriso acanhado. Aquela cara de bobo que as pessoas fazem quando estão apaixonadas.

–Que maravilhoso. E lembre-se do que eu disse. Fique de olho na ‘amizade’ dele e da sua irmã.

Ágata suspirou alto, aborrecida em ter que evitar novamente aquele assunto.

–Lá vem você com esse assunto de novo...

–Ágata, querendo ou não você tem que aceitar que é muito estranho. Pode parar de ser ingênua por um instante e lembrar algumas coisas suspeitas?

Sofia acabou por fazer Ágata pensar. Ela se lembrou da última briga com Evellyn. Da sua reação quando descobriu. A conversa no telefone que realmente parecia suspeita, mesmo que só pelo final. Lembrou-se também de como eles ficavam estranhos sozinhos. Era um pensamento tão repugnante, e talvez por ser assim, tão repugnante, ela o evitava ao máximo. Porém, era obrigada a concordar com Sofia que poderia sim existir alguma coisa.

–É, talvez você tenha razão... –Ela admitiu, enfim. Ágata parecia estar prestes a vomitar.

–Não tire conclusões precipitadas, Ágata. Afinal, Sofia adora criar intrigas. –Anna disse, soltando uma flechada que atingiu em cheio o ego de Sofia.

–É, por incrível que pareça a cabeça oca de Anna tem razão. Não sobre eu criar intrigas, nada disso. Mas talvez você devesse testá-lo. –Sofia propôs.

–Testá-lo?

–Sim! Pense bem! Eu sei que se você se esforçar, consegue pensar em algo para arrancar-lhe a verdade.

–Nossa. Se isso fosse um desenho, Sofia estaria com chifres, um rabo e um tridente vermelhos. –Anna murmurou alto o bastante para Sofia perceber. Porém, ela ignorou.

–Talvez eu faça o que você disse Sofia. Mas só para provar que estais errada a respeito de Erick. –Ágata disse, insistindo em defender o namorado.

–Que seja, mas não diga que eu não lhe avisei. –Sofia disse.

Às vezes Ágata tinha a vasta impressão de que Sofia se incomodava com a felicidade alheia.

–Meninas, vou indo. –Anna anunciou, levantando-se.

–Aonde você vai? –Sofia quis saber.

–À biblioteca, entregar o livro. Ou quer um GPS, para saber exatamente onde eu estou a cada minuto para me espionar melhor? –Anna soltou sem dó nenhuma de sua arrogância.

–O que está acontecendo entre vocês duas? –Ágata perguntou a Sofia, assim que Anna foi embora.

–Coisas de Anna. Você sabe como ela é. –Foi só o que Sofia respondeu.

*****

–Está sabendo da festa? –Anna mostrou o mesmo panfleto a Charlie, que parecia mesmo concentrado no livro que lia, pois estava em pé em frente à estante há mais de meia hora.

–Ah sim. Você vai?

–Acho que sim. E você?

–Se você for. –Ele disse, rapidamente fazendo-a sorrir.

–Já sabe a sua fantasia?

–Nem faço ideia. E você?

–Idem. Mas talvez, se você for, eu te recompense vestindo a fantasia de alguma heroína, quem sabe. –Agora ela sussurrava em seu ouvindo, fazendo-o arrepiar toda a estrutura. Charlie rapidamente a imaginou com diversas fantasias possíveis, guardando para si o comentário malicioso que pensara.

–Gostei da ideia. –Ele disse, sorrindo maliciosamente.

Foi então que ele teve a grande ideia.

–E se nós assumíssemos o namoro na festa? –Ele propôs.

O sorriso no rosto de Anna rapidamente desmanchou-se.

–Não acho que seja uma ideia boa, Charlie. Sabe, não sei se o meu pai vai ficar contente ao saber que estou namorando você. –Ela disse da melhor forma.

–Traduzindo:o diretor do colégio não vai ficar feliz ao saber que a filha dele está namorando um bolsista. –Charlie foi curto e grosso.

–Charlie, não é isso. Você conhece o meu pai. Sabe o temperamento dele. Ainda não é a hora.

–Eu conheço o seu pai. E acho que seria melhor se ele soubesse por nós do que por outra pessoa. Ou está esquecida das ameaças de Sofia?

–Claro que não. Ela faz questão de me lembrar todos os dias.

–Façamos o seguinte. Só pense na minha proposta, ok? –Charlie concluiu, querendo evitar mais discussão. Anna concordou com a cabeça, mas ele já sabia qual seria sua resposta.

