Acesso Restrito escrita por Charlotte Fuller


Capítulo 7
Capítulo 7




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Após deixar a entrada do aquário, pude sentir, pela primeira vez, a pressão de estar sozinha num lugar desconhecido por motivos nada altruístas. O tráfego em Atlanta era intenso, tanto os dos automóveis, quanto os de pessoas. Foi por pouco que escapei das tentativas de atropelamento, empurrão ou puxão naquele mar de gente. E as pessoas também pareciam pouco dotadas de quaisquer sentimentos compreensão ou bom senso. Elas corriam, desviando entre si com uma habilidade invejável, sempre com uma impaciência e estresse que deixariam qualquer morador de Niceville assustado. Eu me encontrava assustada, não vou negar.


E enquanto percorria por ruas, passeios e becos desconhecidos, decidi que precisava tomar uma rota futura. Porque a verdade é que eu não fazia à mínima ideia do paradeiro do meu pai, não conhecia a cidade, não possuía um parente próximo para ajudar e a única pessoa onde poderia obter respostas para minhas dúvidas estava sendo vigiada de perto. Foi quando observei o letreiro amarelo gema anunciando o estabelecimento de esquina, que tive a certeza, precisaria manter contato.



Empurrei a porta, vendo que o movimento conseguia — de maneira assustadora — ser totalmente oposta aos das ruas. Caminhei até a mesa dos fundos onde, um jovem de cabelos enrolados e blusa de alguma banda desconhecida, lia sua revistinha de desenhos japoneses.



— Hey! — ele, enfim, desprendeu sua atenção das meninas de peitos surreais para me olhar com pouca vontade. — Vocês têm internet wireless aqui?



— Dois dólares a hora. — respondeu e voltou para sua diversão quando eu lhe dei a nota amassada respectiva ao valor. — Senha hobbit.



Sentei na mesa do canto oposto ao fã de mangás ( e aparentemente de Senhor dos Anéis) tirando o meu notebook da mochila, esperando sua iniciação. Ver os rabiscos dos meus desenhos como papel de parede foi o máximo que consegui, no último dia, que me fez sentir em casa. Admito que não foi uma grande surpresa ao abrir meu e-mail e deparar com diversas mensagens de Megan. Vendo o seu desespero e alienação, pude ter certeza de duas coisas. Primeiro; meu problema, afinal, não resultara numa simples falhas das barreiras. O FBI ainda estava fazendo pressão sobre minha família, fazendo-os acobertar a verdade. E, segundo, passar um tempo na casa da minha tia foi a pior mentira que minha mãe já contara, de acordo com um dos seus e-mails de Megan que me explica a asneira que minha mãe anda espalhando. Ela mesma já havia admitido para Megan, como Tia Martha poderia ser uma mulher intrometida e de nariz em pé. Então, era claro que minha melhor amiga desconfiaria, mas no caso ela já sabia o que estava acontecendo.



Levantei os olhos para espiar o adorador da cultura japonesa, só para o ver girar o rosto, tentando encontrar um ângulo mais favorecido para o desenho irreal da jovem de saia curta.


Os e-mails mandados por Megan estavam todos criptografados. Claro, sua segurança não seria total, no entanto, estaria ao menos dificultando alguma coisa. E embora, minha vontade de responder aos seus desesperados e-mail continuasse ali, empertigada, causando a pequena coceira entre os dedos, acabei não ouvindo-a. Apenas fiquei tamborilando os dedos em volta dos lábios pesando no que diabos iria fazer. Exatamente, eu estava mais perdida do que poderia ter imaginado. Comparar batalha naval a tarefa de encontrar meu pai foi uma péssima análise. Batalha Naval era tão legal, estratégico, nada aos pés de divagar entre estados e pessoas mal encaradas. O jogo possuía um inicio, eu, ansiosa, já havia corrido para o desenrolar quase desfecho da situação.

Mas que completa idiota eu era? Talvez aquela história não desse em nada, você sabe, apenas meia hora (quem sabe uma) de bronca sobre respeitar a privacidade alheia e dos perigos que isso podia acarretar. Liam-Neeson-da-vida-real tinha uma cara de velho compreensivo, você entende o que digo, aqueles homens mais velhos que são o exemplo de avôs maneiros. Se eu chorasse, soluçasse e contasse sobre uma vida injusta cheias de limitações ele até me adotasse. Tudo bem, isso não me pareceu lógico. Mas qual é!

