As Blue As Love Can Be escrita por Menta


Capítulo 7
Renascido


Notas iniciais do capítulo

Ahá! E agora, contemplem, o começo do brilhantismo obscuro de nosso querido protagonista! Testemunhem o nascimento de um novo homem, que levará o lugar do rapaz impetuoso de antes.



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Chovia. O céu estava obscurecido por nuvens cinzentas e escuras, e o vento do mar enchia o ar frio de umidade, esta piorada pelos grossos pingos d’águas que caíam incessantemente sobre tudo e todos. O mundo era cinza. A chuva, a água do mar, o céu... A terra. A pequena, velha e frágil galé se encaminhava a um minúsculo cais, com tábuas de madeira visíveis a distância. Algumas tinham uma coloração também acinzentada, porém misturada com o tom verde das algas marinhas que se emaranhavam por sua superfície. Embalado pelo movimento da frágil embarcação pelas ondas ligeiramente tempestuosas, o jovem Petyr Baelish sentia que o dia refletia seu espírito. Ironicamente apropriado... Sorriu com os lábios, mas seus olhos também cinza continuavam frios como o ambiente que o rodeava.


Reconheceu o cais, mesmo a uma considerável distância: era o mesmo em que se despedira do pai ao partir para Correrrio, quando era uma criança solitária e ingênua. De tudo, perdi apenas a ingenuidade. Sorriu novamente, da mesma triste maneira. O criado de seu pai que o acompanhara na viagem teve de pagar com o dinheiro enviado por seu pai os custos da viagem da volta aos Dedos, e, portanto, conforto não era a palavra para a jornada que tiveram. Petyr sentira-se nauseado do começo ao fim, mas não saberia dizer se fora pelo mar tempestuoso ou simplesmente pelo estado em que sua vida se encontrava. Não tinha perspectiva de futuro algum, e estava em tal estado de choque que isso nem sequer lhe importava. Em uma questão de meses, perdera o amor da sua vida, a casa onde fora criado, sua mãe que falecera, e foi abandonado pelo “tio” e os “irmãos” que a vida lhe dera, assim como com eles foi-se a chance de ter alguma ascensão na sociedade. Não sentia mais nada. Fora um jovem tão sensível e astuto, embora escondesse bem suas emoções, que, agora, mal se reconhecia. Embora não fosse muito tido a compaixões e empatia, descobrira-se um romântico apaixonado, como os ridículos príncipes das canções. Príncipe das Libélulas... Apertou o bolso que levava junto ao peito, onde agora guardava o lenço que Cat lhe dera em seu décimo segundo aniversário.




Antes de partir de volta aos Dedos, confuso e estonteado pelos acontecimentos recentes, sem ainda ter tido tempo sequer de digeri-los, a última coisa que Petyr fizera, na aldeia próxima a Correrrio em que se recuperou de seus ferimentos, fora descobrir que, por alguma razão desconhecida, o lenço que Cat um dia lhe dera, com toda sua afeição, encontrava-se na sua cabeceira. Lysa dissera na carta que a menina não o tinha visitado, e ela certamente não o entregaria; morria de ciúmes de Cat, e detestava averiguar a afeição e amor que Petyr sentira sempre por sua irmã, ao contrário de seus sentimentos por ela. Também Brynden não o entregara nada na única visita que o fez, antes de descobrir que Lysa tinha engravidado de um filho seu. Fora o suficiente para o “tio” obviamente rejeitá-lo. Família, dever, honra... Creio que “tio” Brynden considera que seu antigo “filho” veio a falecer, depois de ter recebido tal notícia. Baixou os olhos para a água. Brilhava cinza, prateada. As ondas iam e viam, ritmadas, e a chuva feria a superfície do mar, com pequenas gotículas caindo infinitamente. O cais estava mais próximo agora, e conseguia vislumbrar a silhueta de um homem atarracado e encurvado à distância. Pai?





