Viúva Negra escrita por YasmimDeschain


Capítulo 2
Capítulo 2




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Acordei com o relógio da cômoda marcando 10h00min. Alguém tocava a campainha. Não queria ir atender, queria dormir mais. Sentia-me exausta. Levantei a contragosto e fui atender.

-Bom dia, dorminhoca! – disse uma voz masculina do outro lado da porta .

-Richard! – eu respondi feliz.

Abri a porta e ele me esperava na soleira, sorrindo, com um buquê de flores e uma caixa de bombons. Ele abriu os braços e eu me atirei a ele. Agradecia a Deus todos os dias por tê-lo encontrado, um homem lindo e incrível.

-Então, como foi? – perguntou sorrindo.

Desfiz-me em seu sorriso. Era um sorriso másculo e seus dentes eram brancos e perfeitos, nada semelhantes aos dentes assustadores daquela mulher. Ele era um belo loiro, tinha ares de surfista, musculoso e de corte romano. Tinha olhos castanhos e serenos. Viera da região agropecuária da Califórnia, a região de maior produtividade e mais lucrativa do estado, com a família, que se estabelecera em San Diego.

Eu o conheci vagando pela praia. E namoramos há dois anos.

Agora nós tínhamos um ótimo relacionamento. Não era perfeito, havia mais altos e baixos do que eu gostaria de admitir. Mas ainda assim, nós éramos muito apaixonados nos respeitávamos e nunca esfriávamos o relacionamento. Deixar-me ardendo era algo que Richard sabia e fazia extremamente bem.

Passamos uma manhã estonteante, como tantas e todas singulares ao seu modo, vendo filme, comendo pipoca, bebendo coca-cola (seria uma blasfêmia qualquer um dos dois sugerir um refrigerante diferente, ambos amávamos coca-cola) e vendo comédias. Eu tomava coca-cola de manhã.

“Foda-se a gastrite” eu pensava.

Richard tinha a mesma política.

Combinávamos em quase tudo. Nosso relacionamento fluía bem.

Nessa manhã fizemos coisas que não serão mencionadas aqui. Mas que sabemos que, naturalmente, os namorados fazem. Uma manhã ótima, mesmo após dois anos de namoro. Passamos o resto do dia juntos.

                                                                     ---

O relógio marcava 21h30min. E eu dormia acalentada nos braços de meu namorado quando ele me acordou.

-Vivian. Preciso ir. – disse ele.

-Por quê? – perguntei.

-Mamãe – respondeu.

-Problemas? – perguntei.

-Não – disse ele – só preciso ir jantar.

Eu sorri. Sogra era problema.

Ele se vestiu e eu o acompanhei até a porta, dei-lhe um beijo e o vi partir em seu belo carro. Fechei a porta atrás de mim e baixei os ombros. Às vezes, dormir sozinha era decepcionante.

Peguei um sorvete e fui assistir TV. Sentei-me ao sofá e liguei a TV. Assisti a uma reportagem engraçada na BBC, seitas satânicas. Um desfile grotesco e bizarro passou perante meus olhos, eu sempre olhando, mas nunca vendo.

Às vezes queria algo mais. Algo além de San Diego e da Califórnia. Queria... Queria Roma, queria Grécia, queria Tróia. Queria concluir meu curso de História e escafeder-me daquele emprego medíocre e da Califórnia. Queria viajar e descobri, eu era uma mulher que sentira que fora feita para isso.

Divagava sobre tudo isso quando recebi um telefonema.

-Alô – disse.

-Olá, Muchacha! – disse uma voz masculina obviamente sorridente, do outro lado – Eu lhe intimido a acompanhar seus colegas de trabalho em uma noitada!

Ricardo. “Oh, que ousado! Como ele pensa...”. Estava estupidificada e maravilhada ao mesmo tempo.

-Não, não – neguei, grosseira – Aula amanhã. Emprego à tarde.

-Responsabilidades! – disse ele, rindo – Todos da empresa estão aqui no centro, bebendo. Exceto os chefes. Venha! E aí nós podemos...

O telefone lhe foi arrancado antes que Ricardo, cujo nome era a versão latina de Richard, terminasse de dizer o que nós poderíamos fazer.

-Ignore-o – disse a voz calma de Selma do outro lado da linha – Ele está bêbado desde que chegou. Provavelmente, chegou bêbado!

Risadas e um protesto ouviram-se ao fundo.

-Mas resolvemos nos reunir para uma festa de nada – disse Selma – Venha!

Selma era uma amiga muito leal. Acudira a todas nós em diversas situações, sempre prestativa e generosa. Sairia da empresa no ano seguinte para se casar na Espanha com um aclamado toureiro cujo pé-de-meia já podia me sustentar por uma década.

Selma iria sair e tínhamos de aproveitar sua companhia enquanto podíamos. Resolvi ir.       

-Eu vou, Selma – disse eu.

Arrumei-me sem muito esmero, mas sem me deixar jogada. Era uma festa de amigos da empresa, não o Oscar. Vesti um vestido preto que chegava até um pouco acima dos joelhos e era apertado, mas não vulgar.

Maquiagem para a noite. Lápis preto, um pouco de blush e um batom cor de vinho. Melhorei um pouco a aparência da escova, penteando o cabelo, deixei-o solto. Calcei uma sandália com um salto bem pequeno e fui-me, com alguns poucos dólares.

                                                                     ---

O lugar estava cheio de pessoas da empresa. Era um bar novo e por isso deve ter sido barato para alugar para essa confraternização totalmente deslocada e sem motivo especial. Não estavam aqui apenas os executivos.

Cumprimentei Selma, conversei com ela e as outras secretárias por um bom tempo, nós rimos e o pessoal dos Recursos Humanos começou a tirar brincadeiras, chamando-nos de “Clube da Fofoca”.