A porta do estabelecimento abriu, causando a breve onda sonora de carros e pessoas transitando. Eu virei para trás, para analisar quem havia resolvido entrar, tentando ganhar a atenção do garoto anime. E foi realmente assim, ele nem tirou os olhos do seu exemplar, ignorando a garota de calças rasgadas e blusa da banda No Doubt. Seus cabelos eram longos adotados de um vermelho carmim intenso. Sua cor tão vibrante foi capaz de causa a ligeira cegueira em mim. Pisquei algumas vezes, vendo-a alcançar a beirada da mesa do menino. Ela parecia ser o tipo de pessoa única, exceto pelo estilo musical. Nada contra.

— Onde você estava? — cabelo ruivo inquiriu imponente.

— Trabalhando, estou trabalhando. Pessoas trabalham, já ouviu sobre isso? — cabelo enrolado respondeu sem tirar os olhos das páginas preta e branca.

Eles se conheciam pelo visto.

— Puxa Brian você se esforça tanto! — ela silabou com drama em excesso. — Veja como as pessoas entram e saem desse lugar.

— As pessoas entram quando precisam, não é como as lojas que você frequenta para olhar os preços e sair com as mãos vazias. As mãos, certo?

Meu Deus! Aquilo era uma briga de casal? Bem, se não, estava muito perto de ser. Comecei a juntar minhas coisas da maneira mais silenciosa que conseguia. Como as pessoas conseguem brigar em público? Eu sei, isso não parece uma novidade pra mim, mas minhas brigas sempre envolviam socos e pontapés nada mais. Ali eles diziam coisas que não deveriam ser contadas, ao menos em voz alta.

— Onde você aprendeu isso? Com seus amigos de histórias em quadrinho? — ela disse. — Eles são bons amigos? Sempre te escutam certo? Já é um grande passo.

— São mangás! — ele corrigiu.

— Não importa! O que eu quero saber é onde você estava e não diga que estava trabalhando ou qualquer coisa que faça aqui.

Ele então largou o objeto de fascínio para olhar na sua direção. Oh ela era boa! Felizmente, eu acabava de colocar meu notebook na espremida mochila e agora levantava para sair.

— Acho que não é da sua conta. — ele respondeu.

E foi a última coisa que ouvi, porque, tão logo, fui recebida com a agitação do mundo exterior e o casal problema já estava encoberto pela camada concreta de cidade grande.

O que eu iria fazer? Iria ligar para minha melhor amiga. De um telefone pré-pago, favoravelmente todos os filmes de ação tinham servido para alguma coisa. Entretanto, a porta atrás de mim se abriu. Era cabelo vermelho. Eu não havia saído da fachada da Lan House, estava muito preocupada com meus pensamentos, que só agora percebi ficar no caminho para a calçada. Ela, então, acompanhou meus passos retesados para a direita, até que pudesse livremente caminhar por ali. Mas ela não o fez.

— Você estava lá dentro. Desculpe-me por Brian, mas às vezes, não sei como, ele consegue ser um idiota e meio. — ela estendeu a mão na minha direção. — Eu sou Joyce.

— Sophie. — alcancei-a e apertei.

— Não é daqui. É? — perguntou escorando no batente da porta.

— Não.

— Percebi. Aqui ninguém entra nessa espelunca, eles procuram os cyberbooks, de alguma forma parecem mais intelectuais. Ah! E também tem os cafés, são todos viciados.

Há quem diga que pessoas de cidades pequenas são experts no quesito puxar conversa. Joyce, mostrou que aquilo era uma mentira.

— Hm... — respondi.

— De onde é? — ela certamente ignorou minha quase ausência na conversa.

— Flórida.

— Que merda!

Que merda? Merda? Niceville pode não ser Califórnia, mas também não chegava a ser uma merda. Ignorei Joyce-cabelo-vermelho, pronta para atravessar a rua. Magicamente eu consegui me infiltrar por entre os pedestres e alcançar a faixa para travessia.

— Mas o que faz aqui?

Oh Inferno! Ela estava do meu lado.

— Lazer.

Ela fez uma careta pensativa. O sinal abriu e aproveitei a deixa para escapar da sua companhia. Mas não! Foi só olhar para o lado esquerdo e ter a certeza de que cabelo vermelho estava astutamente no mesmo passo que o meu.