A galé parou. O capitão gritou rudemente, avisando a “tripulação” de que chegara ao destino. Só aceitara levá-los aos Dedos por ter recebido pagamento adiantado, e Petyr teve a sensação de que zombara de si quando virou-lhe as costas. Se eu sou piada até para um marinheiro cheio de pulgas e escorbuto, consegui cair mais ainda.




O criado descera a sua frente para ajudá-lo, caso o caminho fosse instável. Petyr começou a lembrar vagamente de qual madeira pisar, qual estava mais apodrecida do que a outra, e assim que levantou o olhar, seu pai fora recepcioná-lo.



Ali, parado a sua frente, usando uma capa longa de lã para proteger-se da chuva, com as rochas íngremes e inférteis dos Dedos atrás de si, Lorde Baelish apresentava-se mais velho e encarquilhado do que nunca. Os anos em que Petyr passara em Correrrio pareceram que foram suficientes para significar um longo inverno para ele. Sua pele estava enrugada, seus dedos, de unhas amarelas, finos e frágeis; seu corpo, magro, aparentemente de ossos fracos, com algum desvio de coluna em formação. Petyr sentiu-se mais melancólico ainda. Aparentemente, a morte de Alayne havia sido um grande baque para seu pai.




Mas o que mais o chocou fora o olhar de seu pai; não se lembrava muito dele, de fato, porém sabia que era um homem simples em gostos e modos, e de afeto sincero, embora fosse simultaneamente reservado. Não levava muito jeito para conversas, tampouco para demonstrações de afeto, mas tinha um sorriso honesto e olhos negros que eram cheios de calor. Dessa vez, Petyr não enxergava nada neles. Seu pai fitava-o longamente, mas Petyr não percebia emoção em seu olhar. Tampouco seu rosto mostrava sequer um esboço de sorriso. Terão as notícias recentes o transformado no mesmo que eu?





– Petyr. Há quanto tempo. – Lorde Baelish pronunciou as palavras sem nenhuma emoção aparente, e manteve seus olhos nos de seu filho, estudando-o.




– Olá, pai. Gostaria de tê-lo trazido algum souvenir de meus antigos hóspedes, pena que não me foi permitido. Talvez alegrasse nosso “castelo” se pendurássemos uma das horrendas tapeçarias dos Tully nas paredes do salão térreo. – Sorriu com sarcasmo.




– Continua dado as graças e pilhérias. Pena que ultimamente nada me tem animado o espírito. Muito menos saber que meu filho estragou uma aliança que suei para conquistar durante a Guerra dos Reis de Nove Centavos. Minha única conquista decente em vida. – Lorde Baelish continuou ali, estático, tão cinza quanto o dia e a terra miserável da qual era senhor.





– Bem... Ao menos gerou um filho que quase manteve-se vassalo de Lorde Tully. – Sorriu em desafio, provocando o pai. Não voltou para aquela terra para ser destratado, e estava cansando de fazer o papel de vítima. A vida pisara nele tanto quanto pisara em seu pai, mas Petyr se recusaria a tornar-se o mesmo velho cansado e derrotado pelos anos que este se tornara.





– Senhores. – O criado interrompeu. – Creio que Kyra nos espera lá dentro, certo, Senhor Baelish? Se me permite, acredito que a saúde de ambos está frágil demais para continuarem parados no frio e na chuva. Que tal entrarem e se aquecerem um pouco, de modo que eu e os outros criados possamos lhes ser de maior utilidade? – Via-se que o homem, embora simplório, não era nada tolo. Pressentia uma tempestade pior por vir do que aquela que caía por sobre as suas cabeças.





– Muito bem. – Lorde Baelish assentiu. – Entraremos. Conhece o caminho, Petyr. – Virou-se, e foi caminhando escoltado pelo criado.





