Viúva Negra escrita por YasmimDeschain


Capítulo 1
Capítulo I




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“Eu cortaria seu nome em meu coração
Você nos faria desejar a morte
Iremos destruir esse mundo por você”

A mulher parecia uma loba. Não gostei dela assim que a vi. Sorria de um modo que indicava perigo, os lábios pintados de vermelho se afastando para exibir os dentes demasiadamente branco e, para mim, pontiagudos.

Naturalmente os homens ao meu redor estavam maravilhados. Ela era uma importante cliente para nossa firma e seus investimentos eram enormes. Sem sua participação, não teríamos prosperado.

Mas eu não conseguia gostar dela, apesar de me esforçar e tentar ser o mais simpática possível com ela. Mas eu achara muito estranha sua exigência de uma reunião noturna, além do horário normal de trabalho, de modo que estava aqui por que receberia extra.

Novamente, como era de se esperar, eu estava sozinha, abandonada pelas outras secretárias da empresa. Sentada do lado de fora da sala de reuniões empresarial no amplo salão onde predominava aquele uniforme branco e cinza dos escritórios modernos, apenas com um tapete bege no chão para quebrar o esquema. Tudo plástico, moderno, tudo falso.

Ao lado de fora, as luzes da cálida Califórnia cintilavam, me convidando para sair e encontrar Richard em algum ponto da cidade. Em alguma praia deserta ou em algum restaurante, ou mesmo apenas em casa vendo algum filme.

Mas não. Eu estava lá, me esforçando para não dormir enquanto meu chefe e um bando de outros empresários que ganhavam o triplo da minha renda anual em um mês sentavam-se para discutir com uma loba... Quer dizer com uma grande e importante dama do meio empresarial, algum assunto do qual eu não entendo. Pelo menos a universidade é só na segunda. Dormirei como um urso em hibernação amanhã.

O frio do escritório me deixou com vontade de dormir. De modo que fechei os olhos.

-Vivian! – sussurrou uma voz próxima.

Abri os olhos de súbito e me deparei com a faxineira da empresa do outro lado da minha arrojada mesa de secretária de uma importante empresa.

-Lúcia! – sussurrei de volta.

Ela piscou. Era uma estrangeira, latina, veio para San Diego com menos de 18 anos e tinha quatro filhos de quatro maridos diferentes. Aos 56 anos, beirando a aposentadoria, tinha uma aparência exaurida de 60.

-Não sabia que a equipe da limpeza tinha vindo – disse eu.

-Apenas eu e Ricardo – respondeu – eu preciso de dinheiro para pagar o aluguel da vila e Ricardo para suas farras.

Eu ri. Ricardo era latino também, sobrinho de Lúcia, um belo moreno que eu não dispensaria se estivesse solteira, apesar de sua fama de safado e farrista seguindo-o como um rastro pela empresa.

-Eu queria saber... – disse ela, em um tom estranho – Quem é essa mulher que os patrões se encontram?

Subitamente meu humor dissipou-se.

-Oh, uma importante investidora – disse eu – deve ser do ramo agropecuário, algo do tipo.

Ela assentiu. Ia pegar seu esfregão e seu balde que estavam recostados a minha mesa, mas eu a chamei antes de ir.

-Por quê? – perguntei.

-Oh... – ela disse, tentando se esquivar.

-Oh, o quê? – eu perguntei.

-Ela... – abaixou o tom de voz – Me dá calafrios.

Eu assenti e disse, em tom conspiratório:

-Ela é sombria!

Lúcia assentiu.

-Ela tem uma pele muito branca – eu continuei – quase albina. Tudo bem que seus cabelos são invejáveis, mas... Há algo no olhar dela, algo no sorriso dela...

-Que a faz parecer uma predadora – concluiu Lúcia, aos sussurros.

-Exatamente – disse eu.

