Snow escrita por Julia A R da Cunha


Capítulo 4
O Labirinto




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— Você discutiu com o seu pai porque ele me xingou? — Perguntou Rose. Estávamos sentados no restaurante mais perto da escola. Enquanto vários grupos cheios de pessoas se espalhavam pelo recinto, nós dois ocupávamos sozinhos uma mesa, comendo em nossos pratos um pouco de pudim depois que já havíamos comido outras coisas, já que nosso almoço era ali. Havia também um pedaço de bolo de amora que eu particularmente estava criando uma afeição.

— Sim. — Respondi colocando mais uma garfada do bolo em minha boca. Então dei de ombros, terminando de mastigar. — Não me importa. Estava com raiva e foi merecido. Faz tempo que ele precisava de alguém falando isso na cara dele.

— E justamente por isso faz duas semanas que não conseguimos mais nos comunicar direito, não é, espertinho?

Ela riu e levou mais um pequeno pedaço do pudim à sua boca. Continuei olhando-a até que dei ombros novamente. Eu realmente não me importava com qualquer castigo que ele havia me dado, fora merecido e pronto. Enfim terminamos de comer a sobremesa e ficamos quietos, esperando toda a comida descer. Afinal, hoje até que havíamos exagerado. Cozido de carneiro com laranjas, purê de batatas, petiscos de camarão, seguidos pela sobremesa de pudim e bolo de amora.

Deve se perguntar como dois adolescentes de dezesseis anos bancam isso semanalmente, estou correto? A verdade é que minha mãe é umas das principais sócias do restaurante, e possui uma conta aqui, do qual ela deixa que comemos o que quisermos e deixar na conta que no final do mês ela pagaria. Simples.

— Quer andar um pouco? — Perguntou Rose.

— Pode ser. — Acenei então para o garçom, indicando a mesa e ele logo assentiu. Pegamos então nossas coisas, nos levantamos e saímos.

Não tínhamos um local exato para visitar agora. Apenas ficaríamos, como Rose mesma dissera, andando por aí, procurando algo de interessante para fazer. Enquanto andávamos soltávamos alguns comentários sobre as lojas que víamos, como: “Ei, olhe só isso aqui”, “Nossa, que coisa estranha”, e vários outros.

Algo que me marcara foi quando passamos na frente de uma loja de roupas unissex completamente escura. Rose lançou-me aquele seu típico olhar e sorriso indicando que algo estaria para acontecer, encostou a mão na maçaneta da porta de entrada e lá se foi ela. Não tive alternativa senão ir atrás.

Nunca havia visto um lugar como esse. Escuro, um tanto escuro, de modo que a visão que possuíamos era como se estivéssemos andando pela noite sem qualquer poste de luz aceso. Algumas pequenas lâmpadas, pequenas mesmo, se encontravam em alguns cantos, e era isso que dava aquela luz, incluindo os lasers vermelhos e verdes como de algumas casas noturnas de festas. E eram apenas essas luzes que indicavam as pequenas lantejoulas, purpurinas e confetes brilhantes que caíam do teto sabe-se lá de que lugar exato.

A minha frente podia ver os cabelos de Rose e ouvia-a exclamar coisas como “Oh!”. A nossa volta quase não havia espaço para andar em linha reta, apenas virando-se de lado algumas vezes, enquanto as várias plumas e casacos de pele surgiam nos nossos rostos. Só então percebi que uma música tocava no local, um tanto estranha, e só de ouvir um trecho sabia que não era nada recente, possivelmente de festas de anos atrás.

Somente depois de três minutos percebi o que aquele lugar e monte de roupas eram.

— É um labirinto! — Disse Rose entusiasmada.

A partir desse momento, ela apenas andava observando cada roupa, cada peça colocando perto de seu corpo e logo continuando a caminhada. Em um momento, percebi que uma pluma rosa havia parado em meu corpo, envolvendo meu pescoço. Primeiramente franzi o cenho olhando para aquilo, e depois arqueei uma das sobrancelhas olhando para Rose, que não parava de rir.

— Sério mesmo? — Falei. Isso apenas a fez rir mais ainda.

Ela segurou em meu braço e começou a me puxar seguindo os caminhos do labirinto de roupas. Enquanto andávamos, colocar peças de roupas um no outro tornou-se uma brincadeira, fora os confetes e milhares de partículas de purpurina colorida em nossos cabelos e pele. Parecíamos dois pavões, isso sim.