Petyr sentiu a raiva crescer dentro de si. Se era essa a recepção que merecia, bem, seria o filho que seu pai também merecia por isso. Acreditara que seu pai o recepcionaria da mesma maneira melancólica, porém afetuosa, da vez que se despedira dele, mas também viera preparado para o pior; sabia que Lorde Baelish também sentia seu orgulho pisoteado, e estava rancoroso da falta de contato de Petyr durante todos esses anos. O rapaz não respondia suas cartas, e ele só recebia notícias de seu filho por intermédio de terceiros. Petyr não o respondia porque sentia-se abandonado pelo pai. Sabia que queria proporcionar-lhe um futuro melhor, mas não conseguia perdoá-lo por tudo que era maltratado em Correrrio.





Foram caminhando pela grama suja de lama e de dejetos de ovelha. Estas se escondiam nas rochas íngremes e nas poucas árvores daquela terra, tentando escapar da chuva que caía, agora torrencialmente. Chegaram a uma porta dupla feita de madeira simples, a qual o criado abrira; Petyr subitamente teve mais lembranças da sua antiga terra, e de sua primeira infância. A lareira do salão térreo ardia, e um cheiro de bosta de ovelha infestava o cômodo em que se encontravam. Lorde Baelish da Bosta de Ovelha... Soltou um riso de baixo volume. O “castelo” dos Dedos era uma mera torre de pedra, na qual constavam alguns andares e uma escada em espiral, e cada andar detinha um cômodo apenas. Seu quarto costumava ser no último andar da torre, junto da “biblioteca”: três estantes com livros mofados, cheios de traça e poeira. Desde muito pequeno, Petyr apreciava a leitura. Seu pai gabava-se da inteligência do filho, que aprendera a ler sozinho em torno dos quatro anos de idade. Talvez hoje em dia não se gabe de mais nada...





Olhou para a parede dos fundos, e via que lá, ao lado da escada em espiral, pendia a tapeçaria com o titã de Braavos, símbolo da Casa Baelish, adotado por seu bisavô. Repulsivo. Petyr nunca gostara do símbolo. Julgava-o pouco criativo e apropriado, e acreditava que se o próprio Titã soubesse da Casa que fazia uso de sua imagem, engoliria toda a terra dos Dedos em repúdio. Por isso dizia a Cat que sua casa não tinha símbolo. Cat.... Lembrou-se do dia em que ela lhe perguntara qual era o símbolo de sua casa, e este dissera que não o tinha. A menina se apiedara e entregara-lhe um tejo, o pássaro das cem línguas, muito comum nos Dedos e na maioria das regiões de Westeros. Dissera que era um pássaro inteligente e gentil, como ele. Petyr sorriu com a lembrança. Foi depois disso que tomou coragem para tentar roubar-lhe um beijo, e conseguira, mas ainda era uma pequena criança inocente naquela época...




Foi acordado de seus devaneios por Kyra, a criada-cozinheira-faz tudo gorducha que se aproximava e lhe dava um abraço apertado. – Como cresceu! Fiz um cordeiro assado do jeito que você gostava, quando era deste tamanho. – Fez um gesto com as mãos que indicara a altura de Petyr criança, quando ainda morava nos Dedos; sua altura batia mais ou menos na cintura da velha mulher. – Deve estar com fome da viagem. Está um lindo jovem. Todas as moças dos Dedos vão desmaiar quando virem-no!




Petyr sorriu com o comentário. Moças dos Dedos... Talvez tivesse mais desejo de foder uma ovelha. Com o passar dos anos, adquirira certa repulsa, ao invés de saudades, pela terra onde morava. Parecia que, pelo fato de ser um pobretão mal nascido, era daí que surgia a origem de tudo de errado que acontecia na sua vida.





Almoçou, junto de seu pai e alguns criados de confiança. O pai não detinha escudeiro, tampouco serventes como Meistre e outros de verdadeiros senhores. Petyr percebia claramente que ser um senhor dos Dedos era a mesma coisa que ser um aldeão qualquer, só que com uma renda ligeiramente maior. O que eu faço agora? Começou a se sentir nervoso, pois não havia perspectivas maiores em seu caminho.