Lúcia ia dizer algo, mas reteve-se e pegou seu esfregão e balde e foi-se antes que eu dissesse mais alguma coisa. Tentei gritar por ela, mas ela quase corria, parecendo uma operária da Segunda Guerra em seu uniforme de limpeza, um macacão cinza com bordas azuis e andou mais depressa, virando o corredor antes que eu fizesse menção de alcançá-la.

Tornei a fechar os olhos e estava quase embarcando no sono quando outra voz me chamou.

- Vivian – disse alguém. Não era a voz materna de Lúcia e sim uma bela voz educada de homem.

Abri os olhos novamente e lá estava Miguel, um belo loiro de olhos claros que tinha uma aparência infantil e era uma graça.

-Sim – eu respondi.

-Leve café – disse ele. A ordem que me dera era como sua personalidade: Sucinta.

-Sim – tornei.

 Virou-se e entrou novamente na sala. Me levantei e cumpri o mandado, enchendo doze pequenos copos plásticos com o café da cafeteira que ficava em uma mesinha ao lado da minha, coloquei os copinhos em uma bandeja e entrei.

O choque térmico foi enorme. A sala estava ainda mais fria que a área na qual eu ficava. Alguns empresários faziam um esforço evidente de não tremer, outros estavam perfeitamente adaptados.

Comecei a servir os pequenos copos da ponta da mesa na qual me chefe estava, depois prossegui, servindo os outros empresários. Alguns agarravam os copinhos como se estes abrigassem remédios dos quais suas vidas dependiam.

Fui servindo até chegar à loba... Quero dizer, na grande dama. Por um momento seu olhar foi tão intenso que fiquei constrangida. Era como se tivesse ouvido os meus comentários e os de Lúcia a respeito de si. Eu tive um súbito ataque de ousadia e ao colocar o café na sua frente, tentei encará-la olho a olho.

Não consegui, ela lançou-me um discreto sorriso que me fez sentir encurralada. Sai depois que meu chefe assentiu e fez um discreto gesto para a porta.

Sentei-me novamente em minha mesa e me deixei afundar na cadeira. Com um suspiro, fechei os olhos e dormi.

                                                                       ---

Acordei com o barulho de passos. Olhei de imediato para a sala de reuniões e percebi que a porta fora aberta e que os empresários saiam apressados. Parei e perguntei a meu chefe se poderia ir, ele disse que sim e peguei minha bolsa.

Fui ao banheiro feminino, passando pelos empresários apressados e me olhei no espelho. Estava com a escova intacta, meus cabelos castanho-avermelhados terrivelmente finos estavam com uma bela aparência.

“Depois de duas horas fazendo o cabelo” pensei.

Minha maquiagem estava um tanto precária, apenas meu batom claro mantinha uma boa aparência.

“Não se pode querer que uma mulher esteja linda a meia-noite” pensei.

Continuava me avaliando no espelho quando a porta se abriu. Olhei e ia saudar Lúcia com alguma exclamação espirituosa sobre minha aparência um tanto sonâmbula, mas vi a mulher loba... A empresária... Entrar. Sua aparência era impecável, maquiagem perfeita, as bochechas plenamente rosadas, o batom vermelho perfeito e o lápis azul ao redor dos olhos em perfeito estado. O cabelo preto caia-lhe aos ombros em camadas que provavelmente custariam meu salário no salão mais próximo. Mas apesar de sua beleza, ela ainda me deixava com muito medo, à pele branca dava ela uma aparência de versão macabra da branca de neve.

-Boa Noite – saudei-a, pensando que se ela comentasse de minha educação com meu chefe eu poderia receber algum privilégio no salário e investir na minha sonhada viagem com Richard.

Ela nem me olhou. Entrou numa das cabines que tinham vasos sanitários. O salto da pequena bota ressoando no chão do banheiro, o que pareceu ser o ressoar de latidos caninos.

Estremeci e sai do banheiro, antes que terminasse a noite como jantar de loba.


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