— Acho que precisa de ajuda, freqüentar a espelunca que você foi, prova que não está muito bem ambientada. — então concluiu como se fosse algo de seu interesse. — Conheço bem os lugares quentes daqui, posso te levar nos melhores pontos sem cobrar nada. Gostei de você.

Pense Sophie! Pense! Você pode dispensar a Ariel da atualidade, apenas sorria e diga que já tem tudo esquematizado. É fácil, como você sempre faz quando sua mãe induz ao assunto sobre freqüentar o grupo de apoio junto a ela. Meu consciente trabalhou.

— Isso seria ótimo! — sorri como nas propagandas de creme dentário. — Mas veja, já tenho tudo preparado. Acredito que não tenha tempo o suficiente.

Então, Joyce fez um barulho estranho.

— Tudo bem, você quem decide. — Oh obrigado! Isso foi mais fácil do que imaginava. — Onde é sua primeira parada, então?

Oi? Congelei. Onde vai ser minha primeira parada? Onde?

— O aquário.

Joyce me encarou com os olhos esbugalhados.

— O aquário? Você está em uma excursão escolar por acaso? — ela olhou para os lados procurando um grupo de adolescentes com um adulto. — Isso é sua ideia de lazer?

Não.

— Sim — respondi. — É uma experiência nova.

Ela fez um barulho esquisito. Parecido com um guaxinim.

— Peixes? Uma nova experiência? Contarei a única utilidade deles...Dentro de uma grande frigideira quente.

E riu da sua própria piada.

— Me desculpe. — ela disse quando encerrou sua autoapreciação. — Mas, acredite, o aquário nunca é uma boa pedida. Sempre está cheio de famílias turistas com suas blusas parecidas e esquisitas. Você não parece o tipo que fica admirando água suja cheia de comida em potencial.

— Bem, as pessoas enganam. — retruquei, virando a esquerda.

Onde ficava o aquário mesmo? Eu não fazia ideia. Droga! Por que as ruas se pareciam tanto? Por que havia tantos McDonald’s nas esquinas? Eu não saberia diferenciar nenhuma delas. Joyce, sabia disso. Olhei para ela em seguida.

— Hm... eu deveria ir por aqui, mas o caminho é mais longo. Se eu virar a direita e seguir, chego lá mais rápido, certo?

Joyce ergueu sua sobrancelha esquerda.

— Posso te levar até lá.

Isso é bom. Ela caiu direitinho.

— Se você quer.






Joyce estava brincando comigo. É isso, ela está fazendo um tipo de ritual para turistas tolos. Eu sou uma turista tola. Sei que ela pensa que sou. Ela, agora, está contando sobre uma banda local pirada, como nomeou, formada pelos seus amigos. Mas eu não presto atenção. Estou preocupada com os milhares de becos, ruas e sinais que já passamos. Aquele era o caminho mais rápido? Parecia que eu havia corrido uma maratona, não estava certo.











Ela gesticulou sobre a nova guitarra que conseguiu comprar. Mas não toca, explicou. Apenas, comprou para ferrar com seu irmão. Concordo, frenética. Leio os nomes das ruas. São tantas! Estou ficando tonta.






—...Vou aprender com o namorado de uma amiga, ele é um artista nato, seus grafites estão em quase toda Atlanta. — ela tagarela. — Depois vou formar uma banda.

É definitivo! Não estou na direção certa. Joyce falou demais e acabou errando o caminho. Mas que droga!

— Não me lembro desse beco, acho que entramos numa rua errada. Vamos voltar. — interrompo seu monólogo.

— Está certo. O aquário fica a algumas quadras daqui, só preciso pegar uma coisa com Patrick. Ele é o vocalista, gente boa. — explica.

Sabia! Ela vai me levar para o nada e me largar enquanto cacareja com os amigos loucos.

— Me indique o caminho, não precisa andar isso tudo por minha causa. Eu consigo sozinha com instruções. — digo, paranóica verificando minha retaguarda.

— Relaxa já estamos quase lá. — ela vira em outro beco. Um sem saída. — Devem estar ensaiando.

Na nossa frente está uma porta enferrujada. Não escuto qualquer resquício de som. Entretanto, Joyce usou sua força para empurrar a barulhenta porta e eu ouvi. Um emaranhado de sons desafinados e gritos ensurdecedores. Estavam matando porcos? Deus! Esperava que não. Ela entrou me deixando sozinha no beco. Ponderei correr, mas ela já estava de volta parte do seu corpo acoberto pela escuridão.