O dia passou, e com ele, vieram outros. Seu pai foi lentamente perdoando seu filho, mas Petyr continuava com o coração gélido e distante. Cansara de se ferir por conta dos outros, e agora se escondia no fundo da sua alma, solitário. Passava os dias lendo e estudando, ansiando por cartas, uma vez que seu pai ainda se correspondia com Brynden, embora este tivesse cortado os laços com Petyr. Talvez, Petyr pensava, o “tio” tivesse compaixão pelo pai, abandonado com um moleque lascivo e astuto, sem esposa, perdido numa terra miserável cercada de mar e rochas.





Os dias se tornaram semanas, e, com a passagem delas, meses. O inverno estava chegando, diziam as cartas, e sussurros de guerra pairavam no ar. Petyr detestava tal ditado. Lembrava-o da família que mais odiava, os Stark. No momento presente, o rei Aerys III recebera a alcunha de Rei Louco, e havia murmúrios de que queimava pessoas vivas nas profundezas da Fortaleza Vermelha. O tempo estava mais frio, assim como as notícias que chegavam, de gelar ossos e espírito.





Uma vez, porém, seu pai chamara-o para ler uma carta. Estava mais caloroso com Petyr, à sua maneira. Petyr subira até os aposentos de seu pai, que estava enrolado em uma manta, parecendo um velho adoentado, segurando um papel em suas mãos. Sentava-se em uma cadeira de balanço recostada perto de uma das janelas. Petyr lembrava que sua mãe era apaixonada por tal cadeira. Costumava sentá-lo em seu colo quando muito criança, e cantava-lhe canções de ninar para que assim adormecesse. Reparou agora que o quarto fora muitíssimo pouco modificado desde que voltara. O pai guardara com afã minucioso todos os objetos, e até trapos e lixos que pertencera à sua mãe. Sente a falta dela... Como sinto a de Cat. Mas não se permitiria pensar nela agora, não nesse momento, em que sua vida se tornara um limbo. Seu pai chamou-o com um gesto, e o rapaz se aproximou.





– Leia, Petyr. Creio que será... De seu interesse. – Entregou-lhe a carta em mãos, ao que o rapaz, curioso, prontamente começou a ler.





“Caro Lorde Baelish,





É com grande pesar que escrevo esta carta. Gostaria de poder mandar-lhe notícias mais felizes. Informo-o que minha família encontra-se em severo luto, e preocupada com o futuro de nossas meninas. Brandon Stark estava a caminho de viagem para Correrrio, quando lhe chegou a notícia de que seu pai fora capturado pelo Rei Aerys III. Imediatamente, partiu para a Fortaleza Vermelha, para saber do que se tratava, e tudo o que sabemos foi que o homem fora acusado de traição, e queimado vivo na frente de seu próprio filho. O rei prendera-o de tal forma para assistir a execução, que Brandon acabou por matar-se ao tentar se desvencilhar e salvar a vida de seu pai, enforcando-se em suas correntes. Tememos pelo futuro de Westeros. A guerra, agora, já começou. A nossa pobre Catelyn perdeu o noivo antes mesmo de ser desposada, portanto arranjamos as pressas que se case com o irmão mais novo de Stark, chamado Eddard. Tememos que a guerra o chame também, mas precisamos honrar nossos acordos. Preocupamo-nos com Lysa, cuja saúde está cada vez mais frágil, e eu e Hoster pensamos que seja melhor casá-la um quanto antes com Jon Arryn, enviando-na para o Ninho da Águia, onde ficará a salvo da guerra que se aproxima de todos nós.




Espero sinceramente que as coisas nos Dedos estejam de melhor ventura que aqui em Correrio.



Atenciosamente,


Brynden Tully”


Agora? Petyr não sabia se pulava de felicidade ou se amaldiçoava a tudo e todos pela notícia atrasada. Deixava-o incrivelmente feliz pensar que Catelyn não mais iria se casar com o homem que a roubara de si, mas a ideia de que ela passasse para as mãos do irmão mais novo, como uma mercadoria rara a ser vendida, o deixava bastante enojado também. Talvez morra mais cedo do que a chegada da próxima carta. Desejou com força, cruelmente.




