Bento.

Amor, morte... É, devia ter alguma semelhança entre os dois. Como se fossem primos ou até mesmo irmãos. A morte e o amor. E eu era a prova disso.

Pelo visto, eu havia esperado muito tempo mesmo. Havia morrido, provavelmente naquele dia no lago, e mesmo assim continuei esperando, esperando alguém que eu pudesse amar.

É, podem dizer o que quiserem, mas o amor vence a morte.

Sempre.

Não só a morte corporal, mas a da alma também. Vence a tristeza, a solidão, o medo.

E agora eu deveria descansar em paz. Já havia "vivido" o amor. Estava na hora, não é? Mas eu não queria. Não queria deixar Kátia sozinha.

Não podia.

Não tinha forças pra me afastar dela. Simples assim.

Kátia não estava bem. Às vezes eu ia vê-la, escondido. Ela vagava sozinha pelos corredores da casa ou se sentava perto do lago. Não falava com ninguém e dava para perceber que ela andara chorando muito.

Ela não falava nem com a prima nem com o tal Renato.

Mas ele a procurava. Puxava conversa e ela logo se desviava. Idiota. Será que ele ainda não havia entendido o meu recado?!

Eu tinha vontade de procurá-la novamente. Abraçá-la, beijá-la. Tudo de novo. Mas eu não tinha coragem.

E o tempo passou...

As férias já estavam no fim. Logo chegaria fevereiro e ela iria embora. De novo.

Mas não aconteceria como na última vez. Eu não a deixaria escapar entre os meus dedos!

Criei coragem e resolvi vê-la.

_Bento... - ela sussurrou quando apareci.

Sorri.

_Desculpe... - disse sentando-me ao seu lado.

_Senti sua falta. Demais.

Ela abriu um largo sorriso e se inclinou para me beijar.

_Kátia! O que você está fazendo?

Renato.

Ele não conseguia me ver, mas eu podia fazer uns estragos.

_Nada - ela falava tão baixo!

"Entre, princesa" - sussurrei no ouvido de Kátia.

_Não o machuque.

"Não... Prometo! Só quero que as coisas fiquem... Ahn... Menos difíceis."

_Não o machuque, por favor.

"Só vou assustá-lo um pouco"

Ela sorriu e dava para perceber que estava concordando.

_Rena, eu vou entrar um pouco. Espere um minutinho, ok?

_Beleza.

Kátia entrou e Renato sentou-se na varando.

Era noite e a lua, nova. Tudo estava estremamente escuro. Uma pessoa não conseguiria andar nem 10 metros sem uma lamparina... Ou melhor, uma lanterna.

_Deixe-a em paz - falei perto de Renato.

_Quem está aí?!

_Não interessa. Deixe Kátia em paz.

_S-só q-quero ser a-amigo dela!

_Nós dois sabemos que não. Se você não parar, eu prometo que vou te assombrar pelo resto da sua vida!

_Quem está falando.

Me concentrei muito e, pelo que parece ele conseguiu me ver.

_Bu.

Renato se levantou e saiu correndo e tropeçando até sua casa.

_Foi um belo susto! - Kátia apareceu rindo na janela - Gostei de ver! Meio clichê, mas, poxa, os clichês nunca saem de moda!

Segurei as mãos dela.

_Você não se importa? Ahn... Namorar com um fantasma?

_Quer saber? Não mesmo! Já disse que te amo.

Sim, ela havia berrado que me amava, na verdade. Mas eu fui covarde demais para ouvi-la.

_Acho que agora o Renato não vai te incomodar mais.

_É, talvez agora ele enxergue a Nicole, minha prima, sabe? Ela está louca por ele.

_E eu por você.

Nós nos beijamos. Na janela da sede da fazenda naquela noite de lua nova. O melhor beijo que você pode imaginar. Dava pra ouvir tudo o que ele queria dizer.

O amor.

A morte.

_Quero ficar com você - ela sussurrou.

_Já estamos juntos.

_Não... Quero ficar de verdade com você, Bento. Não é "até que a morte os separe"? Bem... Não estamos juntos.

_Então v-você...

_Eu estava pensando nisso... Em m-morrer, mas não tive coragem de fazê-lo.

Dava pra ver que  ela estava implorando.

Eu e Kátia. Juntos por toda eternidade. Não conseguia encontrar um melhor sigunificado para "descansar em paz".

_Eu o faço então. Amanhã a noite.

Ela sorriu e me beijou.

_Juntos. Por toda eternidade.

Ela disse como se lendo meus pensamentos.

_Em paz - completei.