Kuroi Torikago escrita por MayonakaTV


Capítulo 2
II- Corvinus


Notas iniciais do capítulo

Atrasei, oba. n
O título do capítulo provém da música de mesmo nome, do meu queridíssimo ASAGI. e ♥



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Mana não esperava ver tanta gente no velório. Arrependeu-se de ter ido. Não gostava de se misturar à multidão, ainda mais quando a multidão em questão estava ali para honrar a memória da pessoa que mais odiou em vida.


Em meio a tantas roupas negras, mesmo a absurda e fora de época capa do ornitólogo¹ não chamava a atenção. Não que a sensação de não ser notado o incomodasse, apesar do clima de morte que se abatia sobre o ambiente, não diferia muito dos ares a que sempre fora exposto durante a curta vida em família. De qualquer forma, ainda era bom ver que o lugar estava cheio. Não queria se arrepender de ter passado os dois dias anteriores gastando seu tempo, paciência e principalmente dinheiro ultimando os detalhes com a funerária.


Aproximou-se do caixão sem muito interesse, fitando os traços rígidos do rosto do falecido. Aquele ar sempre tão sereno e irritante, a cara de comportado que já o havia livrado de tantas diabruras na infância. Sempre lhe disseram que não eram parecidos, e ele concordava veementemente. O nariz de Asagi era de um tamanho simplesmente anormal a seu ver.


– Parece meio azulado, meu irmão. Sempre gostei desta cor, mas acho que não combina com você.


– Manabu! – Ouviu uma voz não muito grossa e particularmente irritante a chamá-lo. Cerrou os olhos por um breve momento, expirando devagar.


– Para me chamar por este nome detestável, só pode ser... – Virou-se, mantendo os braços cruzados frente ao peito e a inexpressividade no olhar ao confirmar de quem se tratava. – Masashi.


– Já faz tempo, meu irmão – Disse o moreno rechonchudo e sorridente. Não se preocupava em receber um abraço do mais velho, mesmo em anos sem vê-lo não se esquecera da falta de afeto por parte dele. – Quem esperava que Asagi fosse morrer tão cedo, não?


Na família de três garotos, Masashi era o último. Um moleque de dezessete anos e camiseta para fora da calça, ato de desleixo que fez Mana torcer o nariz. Por sua irresponsabilidade, havia sido mandado pelos pais para estudar no exterior. Avisado do funeral pelos diretores da rigorosa instituição onde fora trancafiado, como costumava dizer, conseguiu uma dispensa de alguns dias para que pudesse voltar à sua cidade natal e comparecer à cerimônia fúnebre.


– Uma fatalidade – Respondeu-lhe Mana sem esconder o tom de ironia na voz. – Estou profundamente abalado com esta terrível perda.


– Para mim nunca precisou fingir. Sei que o que lhe preocupa é o que virá depois.


– Você continua um moleque irritante e indisciplinado. E também não emagreceu nada nos últimos anos – Encerrou a conversa dando as costas ao jovem.


Masashi apenas sorriu de canto, dando de ombros. Ele não havia mudado nada.


– Você, sua chatice e seu mau humor contagiantes...


Um homem muitíssimo bem apessoado (tendo apenas a gravata vermelha a quebrar a sobriedade do terno escuro) tentava abrir caminho entre a multidão. Trazia pela mão um garotinho de não mais que quatro anos, caminhando desajeitado sobre seus lustrosos sapatinhos negros. A meia branca chegando aos joelhos e a pequena camiseta social por dentro do short escuro. Os olhos amendoados e severos se pousaram na figura imponente do ornitólogo e, após dizer algo à criança que assentiu breve, o homem passou a caminhar na direção de Mana que, fingindo-se de alheado, tentou se desviar e sumir por entre os convidados.


Tola tentativa. Quando menos esperou, a pesada mão do homem tocou seu ombro, fazendo-o parar. Tendo na face sua melhor expressão de falsa simpatia, Mana se virou em direção ao outro.


– Posso ajudá-lo em algo, senhor...?


– Yoshiki Hayashi, do conselho tutelar – Disse polidamente o homem. – Sr. Manabu, certo? Sinto por tratar destes assuntos agora, mas já fui inform--


– Pois então não trate. – Interrompeu-o Mana, ríspido.


– Creio que não haverá outra chance de conversarmos, uma vez que sou o responsável por Kaya-kun e logo menos terei de realizar uma viagem importante.


– Então é você – A rispidez com que Mana se dirigiu ao menor fez com que este apertasse com mais força a mão de Yoshiki.


– Kaya-kun... – Começou o homem, acariciando os cabelos ondulados do garotinho que mal alcançava a linha de seus quadris. – Talvez você não se lembre, mas este é seu tio Manabu.


Mana – Corrigiu prontamente o maior, de nariz empinado e encarando o menor de cima. O garotinho escondeu-se atrás das pernas do homem, que se apressou a consolá-lo.


– Daqui a alguns dias, é com ele que você vai morar.


– Nunca concordei com isto.


O tecido da calça de Yoshiki foi apertado entre os dedinhos do garoto que, visivelmente amedrontado pelo tom de voz ameaçador do tio, não demonstrava a mínima vontade de chegar perto dele.