– Sinto muito, pai. – Sorriu um sorriso falsamente comovido. – Espero que Lorde Tully esteja bem.





– Filho... – Lorde Baelish aparentemente iria começar algum discurso, mas desistira no meio. Satisfez-se apenas em estudar Petyr com os olhos, longamente. – Eu me lembro de quando aquele tal profeta de uma das cavernas de nossa terra me disse que você seria um grande homem. O presente é um tempo instável, e o futuro mais ainda. Acredite... Sua vida não terminará aqui. Comigo, sozinho.





Petyr sentiu-se dessa vez ligeiramente comovido verdadeiramente, e se ajoelhou, tomou os dedos da mão do pai e o beijou onde usava um anel de pedras preciosas. – Não vou decepcioná-lo. Não pretendo, acredite. – Sorriu enigmaticamente, o que pareceu agradar o pai, que soltou um riso sem som. – Agora irei deixá-lo descansar.





Saiu do quarto do pai, e subiu rapidamente os degraus até os seus aposentos. O sol se punha no horizonte, e do último andar da torre podia-se ver o contorno do mar. A luz do sol poente refletia-se na superfície marinha, que brilhava, azul e prateada. A cor dos olhos de Cat... E quase a mesma profundidade.





Petyr pôs-se a trabalhar em uma carta para Cat. Rasgou o papel, pegou outro e reescreveu-a milhares de vezes, até sentir-se satisfeito com o resultado. Quando deu por si terminado, já era tarde da noite. Uma coruja piava na sua varanda, e interpretou isso como um bom sinal. Assim como as notícias de hoje. Releu a carta, uma última vez.





Cat,





Gostaria de poder dizer que sinto muito por Brandon, mas nós dois saberíamos que isso não é verdade. A verdade é que eu sinto muito, mas apenas por você. E por nós.





Os anos podem passar, mas eu não me esqueço de tudo o que vivemos. Lembro-me dos seus sorrisos, lembro-me da cor dos seus cabelos, lembro-me de você criança, lembro-me de você moça. Lembro-me de quando nos conhecemos, de quando a vi pela primeira vez; lembro-me das nossas brincadeiras e travessuras. Dos seus segredos de menina. De como, embora tenhamos crescido nunca nos separamos, na verdade. De como sempre conversávamos, e como compreendiamo-nos mutuamente. Dos seus sorrisos tímidos. Dos seus sorrisos travessos. Do seu riso e do seu choro. Lembro-me de como éramos unidos. E de como nunca a esqueci, nem por um segundo. Eu penso em você, e sei que a jovem senhora Catelyn de agora é a mesma Cat com a coroa de flores em Pedravelha, mas esta só eu vi e conheci. E amei.





Eu vejo o pôr-do-sol de outono refletir-se na superfície do mar, e a cor, juro é idêntica a dos seus olhos. Um azul cerúleo, a mesma cor do céu, do céu limpo de Correrrio, que por sua vez se refletia nos rios que foram cenários de nós dois. Testemunhas do que vivemos. Eu olho para o mar, agora, e vejo seu brilho prateado, o brilho dos lindos olhos que sempre amei e amarei.





Portanto, esta carta será a minha última tentativa. Não mais haverão duelos, ou brigas, nem dramas. Apenas peço-lhe que leia, e reflita. Stark é um homem morto; a guerra se aproxima, e ele será convocado. Muito provavelmente terá o mesmo destino que seu irmão. Deseja se tornar viúva tão cedo? E mais: esse homem do Norte, irmão de seu prometido, o qual de fato nunca sequer a viu em toda a vida: o que ele conhece de você? O que ele ama em você? O que ele admira em você? O quão bem ele lhe compreende?





Pense bem, Cat, e responda-me, sinceramente, com o mesmo fervor que lhe escrevo esta carta, se é este o casamento que você realmente deseja. Não desonrará sua família recusando-se a se casar, ainda mais com um homem com os dias contados. Li a carta de Brynden, e estou ciente dos fatos além da minha terra.









“Eu amei uma donzela linda como o outono, com o pôr-do-sol nos seus cabelos.”