A noite ia muito agradável. Amigos lá, cerveja e nada de chefes. Continuaria perfeita, se eu não relanceasse os olhos.

Vi Lúcia sentada sozinha na mesa do canto. Taciturna de aparência abatida. Parecia assustada. Não ria e enquanto bebíamos cerveja, ela bebia água.                    

-Deixe-me ir ao toalete – disse eu, em meio às risadas gerais.

-Ah, não, Vi! – disse um novo funcionário do R.H., na mesa ao lado – Vai desertar do Clube da Fofoca?

Risadas foram ouvidas.

-Não, querido – eu respondi, rindo – Eu voltarei. Espero que não morra de saudade.

Risadas, gritos de “é o amor!” e zombarias para o novo funcionário foram gerais. Levantei-me e fui ao toalete, enrolei por algum tempo lá e voltei. Não fui para minha mesa, fui até a de Lúcia. A algazarra continuava ao redor de nossa mesa e não me notaram. Agradeci a Deus por alguns estarem bêbados.

Sentei-me e olhei-a.

-Lúcia, o que foi? – perguntei.

Ela me olhou.

-Oh, Vivian – ela disse -Você não ia querer saber.

-Certo – disse.

Eu chamei o garçom e pedi duas cervejas. Ele nos trouxe e nós bebemos, fui enrolando a conversa, pretendia chegar ao ponto em que queria. Sentia-me preocupada com Lúcia, pois ela era uma boa pessoa para com todos.

-Ontem, obrigada por você ter ido – eu disse tomada de súbito pelo pensamento.

-De nada – ela respondeu.

-Obrigada por não ter me abandonado com aquela loba – eu continuei, tentando ser espirituosa.

Ela empalideceu. Deu um pequeno sorriso amarelo e bebeu outro gole de sua cerveja.

-Aquela mulher deu-me arrepios! – disse eu em tom divertida, tentando animá-la.

-Loba ela não é – respondeu-me Lúcia.

-Loba não é? – eu disse, rindo com descrença – Ela parece uma matilha inteira!

Ri com gosto e a face de Lúcia estava séria.

-Pare de rir! – ela disse, puxou-me pelo ombro e sussurrou ao meu ouvido: - Com certas coisas não se mexe! Essa mulher é algo assim. Ela é uma predadora, mas não como você pensa!

Calei-me de súbito. Aquilo era bizarro demais.

Ficamos ambas algum tempo caladas. Eu sorri para ela e disse.

-Bem, voltarei à mesa do Clube da Fofoca – disse, rindo.

Ela forçou um sorriso e eu me levantei, sem graça.

-Lá volta minha deusa! – gritou o engraçadinho do R.H.

Eu sorri.

-Ainda está vivo? – perguntei.

-Oh, sim – ele respondeu – mas não por muito tempo sem você.

Todos riram. A bagunça ficou generalizada e os risos acentuaram-se. Eu me diverti e um pouco do clima ruim da conversa com Lúcia amenizou-se. Olhei para o relógio após algum tempo e decidi que já iria embora.

-Oh, não! – gritou o cara do R.H.

Eu ri e sai, após despedir-me de minhas amigas. Vi que Lúcia não estava mais lá em sua mesa de canto. Encarei isso como um mau-sinal.

                                                                       ---

Ia caminhando para a casa. A lua cheia sobre minha cabeça era um farol bem vindo e uma rainha em solitário esplendor.      Caminhava saboreando a brisa noturna que era agradável na maioria das noites californianas.

-Sim, a lua nos trás reflexões – disse uma voz masculina atrás de mim.

Eu olhei e era um belo homem, em trajes esfarrapados. Ele era loiro, parecia o Kurt Cobaian e eu o achei muito sensual para ser um mendigo, mas não respondi a sua pergunta, apressei o passo, achava que era um assaltante.

-Quem sabe o que se esconde na noite? – perguntou – Quem sabe que feras abrigam-se numa sombra, que criaturas não são divulgadas nos jornais matinais?

Eu continuei andando depressa. O papo era de maníaco.

-Quem sabe o que essa lua cheia, essa gorda rainha branca testemunhou – disse ele – O que Diana esconde?

Suas palavras eram tocantes, emocionantes. Um trovador quase.

-Quantas coisas ela presencia muda no seu reinado noturno – ele prosseguiu, sentia o peso de seu olhar sobre mim, estava a alguns metros de distância – Quem sabe o que ela acoita antes de Febo iluminar-nos com sua bem-vinda luz.

Eu quase corria, a esta altura.

Subitamente ele cortou a distância entre nós, me enlaçou pela cintura e encostou-me na parede do prédio que abrigava alguma jurisdição de San Diego.

-Ouça, minha princesa – ele disse, suave, seu olhar penetrando no meu. Belos olhos castanhos e turbulentos explorando os meus. Ele estava bem próximo para eu sentir seu calor e seu fedor. Nasceu em mim uma mistura de desejo e repugnância – Você não sabe para onde seus passos a conduzirão. Você não sabe para onde será levada. Você não sabe o que lhe acontecerá. Esteja pronta para estar com a vida perfeita ao amanhecer e quando a aurora seguinte surgir, ela estar toda estraçalhada – disse.

Seu discurso era apaixonado. Senti um leve fedor de bebida em seu bafo. Ele me deu um beijo na testa. Estava torpe, paralítica de medo.

 -Vá agora, minha princesa – ele disse em sua voz um tanto bêbada.

Ele se afastou e sai numa carreira descarada em direção a minha casa.

-Vá, princesa – ele exclamou atrás de mim – Mas nunca se esqueça de que a Rainha lá em cima a vigia constantemente!

Eu não parei para olhar para trás.


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