Aquele pesadelo mexeu com a minha confiança. Magali disse que precisávamos sair da cidade. Então preparamos as malas e fomos Cascão, Cascuda, Quim, Magali e eu para as montanhas.

Passamos duas semanas muito agradáveis na montanha. O friozinho era bom demais.

Na volta, porém, a chuva na estrada estava muito forte. Mas não podíamos ficar. O dever nos chamava.

Magali e Cascuda estavam com um mau pressentimento. Cascão afirmava sempre que isso era coisa de mulher.

Arrumamos as nossas coisas e nos preparamos para partir. Porém, a chuva aumentou e a entrada da cidade em que estávamos ficou fechada devido a uma queda de barreira.

- Que pena. – disse Magá, com uma risadinha. 

Compramos estoques de chocolates da região (muito gostosos, por sinal) e ficamos assistindo filme.

No dia seguinte, a estrada foi liberada, só que não era recomendado que saíssem de lá.

Eu ignorei a ordem e guardei as malas no carro. Entramos todos e partimos. As barreiras na estrada prejudicavam alguns quilômetros. No meio da viagem, a chuva começou a piorar. A visibilidade estava prejudicada. Eu só via as curvas em cima da hora.

De repente, senti que nós estávamos em uma descida. O carro começou a rolar. O asfalto havia cedido. O carro começou a rolar. Todos gritaram. As janelas se espatifaram.

Ouvi um barulho de marteladas fortes. Abri os olhos. Estava sentado em uma cadeira, acorrentado pelos pulsos. Do meu lado estavam Magali, Cascão, Cascuda e Quim. Todos encaravam o juiz gigante que nos encarava. Estava todo vestido de branco.

- ORDEM NO TRIBUNAL! – disse. Senti o local tremer. – ESTAMOS AQUI PARA DECIDIR O QUE SERÁ DA PÓS-VIDA DESSES JOVENS. – eu ouvi “pós-vida”? Quer dizer que morremos? – A PRIMEIRA A SER JULGADA SERÁ MARIA CASCUDA. – continuou o juiz, puxando uma ficha. – ESTÁ LIMPA! VAI PARA O CÉU. AH, LEVEM O QUIM JUNTO COM ELA, EU TENHO QUE TER UMA CONVERSINHA PARTICULAR COM ESSES TRÊS.

Duas pessoas (??) de capa seguiram até nós. Uma ficou de frente para Cascuda e a outra, de frente para Quim. Os dois seres estenderam as mãos, que começaram a virar fumaça e entrar na boca dos nossos amigos. Puxaram de lá uma versão translúcida do Quim e da Cascuda. Os dois fecharam os olhos e tombaram a cabeça para o lado.
Os seres se retiraram por uma porta que tinha letras pintadas e formavam a palavra “CÉU”. Olhei para o outro lado. Havia uma porta com a palavra “INFERNO” escrita. Então era assim tão simples? Um julgamento e duas portas?

- CASCÃO! – eu tomei um susto com a voz do juiz. Cascão começou a tremer do meu lado. – VEJO AQUI QUE VOCÊ FOI UM GAROTO MUITO DESOBEDIENTE NA INFÂNCIA. NÃO TOMAVA BANHO QUANDO SEUS PAIS MANDAVAM. EU MANDARIA VOCÊ PARA O INFERNO. – essas palavras me arrepiaram junto com o meu amigo. – PORÉM, COMO VOCÊ VIU A IMPORTÂNCIA DO BANHO E SE REDIMIU DO SEU PASSADO IMUNDO, IRÁ PARA O CÉU.

Outro ser veio na direção de Cascão e tirou a sua alma, levando-a em direção da porta “CÉU”.

- MAGALI! A GAROTA QUE COMETEU UM DOS SETE PECADOS CAPITAIS: A GULA! UM SACO SEM FUNDO. COMIA TUDO O QUE VIA PELA FRENTE, MESMO QUE NÃO FOSSE COMIDA! – vi Magali se encolher ao meu lado. – PORÉM, COMO CASCÃO, SE REDIMIU DO SEU MAIOR PECADO E PASSOU A TER UMA ALIMENTAÇÃO SEM EXCEDENTES. VAI PARA O CÉU!

Mais um ser veio pegar a alma de Magali e levou-a para o céu. Fiquei sozinho, acorrentado, encarando aquele juiz gigante.

- CEBOLA! EU ESTAVA ESPERANDO O SEU JULGAMENTO HÁ UM TEMPÃO. VOCÊ GOSTAVA DE PROVOCAR AS PESSOAS, PRINCIPALMENTE A MÔNICA, QUE FOI JULGADA NESSE MESMO TRIBUNAL. ERA MUITO TEIMOSO E PERSISTENTE. SÓ QUE, QUANDO CRESCEU, VI QUE A PERSEGUIÇÃO VIROU AMOR. DE AMBOS OS LADOS. PERDOEI MÔNICA POR SUA VIOLÊNCIA E A DEIXEI IR PRA O CÉU. SERIA MUITA INJUSTIÇA NÃO PERDOÁ-LO TAMBÉM. ESCOLHEREI UM SER ESPECIAL PARA LEVAR VOCÊ PARA O CÉU.

Respirei aliviado. Logo vi o ser vindo em minha direção. Por que era especial? Descobri um pouco antes de sentir a minha alma ser sugada pela boca. Ele abaixou o capuz e revelou o rosto. Senti um frio total e apaguei.

Quando abri os olhos, vi um portão dourado cercado por um muro enorme, cheio de panfletos que anunciavam a Rave dos Anjos, que teria de noite.

“Puxa. O céu não é tão tédioso como eu pensei”, refleti. O portão rangeu e abriu. Entrei. Magali, Cascão, Quim e Cascuda vieram me receber. Estávamos todos pálidos. Eles sorriram para mim. Estava distraído e nem reparei em Mônica, que havia pulado nas minhas costas e me enchido de beijos. Uma felicidade invadiu o meu corpo (ou seria alma?). Todos sorriram.

- Vem, Cebola. Vamos nos preparar para uma vida eterna e feliz. Vamos nos preparar também para a Rave dos Anjos. – disse Mônica.

Dei um beijo nela. Mônica retribuiu.

Chegamos ao salão de noite. Estranhei o psy que tocava (imaginava uma música gospel...). Os anjos e as almas se acabavam na pista de dança. Olhei o local para ver quem era o DJ. E qual não foi a surpresa ao ver que era o Ângelo que botava o pessoal pra pular.

Era um rave mesmo. O céu era muuuuito diferente do que diziam a minha mãe, o meu pai, os meus tios, o padre, etc. Era mais divertido. Vi almas se pegando, anjos se pegando, almas com anjos, etc. (e depois dizem que anjo não tem sexo. Ahã...). Se não soubesse que estava no céu, juraria que tinham me mandado para o inferno, devido às coisas impuras que aconteciam na festa. Ou os anjos não eram tão santos assim (?) ou os santos que os vigiavam tinham tirado férias.

Mônica começou a dançar e me abraçou. Nos beijamos. Magá fez o mesmo com Quim e Cascão, com a Cascuda.

Espiamos o local. Vimos anjos fazendo passos de música eletrônica. Se eu tentasse fazer aquilo, quebraria as minhas pernas... Mas e daí? Eu já morri mesmo.
Fui tentar fazer, mas tropecei e cai. Todos riram. Ângelo nos chamou para ficarmos perto do agito. Mônica, Magali e Cascuda subiram no palco e começaram a dançar. Subimos Cascão, Quim e eu também. Nunca me diverti tanto na minha vida (e olha que a morte só estava começando).

FIM