Sem mais discussões, ele colocou o livro do lado de seus rostos, a fim de que suas páginas escondessem o rápido beijo. Por um momento, esquecendo-se do lugar onde estavam, suas mãos encontraram as coxas de Anna. Ela hesitou ao perceber o toque, mas gostando e ansiando que ele continuasse.

–Eles podem não ver os nossos rostos, mas podem ver as suas mãos bobas. –Ela disse baixinho, pegando suas mãos e beijando-as.

–Desculpe, eu sempre me esqueço de que às vezes não somos tão invisíveis nesse lugar.

*****

Erick estava voltando para casa.

Esse era o único pensamento presente na cabeça de Evellyn, enquanto caminhava sob o sol escaldante. Ela realmente não estava bem. Não era uma coisa de Evellyn acordar ‘animada’ a ponto de estar caminhando sob o sol, numa tentativa fracassada de tomar o seu sorvete já derretido. Mas, pelo menos a brisa refrescante que fazia as palmeiras da calçada rebolar aliviava um pouco o calor.

Ela estava a caminho da casa de Hank, este que dizia ter algo muito importante a dizer. Decidira ir a pé, e até aquele momento não sabia o porquê. No caminho, ela só pensava em como seria quando ele voltasse. Erick mesmo dizia que a amizade deles não seria a mesma.

Realmente a escolha mais sábia era manter-se afastado dele.

Mas ela sentiria sua falta, inevitavelmente.

Ao avistar a casa de Hank ela tratou logo de pensar em outra coisa, e as dúvidas logo deram lugar a curiosidade. Por que diabo Hank estaria xingando o alfabeto inteiro dentro de sua garagem?

–Aquela vadia me paga! –Essa foi a frase de recepção que Evellyn teve. Por um momento pensou que Hank sabia de tudo. Incrível como consciência pesada mexe com as pessoas.

Mas ao que parecia não era nada disso. Hank arrancava os cabelos, com uma expressão de choque, enquanto observava indignado, uma prancha de surfe quebrada ao meio. De início, Evellyn cogitou que fosse uma prancha muito importante, pois na garagem de Hank havia mais pranchas que carros.

–O que aconteceu com... –Evellyn perguntou cautelosa, apontando para a prancha.

–Veja você mesma! –Ele disse, mostrando a prancha e entregando-lhe um pedaço de papel cor-de-rosa.

Ao que parece, essa prancha é tão especial para você quanto o seu namoro com a pirralha da Evellyn. E é isso que eu vou fazer com os dois. –P

Aquilo só podia ser coisa de uma pessoa. Pauline.

–E ela ainda teve a audácia de beijar o papel. –Evellyn observou a marca do batom vermelho.

–Ela não vai desistir até acabar com tudo. –Hank percebeu, enfim. –Foi mal ter te metido nessa, gata. –Hank disse, puxando-a para um beijo.

–Está tudo bem. Eu não tenho medo da Pauline. Aliás, tenho pena, porque o presente dela deve ser muito medíocre para ela viver sempre no passado. –Ela disse, mas adoraria que a Pauline em pessoa ouvisse. - Pelo que vi essa prancha é especial para você, não é?

–Muito. Foi a minha primeira prancha. Ganhei minha primeira competição com ela. Era a minha prancha da sorte. Sempre a uso quando tenho uma competição importante.
Hank parecia mesmo triste. Seu olhar estava tão despedaçado quanto sua prancha. Comovida pela tristeza em seu olhar, Evellyn afagou-lhe os cabelos, e lhe deu um beijo calmo e carinhoso.

–Entendo o valor que ela tinha para você. Mas você não precisa de nenhum amuleto da sorte para ganhar. –Ela disse, querendo lhe animar dizendo a verdade.

–Eu usei essa prancha também no dia em que te conheci. –Ele revelou, rapidamente fazendo-a sorrir. É, talvez aquela prancha fosse mesmo seu amuleto da sorte.

–Ainda bem que eu guardei um belo desenho de vocês dois. –Ela disse, antes de puxá-lo para mais um beijo.

Hank já estava empurrando-a para dentro de sua picape quando Evellyn lembrou, antes de perder a concentração, o motivo real para ter ido até lá.

–Você disse que tinha algo importante para me contar. –Ela o lembrou.

–Eu disse? –Hank, que até aquele momento beijava o seu decote fez de desentendido.

–Ou isso foi só uma desculpa para me trazer aqui? –Evellyn perguntou, sorrindo maliciosamente.

–Não! Agora eu lembrei o que era. –Hank disse, rapidamente tirando Evellyn de seus braços.

Ele deu uma última olhada dentro da casa para ter certeza de que estavam sozinhos. Se o seu pai descobrisse que ele estava compartilhando informações sobre o caso com Evellyn, ele estaria ferrado. Muito ferrado.