— Sophie ficar sozinha não é uma boa ideia por aqui.

Merda! Além de tudo eu estava num bairro perigoso. Grande passo Sophie, grande passo. Entrei tentando acompanhar seu trajeto sem cair pelo caminho. A escuridão aumentou para, logo depois, se extinguir devido às péssimas luminárias das paredes. Joyce correu até um pequeno palco no centro. O rapaz de cabeça raspada e olhos pintados logo sorriu para a menina recém chegada. Obviamente aquele seria Patrick, somente pelo fato de estar a postos com um microfone e um baixo em mãos. Uma combinação de personalidade e funções musicistas um tanto incomum. Tudo bem, só digo porque ele não era um Roger Waters, Paul McCartney ou Sting. E nunca seria, pois tudo que a suposta banda emitia se baseava, somente, em perturbação sonora. Que bom não poderia ter me enfiado em um lugar melhor!

— Cara isso ta foda! — Joyce gritou assim que terminaram a barulheira. — Vocês precisam jogar isso na net. Eu posso gravar hoje pra vocês, no show.

Permaneci a uns dois metros de distancia da cena vendo o resto dos meninos, nos mesmos padrões de fisionomia que Patrick, rirem e concordarem com sua ideia.

— Claro gata. — Patrick pulou do palco com um charme não muito apreciativo. No entanto, Joyce parecia gostar. Ainda mais quando seu nome era metodicamente substituído pelo adjetivo de gata. — Ou você poderia ficar agora e gravar dos ensaios até a hora que formos nos apresentar. O que acha?

Joyce soltou um sorriso cheio de dentes e eu senti que precisava intervir.

— Hum, isso parece legal. — eu comecei do meu canto escuro e solitário. — Mas Joyce você precisa me levar ao aquário. Por que você não me leva agora e volta o mais rápido possível?

O seu sorriso se desmanchou no instante que resolvi abrir a boca e o meu alarme disparou no momento que ela iniciou sua resposta.

— Quem é ela? Sua amiga? — Patrick olhou por toda minha extensão sem se preocupar em me olhar nos olhos uma vez sequer.

— Quase isso. — ela disse. — Só estou mostrando os pontos turísticos pra ela.

— E o aquário é um deles? — ele perguntou no mesmo ultraje que ela havia feito algum tempo atrás.

— Eu sei, também acho, mas os turistas vêem alguma graça naquilo. Não posso fazer nada. — Joyce sacudiu os ombros.

Certo, não gosto deles. Por vários motivos posso afirmar, mas o principal se resume no simples fato de ignorarem minha presença enquanto falam sobre mim.

— Acontece que o aquário é o lugar onde eu deveria estar, então me desculpe por atrapalhar seus planos Joyce. Mas, se for mais fácil, é só me indicar a direção. Sou boa com coordenadas.

Não tão boa assim. Ela olhou para Patrick com hesitação e voltou sua atenção para o seu relógio de pulso.

— Oh Sophia foi mal, acabei esquecendo da hora. — começou.

— Fica tranqüila é só me mostrar o caminho. — iniciei.

— Não é isso, mas o aquário só fica aberto até as quatro você não vai encontrar nada aberto nessa hora.

O quê?

— O quê?

— É o que eu to te falando cara, ele não fica muito tempo aberto e pela hora, 16:23, já ta fechado há um tempinho. Por que não fica pro show? Patrick pode te dar um convite, afinal a culpa é toda minha que você não tenha feito o que, não faço ideia, tinha pra fazer.

Minha cabeça estava zunindo, quando Patrick concordou.

— É fica, aproveita a noite pra curtir gata.

Joyce lançou um tapa no seu braço, exigindo que ela fosse sua única gata ou sei lá o que, nada que mereceu minha inteira atenção no momento. Certo, minha vida nunca foi agitada, eu também nunca exigi que fosse, mas —como sempre insistia em ser — meus anseios não eram atendidos da forma como os planejava. Viva com isso. Ou pelo menos se adapte, pensei nenhum pouco esperançosa.


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Notas finais do capítulo

Muito tempo sumida, eu sei. Me desculpe aos leitores que acompanham a história. Mas aqui está a enrolada autora juntando a vergonha na cara restante e mandando um novo capítulo. Espero que o tempo tenha valido a pena. Só espero né. Haha
Beijos Charlotte Füller



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