– Poderia mostrar um pouco mais de compaixão pelo pequeno, Sr. Mana. Já é bastante difícil para ele não ter mais a presença da mãe, e ter visto o pai morrer.


– Asagi sempre foi um irresponsável – Disse Mana, sem emoção alguma. – Agora me inventa de morrer e me deixa esse pirralho como herança.


“Como ele é frio" pensou Yoshiki, assombrado. "Fala como se quem tivesse morrido fosse um gato de rua e ele tivesse jogado o corpo em um terreno baldio qualquer.”


– Como pode ver, é um momento de muita tristeza – Olhando ao redor, postando nos lábios um meio-sorriso cínico. – Para os outros. Então, em respeito a eles, acho bom que tratemos deste assunto mais tarde, sim? Até mais ver. – Sem dar ao mais velho tempo de dizer algo sobre a criança, parecendo ler sua mente, lançou-lhe uma última frase a respeito do sobrinho. – Mantenha-o longe de mim até que a justiça decida a data da mudança.


Vencido pela aspereza alheia, o assistente social tomou novamente a mãozinha do garoto e o conduziu para longe dali. Em poucos minutos, o caixão de Asagi seria levado para o respectiva sepultura.





Portas enormes. Janelas enormes. Esculturas e quadros enormes.


Os olhos de Kaya não poderiam estar mais arregalados diante das proporções exageradas daquele ambiente tão rico. A casa do tio era infinitamente maior do que a em que crescera junto a seu falecido pai. Sentia-se cada vez mais diminuto perante a grandeza de tudo naquela casa fria e solitária à medida em que se embrenhava nos cômodos desta, sempre atrás da figura austera do mais velho e apressando os passinhos curtos no piso para que pudesse acompanhá-lo.


– E por fim – Disse Mana empurrando a última porta daquele tour pela mansão. – Este será seu quarto.


Ainda um pouco relutante, o garotinho adentrou o cômodo gelado. O cheiro de produtos de limpeza incomodava seu nariz, o lugar parecia ter sido limpo há pouco tempo e realmente tinha sido. Era um quarto pequeno e sem muitas regalias, mas ele, em sua condição de hóspede, não estava em vias de reclamar. Aproximou-se da cama, erguendo-se um pouco e deixando com certa dificuldade sua minúscula mala sobre o colchão. O móvel era alto e ele certamente demoraria um pouco a encontrar um meio correto de subir nele.


Os olhinhos foram atraídos pela escuridão do quarto, passeando por ela como uma tentativa de se localizar. Por mais que a luz do dia adentrasse a janela e iluminasse o ambiente, a madeira escura do guarda-roupa e da penteadeira se erguiam sobre ele como se quisessem devorá-lo e o assoalho, as paredes cobertas por um velho papel de parede de um verde claríssimo davam a sensação de que aquele cômodo há muito não era usado e tal pensamento o fazia lembrar do desprezo. Absorto em seus pensamentos, não conseguiu assimilar as palavras ditas atrás de si até o tom de voz do maior tornar-se repreensivo.


– Kaya, está prestando atenção?


A cabeça se voltou em direção à personificação do desprezo que haviam escolhido para ser seu tio. Assentiu breve, fitando-o sem dizer palavra alguma.


– Mas por que diabos lhe chamam de Kaya? Seu nome é Tatsuya, não?


Novamente o pequeno fez que sim com a cabeça.


– Pois é assim que será tratado. Esta casa tem regras – Continuou, antes que o pequenino pudesse por fim se pronunciar. – E é bom que não as descumpra.


Deu as costas ao menino, a grande capa esvoaçando e dando a impressão de ser uma enorme ave de rapina deixando o local após abater sua presa. Antes que desaparecesse no corredor, parou.


– Terá tudo o que precisar ao longo da vida – A voz firme atraíra o pequenino à porta para que escutasse com clareza o resto da mensagem. – Mas não espere de mim mais do que um cumprimento do meu dever.


As roupas fúnebres logo sumiram da vista, deixando o garoto sozinho em seus pensamentos de criança. Olhando todo o caminho que teria de fazer para chegar aos outros cômodos, perguntava-se por que razão seu quartinho tinha de ser justo aquele no final do corredor, tão longe de tudo. No prédio do conselho tutelar onde passara a última semana antes da mudança, todos eram gentis e pareciam gostar dele. Por que o tio Mana era diferente? Por que tinha tantas regras e se dirigia a ele com tanta frieza?


Lá fora, um agitar de penas negras sobre o galho de uma árvore chamou sua atenção. Tinha acabado de pousar ali um grande corvo, semelhante aos das figuras dos livros que seu pai costumava lhe mostrar. O brilho das penas do animal fez com que se lembrasse das roupas do tio. Eram tão iguais... Sim, o tio Mana era realmente uma ave. Um majestoso corvo que o odiava sem que ele tivesse aprendido o que realmente significava o ódio.


– Tio Mana... – Murmurou para si mesmo, choroso. – O que o Kaya fez?


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Notas finais do capítulo

1- Ornitólogo: Estudioso de pássaros.