 




Ps: ainda guardo o lenço que me deu. Seguro-o agora, junto ao peito, enquanto escrevo esta carta.






Com todo meu amor,

Petyr”

Engoliu em seco e lacrou a carta. Seria sua última investida, e, depois disso, já tinha seu caminho decidido em sua mente. Veremos qual será sua escolha, Cat. Apertou com força o lenço, como se rezasse uma prece pelo amor de sua Catelyn.




Os dias passaram, tornaram-se semanas, meses, e Cat não respondera. Não sabia se fora por vontade própria ou porque a carta havia sido extraviada, mas aguardava pacientemente, antes de fazer seu próximo movimento planejado. Tudo depende da resposta...



A guerra se confirmava além dos Dedos, e a cada dia os barqueiros e mercadores que passavam pelos Dedos traziam rumores diferentes; rumores de sequestros, de rebeliões e de alianças improváveis. De possíveis traições e histórias fantasiosas. Petyr, porém, aprendera a separar o joio do trigo. Fazia contato com tais homens, e extraía da sua imaginação infantil e falácias a verdade que havia por trás. A guerra de fato se consumava, mas ainda estava apenas começando. Robert Baratheon assumira-se o líder por trás da rebelião, e agora juntava forças com grandes senhores ao longo de Westeros, insatisfeitos com o governo do Rei Louco.



Em uma dessas manhãs, voltando para casa para almoçar com o pai, Petyr foi informado pelo criado de que Lorde Baelish desejava vê-lo em seus aposentos. Assim, subiu as escadas até o quarto do pai, e encontrou-o na mesma posição de quando lera a carta de Brynden. Dessa vez estava em pé. Não fez rodeios e entregou-lhe a carta sem maiores palavras. Petyr tomou-a, também em silêncio, e pôs-se a ler.




Caro Lorde Baelish,





Correrrio continua neutra, por enquanto. Certamente, se formos convocados, apoiaremos Baratheon contra o trono. O jovem mostra-se impetuoso e brilhante em batalha.




Quanto a Cat, esta consumou seu casamento com Ned Stark, e agora ambos vivem em Winterfell. Robert Baratheon planeja chamá-lo para participar da luta principal, a qual não me demorarei em detalhes caso a carta seja extraviada. De fato, não há muita necessidade de discrição, uma vez que o reino encontra-se em guerra declarada, mas detestaria arranjar-lhe problemas por conta de uma simples correspondência.



Já Lysa também se casou, esta com Jon Arryn, e recentemente mudou-se para o Ninho da Águia. Confesso que é uma pena vê-la casada com um homem tão idoso, porém sei de seu valor. É um grande senhor, honrado e leal. Lysa dará a ele filhos fortes, capazes de tornarem-se futuros senhores do Vale e Protetores do Leste. Eu e Hoster estamos felizes pelo destino das meninas. Edmure é ainda muito novo, e não precisamos preocupar-nos agora com sua sucessão, pois as filhas mais velhas já estão casadas.



Espero que tudo esteja correndo bem nos Dedos. Hoster gostaria de escrever-lhe pessoalmente, mas devido aos... Incidentes, e também aos inúmeros afazeres agora que o Reino se encontra caótico, acha melhor manter uma certa distância, por enquanto. Sei que compreende, e somos gratos por isso.



Atenciosamente,


Brynden Tully."

Então era essa a resposta de Cat. Esforçou-se para não rasgar a carta, e entregou-a de mau jeito para o pai. – Com sua licença. – Saiu rápido do quarto, e dirigiu-se aos seus aposentos.

Petyr tomou papel, pena e tinta nas mãos, e estava repleto de um tênue ódio frio e controlado. O mesmo companheiro que tinha, na época que invejava e odiava Brandon, por querer roubar-lhe Cat. Escolhe Ned Stark? Farei também minhas escolhas, querida. Não deixaria que outro Stark pisasse por cima de si. Não mais. Nenhum Stark, e nenhuma outra pessoa.