–Caso você não saiba, meu pai é o advogado de Trina.

Evellyn reagiu como se aquela novidade pouco lhe interessasse. E realmente, ela não sabia por que aquilo era interessante. Ela não queria saber de nada que viesse de Trina.

–Você sabe que agora ela é suspeita do assassinato de seus pais, não é?

–Hank, eu não gosto de falar nesse assunto, e eu não quero você metido nisso.

–Eu sei que você não gosta Eve. Mas a dúvida não te chateia? Eles estão tentando achar Connor. Trina diz que é inocente. Você nem vai acreditar, mas eu achei a teoria dela. Você vai cair pra trás quando descobrir quem ela pensa que é o assassino.

–Hank! Eu não quero saber de mais nada! E por favor, pare de mexer nisso. Você pode criar sérios problemas com o seu pai.

–Mas eu quero te ajudar!

–Você já me ajuda muito não se metendo nisso! Que droga! Todo dia alguém me pergunta sobre isso, ou me olha com aquele olhar de pena. Sempre me lembrando da droga do pior dia da minha vida! E a última coisa que eu preciso é que você me lembre disso também!

Evellyn explodiu toda a sua raiva em Hank, que a fitou espantado. Evellyn parecia exausta, cansada de toda aquela história. E como sempre fazia: se colocou no lugar dela. Talvez, se aquilo tivesse acontecido com ele, também não iria gostar de ficar ouvindo isso o tempo todo. Mas iria odiar não saber de nada.

Porém, era Evellyn, e ele nunca conseguia premeditar a sua reação.

–Tudo bem, eu não vou comentar isso com você, se é isso que você quer. –Ele disse, querendo evitar mais confusões.

–Prometa que não vai se meter nisso? –Ela o indagou.

–Eu vou tentar. –Ele disse, mas ainda não era o suficiente para Evellyn. Ela sabia o quanto Hank era teimoso, e quando cismava com alguma coisa, nada o impedia de ir até o fim.

*****

O sol já estava indo embora e Evellyn decidiu acompanhá-lo. Hank lhe ofereça carona, mas ela queria andar. Fazia um lindo fim de tarde, com algumas estrelas surgindo no azul cada vez mais escuro, e o último feixe de luz do sol tingindo as nuvens num tom rosa. Era o único momento que ela achava a cor rosa bonita.

Observando aquela maravilha da natureza ela não pode hesitar. Sem se preocupar com as pessoas ao redor, Evellyn sentou-se na calçada ainda quente, sacou seu precioso caderno de desenho, e pôs-se a desenhar. Era bom não pensar em Erick voltando, nem em Pauline infernizando a sua vida, nem em Trina, ou seus pais, em Madison, em problema algum. Apenas se concentrar em fazer um desenho que fizesse jus à beleza daquela vista.

Quando enfim dava os últimos retoques no desenho, a noite já havia chegado. E junto com ela, um carro vermelho carmesim parou a sua frente. Ah, ela já tinha visto aquele carro. E quando a figura de cabelos vermelhos, e roupa decotada saiu, ela teve certeza de que conhecia aquele carro. Era Trina.

–Evellyn? O que você está fazendo aí? –Ela quis saber.

–O que parece? –Ela disse, mostrando o desenho.

–Ah, claro! Está lindo, como sempre. –Trina elogiou.

–Obrigada. –Ela disse em tom seco, desejando que ela fosse logo embora.

–Quer uma carona? –Ela disse, querendo ser simpática, mas na verdade ela precisava mesmo falar com Evellyn.

–Não, hoje eu acordei com uma enorme vontade de perambular por aí.

–Evellyn, é sério. Eu preciso conversar com você. Eu não fiz o que dizem que eu fiz. –Trina pegou o seu pulso, e lançou-lhe um olhar sério. Ser fuzilada por aqueles olhos da cor da fênix assustou-lhe um pouco. Evellyn rapidamente fez força para livrar o seu braço das mãos de Trina.

–Eu não quero conversar sobre isso. O que você fez ou não fez vai ser provado no tribunal.

–Evellyn, é sério! Você está correndo perigo! Precisa me escutar!

–Trina, não adianta. Eu não quero te ouvir.

–Evellyn, por favor! Eu vou te deixar em casa. Eu só quero conversar com você. Quero te contar uma coisa. E você é a única pessoa em quem eu posso confiar!

