Crescer escrita por Mariana


Capítulo 1
Capítulo 1




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Clara nasceu em um dia qualquer. Não lembro se chovia, se fazia muito calor ou qualquer coisa desse tipo. Na verdade, não me recordo de nada desse dia.

Como poderia?

Ao contrário do que se espera de uma situação normal, em que o pai babão e todo atrapalhado pega sua câmera de vídeo e demais parafernálias e corre para o hospital, às vezes esquecendo até a esposa grávida, eu não estava lá.

Como poderia?

Se mesmo hoje não sei ao certo o que eu fazia naquele instante, naquela época em que eu nem sabia sobre Clara, sobre ser pai, sobre tudo mais, como poderia me importar com coisa alguma?

Eu estava na minha casa... bem, na casa dos meus pais, sem fazer nada, como sempre, quando a campainha tocou. De bate e pronto não reconheci Joana, até porque ela me parecia uma figura meio fácil de lembrar. Muito bem vestida, blusa, saia, bolsa e sapato alto de marcas famosas. Se tivesse um chapéu e luvas seria uma daquelas personagens de filmes antigos. Só que no lugar no chapéu e longa cigarreira havia um bebê.

Sim, uma pequena criança toda enrolada em uma manta. Ela agarrava  o bebê firmemente, como se aquilo a mantivesse em pé. Era uma situação bem desconcertante, nada daquilo combinava com a rua de classe média baixa em que eu morava e aquela criança definitivamente não combinava com a mulher, mas ela mantinha o bebê fortemente agarrado como se ele pudesse escapar ou algo assim. 

Ela olhou pra mim, olhou pra casa, olhou pra rua, olhou pra mim de novo e balançou a cabeça. 

― Vamos, precisamos conversar, mas acho que é melhor em outro lugar. – ela disse já caminhando para o carro. 

Obviamente não havia razão para eu ser sequestrado por alguém como ela e, apesar da memória não ajudar, eu sabia que conhecia aquele jeito mandão de algum lugar.

Então entrei no carro com ela e o bebê e fomos até uma cafeteria aparentemente frequentada só por pais de crianças pequenas. Nem sabia que existia um lugar desses, mas em São Paulo pode se esperar qualquer coisa.

Não que eles proíbam você de entrar caso não tenha uma criança ou algo assim. Mas se você estiver lendo o seu jornal e uma ou várias delas estiverem correndo por todos os lados, pedindo as coisas, reclamando, fazendo barulho, sujeira e essas coisas normais, você não pode nem pensar em olhar com uma cara feia.

Enfim, quando chegamos lá, Joana perguntou se eu me lembrava dela e eu tentei disfarçar, tentei engasgar, mas no final tive que admitir que não, não me lembrava exatamente quem ela era, mas sabia que a conhecia de algum lugar. Então ela me perguntou se eu me lembrava do curso de motorista e, bem, tudo ficou claro.

Até demais. 

Mais ou menos um ano atrás, eu estava com dezenove anos, sem emprego, não estava fazendo uma faculdade. Enfim, estava “perdido na vida”, como diriam meus pais. Não é que eu não quisesse fazer uma faculdade, eu até gostaria. O problema é que eu não sabia o que eu queria fazer para o resto da minha vida e essa é uma decisão bem séria para se tomar. Não é algo que você pode escolher tão facilmente só porque é bom em fazer contas, ou porque gosta de animais. 

Eu não sabia o que queria fazer e meus pais não aceitavam isso. Então meu pai insistiu que eu pelo menos tivesse uma carteira de motorista, porque na cabeça dele isso me ajudaria a conseguir algum tipo de emprego. E para conseguir a tal carteira, um dos pré-requisitos é passar uma semana assistindo a umas aulas bem sem graça sobre placas, primeiros socorros e outras coisas.

Foi nessa semana que eu conheci Joana. Ela era uns dez ou quinze anos mais velha que eu e tinha perdido a carteira por ter sido pega bebendo e dirigindo.

Isso mesmo, ela não estava só bêbada quando o policial a parou, ela tinha meia garrafa de uísque no meio das pernas e tomava sempre que parava nos semáforos. Enfim, ela teve de tirar novamente a carta, e estava sem cigarros na primeira noite e eu tinha um maço cheio.

Ficamos amigos, começamos a conversar, uma coisa leva a outra e naquela semana tivemos um lance. E, pelo andar da conversa essa é a parte da história em que ela diz que uma coisa leva a outra e tivemos um bebê. 

E, quando meus olhos abriram como se fossem saltar do meu crânio, minha boca encolheu a ponto de eu não poder falar nada e minha minhas pernas amoleceram o suficiente para eu não poder fugir, ela disparou:

― Então, pelo visto você se lembrou, de mim, do curso, e, bem... essa é Clara, nossa filha. 

Eu não sabia o que dizer. Não sabia o que pensar, não sabia o que uma mulher como essa poderia querer de um cara como eu. 


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