Sentou-se em sua escrivaninha, e começou a redigir outra carta. Dessa vez para Lysa. Já tinha tudo planejado há tempos.

“Querida Lysa,

Dói meu coração saber que está casada com Jon Arryn. Sinto muito por seu horrível pai tê-la obrigado a casar-se com um homem mais velho até mesmo do que ele. Mas eu sei, oh, como sei, como seu pai e familiares são desprovidos de coração. Mas eu não sou assim, e você também o sabe. Lembro-me da nossa infância, de quando brincávamos no Bosque Sagrado de beijos, e você me disse que eu tinha gosto de menta. Você tinha gostos de morangos, e era tão linda.

Lysa, nesse meio tempo em que passei em minhas terras, confesso: tenho muitas saudades suas. Descobri que a amo, querida, desejo-a desesperadamente. Não é mais Cat quem desejo, mas sim você, a única com quem deitei-me, a única que realmente descobri o que era amor. Agora sou eu que peço que aguarde a oportunidade para que possamos nos encontrar, e finalmente consumarmos novamente nosso amor verdadeiro.

Esconda essa carta de tudo e todos. Com o passar das correspondências, escreverei também informações sobre minha família para que possa encobrir melhor nosso contato. Enquanto isso MANTENHA SIGILO ABSOLUTO.

Do sempre seu,

Lorde M.”

Petyr estava satisfeito com o resultado. Sabia que enganaria Lysa com isso, e, feitos os devidos cuidados, não seria perigoso enviar tal carta. Não se identificava, apenas colocara o “M” de Mindinho para que a burra moça pudesse ter mais uma pista, além da memória de infância dos dois. Colocaria o selo de seu pai na primeira carta, e as próximas enviaria anonimamente, de forma a não se comprometer.

Saiu a passos largos do “castelo”, e buscou o “carteiro” local, um homem que cuidava dos corvos. Deu-lhe uma grande quantia em prata, e pediu-lhe que enviasse a carta ao Ninho da Águia, para Lysa Arryn, em vias de congratulá-la. – Com os cumprimentos de Lorde Baelish, pelo casamento. - Deu ao homem um sorriso e se afastou. O carteiro já era seu, assim como muitos mercadores e marinheiros que aportavam nos Dedos. Com o dinheiro necessário e as palavras certas, fazer homens de marionetes era um trabalho fácil. Ao menos, por enquanto.

Voltou ao “castelo” e encontrou seu pai sozinho jogando xadrez. Aproximou-se e juntou-se a ele, acompanhando a partida. – Serei o lado negro, já que está perdendo. - Começaram a jogar, e em poucos turnos, Petyr já virara o jogo a seu favor, para a surpresa do pai.

– Você aprendeu a jogar xadrez em Correrrio, filho? – Perguntou animadamente Lorde Baelish.

– Oh, sim. Isso, e muitas outras... Lições. – Petyr sorriu o seu sorriso, o qual os olhos não acompanhavam.

– Oh, fico feliz por isso. – Lorde Baelish sorriu, e contra-atacou a jogada de Petyr.

– E deveria. Aprendi muito, realmente. E algo interessante... O xadrez é um tanto como a vida, pai. É sempre possível ganhar, basta apenas saber antever as jogadas dos outros jogadores.

– É mesmo? – Seu pai agora olhava-o, entre a desconfiança e a curiosidade.

– Claro. E você estava certo em dar o vinho ao profeta dos Dedos, pai. Lembro-me desse dia. Creio que de fato não é muito tarde para que eu me torne um grande homem. – Moveu a rainha para a frente do rei branco de seu pai, e deixou-o finalmente encurralado por todos os lados. Caso movesse-se para a diagonal esquerda, seu bispo atacava-o. Na horizontal para trás, a torre. Um cavalo a quatro passos do rei estava, caso movesse-se para a direita, e a rainha cobria agora a sua dianteira, o último movimento.

– Xeque-mate. – Sorriu.


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Notas finais do capítulo

Capítulo meio longuinho, mas espero que tenham gostado. :D