Evellyn olhou para os olhos suplicantes de Trina. Fazia tanto tempo que elas não se falavam. Era tão estranho vê-la novamente. Estranho e arriscado, pois, querendo ou não, ela era uma suspeita. E se a vissem conversando com ela? O que iriam pensar? A escolha certa era ir embora logo e recusar a carona. Porém, Evellyn estava curiosa. O que Trina teria de tão importante para lhe contar? Lembrou-se do que Hank queria lhe contar. Seria então a teoria? Ou Trina queria apenas confundir-la, manipulá-la?

Movida pela curiosidade e pela propensão de fazer o que é errado, Evellyn acabou aceitando a carona.

*****

Os batimentos cardíacos de Evellyn começaram a se exaltar logo assim que entrou no carro, e Trina seguiu a direção oposta à de sua casa.

–Trina, o caminho é outro. –Ela disse com a voz cautelosa.

–Eu sei. Estou tomando o caminho mais longo, assim teremos mais tempo para conversar. –Ela disse sem tirar os olhos da estrada.

Evellyn não estava gostando nada daquela história.

–Agora, posso falar o que eu queria e você tem evitado esse tempo todo? –Trina pediu, mas parecia mais com uma ordem. Evellyn assentiu, pois àquela altura ela não tinha muitas opções.

–Fico feliz que tenha me dado uma chance. Sinto que posso confiar em você.

–Fale logo. Você prometeu que iria me deixar em paz depois, não é?

Evellyn tentou, mas sua voz saiu mais rude que o normal. Sentiu que Trina estava aumentando a direção. Ela geralmente adorava a velocidade, mas andava nauseada demais para tanto movimento.

E o olhar obcecado de Trina contribuía para tornar aquilo mais assustador.

–Okay, vamos ao ponto. Não quero que você acredite em nada do que dizem sobre mim.

Evellyn não pôde conter o riso, mas não fora nem um pouco divertido.

–Por que eu não estou surpresa?

–Evellyn, é sério. Nossa família é repleta de segredos que você jamais suspeitou. E estou cansada de carregá-los sozinha.

Trina aumentava a velocidade cada vez mais. Evellyn podia sentir que estavam acima do limite. Ao olhar para a janela, se deu conta de que nunca havia passado por lá. Era uma rua mal iluminada, cercada por montanhas rochosas e abismos.

–Você quer que eu seja sua cúmplice? –Evellyn não entendia nada.

–Não é isso, Evellyn. Só quero que me escute. Para o seu próprio bem. Há muitos anos eu tenho carregado esse segredo, e eu não aguento mais. Preciso confessar a alguém!

Evellyn estremeceu. Tudo que Trina dizia lhe parecia muito suspeito. Como confiar nela? Como não suspeitar de suas palavras com duplo sentido?

–Trina, você está indo rápido demais. –Evellyn lhe alertou.

–Isso é ridículo! Você adora velocidade. Adora aventuras!

Trina agora mantinha seus olhos cinzentos a fuzilarem Evellyn, esquecendo-se completamente da estrada.

–Trina... –Evellyn estava totalmente apavorada naquele momento. Por que fora tão estúpida ao entrar no carro?

–Evellyn! Só me escute! Eu quero que você confie em mim. Preciso de sua confiança para te contar uma coisa. Vai parecer loucura, não tem como provar, mas você precisa confiar em mim! Para o seu bem.

–Trina! Pare o carro, eu quero descer! –Evellyn agora gritava. Tinha um pressentimento ruim. Tudo que ela queria era sair daquele carro, mesmo que não soubesse mais como voltar para casa naquela rua escura e coberta por pedras.

–Evellyn, você está correndo perigo!Não entende isso?! –Trina estava fora de si.

–Sim, estou correndo perigo porque tem uma louca dirigindo!

–Será que você não entende? Não sou quem você deve temer, é...

Trina iria soltar o nome do verdadeiro assassino. Realmente iria. Mas Evellyn não iria acreditar, de qualquer forma. E afinal de contas, aquilo pouco importava agora, pois o carro estava fora de controle, indo a toda velocidade encontrar-se com uma rocha enorme.

–Trina! –Evellyn gritou, puxando o volante com toda a força que tinha. Mas não fora o suficiente. O carro chocou-se contra a pedra.

A última imagem que viu foi Trina esfregando a cara no volante, antes de pular do carro ainda em movimento. Evellyn rolou pelo asfalto, sentindo-o arranhar toda a sua pele.

Ela permaneceu ali, deitada no asfalto a observar o carro de Trina. Pelo silêncio que fazia não tinha ideia se Trina estava bem. Ela só precisava dar o fora dali. Depois procuraria ajuda. Primeiro estudou suas dores. Não havia lugar algum que não doía, mas não parecia ter quebrado nada. Devagar, levantou-se, e pôs-se a caminhar perdida.

A essa altura Trina já retomava a consciência. Acordou de cara com o volante e um fio de sangue escorrendo da lateral da testa. Por um momento tentou reorganizar seus pensamentos, mas assim que avistou Evellyn se afastando com dificuldade lembrou-se do que havia ocorrido.

“Eu estraguei tudo”, foi o que pensou.

–Evellyn! –Ela gritou, baixo demais para que Evellyn a escutasse.

Ainda tonta em razão da batida na cabeça, Trina pulou do carro a fim de explicar tudo. Pedir desculpas.

–Evellyn! –Ela gritou, mas Evellyn já havia tomado uma distância significativa.

Evellyn continuava perambulando feito um zumbi, sentindo as dores aumentarem a cada segundo sem saber como voltaria para casa. Tudo que queria é que alguma alma caridosa passasse por lá e a levasse para casa.

*****

Erick já estava de volta. Estava a caminho da casa de Ágata, necessariamente. Não via a hora de encontrá-la, abraçá-la, tomá-la em seus braços, e agradecê-la por tudo que fez. Talvez até voltasse a falar com Evellyn. Se ela concordasse, eles poderiam voltar a serem amigos. E todos os dias ele repetiria para si mesmo que, seja lá o que for que sentia a mais por Evellyn era errado, e logo não existiria mais. Não iria demorar para isso. Se nada lhe atrapalhasse, ele iria chegar à sua casa em menos de cinco minutos.

Porém, uma figura pálida, de calça rasgada e pele ferida, com o andar similar ao de um moribundo iria atrasar seus planos. Rapidamente notou que o andarilho tinha mexas vermelhas. Ele reconheceria aquelas mexas de longe.

–Evellyn?! –Ele gritou, parando o carro na mesma hora e pulando para vê-la mais de perto.

Evellyn virou para o vulto que chamava pelo seu nome e seu coração logo encheu-se de esperança ao ver o rosto conhecido.

–Erick!–Ela disse com sua voz fraca.

Erick notou de imediato o rosto machucado de Evellyn. Logo depois notou algumas lágrimas rolando pelo seu rosto.

–Meu Deus, Eve, o que aconteceu?

–Erick, me tire daqui! –Ela lhe suplicou, chorando ainda mais.

Sem pensar duas vezes Erick a levou com cuidado para o carro. Notou que Evellyn tremia. Ela ainda estava apavorada. Erick segurou suas mãos e notou que elas estavam frias como gelo. Ela suava frio.

–Aqui, vista isso. –Ele disse, colocando o casaco a sua volta.

Num movimento rápido, Evellyn agarrou-lhe num abraço como uma criança assustada. Era o que ela era naquele momento. Começou a chorar ainda mais. Erick lhe afagou os cabelos, como uma mãe faz a seu filho avisando que tudo vai ficar bem.

Então, sem explicação alguma, Evellyn acabou alcançando seus lábios com os dela. O beijo inesperado pegou Erick de surpresa. Seus lábios eram trêmulos e nervosos, e naquele momento ele percebeu que ela precisava de sua ajuda. Mas ele não recuou. Assim como a primeira vez ele também não recuou. E ela só caiu em si quando as mãos de Erick alcançaram seu rosto e tocaram o queixo ferido.

–Oh, meu Deus. Desculpe-me Erick. Eu fiz de novo. Eu sou a pior irmã do mundo. Eu não deveria ter feito isso de novo! Eu não deveria estar aqui! Eu... Eu quero ir para casa! –Ela dizia entre soluços, sentindo-se completamente envergonhada.

–Está tudo bem, Eve. Você está nervosa. Não se preocupe. Eu vou te levar para o hospital e logo você estará de volta a sua casa. –Ele disse num tom reconfortante, e ela confiou em suas palavras.

Lentamente, o carro foi se afastando, e os dois não disseram mais nada durante o trajeto. Não era o momento. Aquele beijo, assim como o outro, não passara de um erro. Um erro que logo seria esquecido, e que não precisava ser lembrado. Aquele beijo seria deletado de suas memórias, e ninguém suspeitaria depois. Eles voltariam a ser amigos e tudo entraria nos eixos.

É... Talvez pudesse ter sido assim, se uma Trina não tivesse visto tudo, e fotografado perfeitamente o momento de afeto dos dois. Sorte dela não ter estado tão chocada a ponto de se esquecer de fotografar. Sacou o celular para ver a foto outra vez. Estava uma maravilha, mesmo não sendo de uma profissional.

–É... –Ela murmurou, olhando para a foto. –Já sei como tirar proveito disso. Se você não quis me ouvir por bem, vai me ouvir por mal.

*****


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