Rose usava agora um chapéu típico de passeios na praia que víamos algumas vezes quando falavam sobre o Distrito 4, um cinto de couro verde-limão que brilhava mais ainda na iluminação do local, e uma peruca roxa de cabelos longos e cacheados. Eu usava também um chapéu preto, mas este pequeno e um tanto tradicional, e uma jaqueta de pele, provavelmente lobo ou urso.

Depois de não conseguirmos mais parar de rir, e acharmos que o labirinto não terminaria... Foi quando chegamos em um espaço aberto, como um salão, mas nada grande, provavelmente do tamanho de minha sala, podendo abrigar umas trinta pessoas no máximo. Mas estava vazio, e quem vimos por lá era apenas uma pessoa.

Uma garota provavelmente um ou dois anos mais velha que nós dois. Nada alta, corpo magro com membros e traços faciais delicados e atraentes. Nariz fino, lábios finos, sobrancelha levemente arqueada e olhos extremamente azuis. Os cabelos possuíam algumas ondas negras. Usava uma simples calça legging preta, blusa regata azul com alguns brilhos mas nada demais, e uma faixa azul nos cabelos. Quando aparecemos, parando de rir aos poucos, fora ela quem sorriu.

— Boa tarde. — Falou. — Vocês são os primeiros de hoje, e... — Ela segurou um riso olhando para nós dois de cima a baixo. — Vejo que aproveitaram bem o caminho de entrada.

— Que lugar é esse? — Perguntei.

A garota olhou-me, dando de ombros. Ela saiu de trás do balcão do qual eu me perguntava se era um caixa ou um balcão de bebidas, e veio vindo até nós em passos lentos. Parou à nossa frente, pegando com as pontas dos dedos em cada peça de roupa que estava em nosso corpo. Levantou os olhos, parando em mim, ficando levemente séria. Parecia não ter ido tanto com a minha cara logo de início, mas para Rose, pude ver um pequeno sorriso brotando de seu rosto. Ficou um bom tempo em silêncio quando enfim, de repente, começou a assobiar em um ritmo um tanto animado. Assobiara o primeiro trecho da música, apenas olhando para nós, até que no segundo, Rose já começara a seguir seu ritmo alegremente.

Ao terminarem de assobiar o segundo trecho, o ritmo começou a tocar nas caixas de som. A garota pegou Rose pela mão, e as duas começaram uma espécie de dança, girando para cá e para lá, fazendo graça uma para a outra, rindo e pulando. Por fim, enquanto girava, a garota parou e olhou para mim, Rose logo depois.

— Vai ficar parado como um poste?

— Nem sei quem é você e onde estou. — Falei com um leve riso.

A garota revirou os olhos e bufou, mas ainda parecia segurar a empolgação do momento de dança.

— Klarissa Temple. E vocês, já que é pra falar de nomes?

— Rose e... — Rose começou. Ela sabia que não gostava de meu nome, e não sabia bem como responder, já que ela mesma mal me chamava por algum nome.

— Snow. — Respondi. Ela arqueou uma sobrancelha.

— Isso é o nome? — Foi minha vez de revirar os olhos.

Snow. — Repeti com mais força.

Ela levantou as mãos em forma de rendição e deu uns passos para trás, as sobrancelhas para cima. Ouvi-a murmurar um “Estressadinho” enquanto Rose se aproximava, segurando em minhas mãos.

— Ei, relaxa. Vem com a gente, vem. — Ela me puxou, de modo que meus pés quase me fizeram tropeçar em mim mesmo com o impulso para frente repentino. Logo me ajeitei, e fui andando. Rose começou a mexer o corpo levemente, jogando-se de um lado para o outro, e tentava me motivar a mover-me desse modo. — Vamos, se solte, Snow! Pelo menos desta vez. Estava tão solto no labirinto, tão relaxado. — Ela ficou me olhando, dançando levemente, esperando que eu fizesse o mesmo. As únicas coisas minhas que se moviam era o que ela mexia, mas desta vez um sorriso preenchia meu rosto. Aquela situação era tão estranha e fora do comum que chegava a ser engraçado. — Vamos. Por mim, vem. Solte-se um pouco.

Atrás dela, Klarissa apenas nos olhava com um pequeno sorriso em seu rosto, este cheio de um tanto leve de malícia, mordiscando a unha do dedão direito. Enfim soltou o dedo e foi começando a se mexer também, com calma e lentamente, assim como Rose.

Suspirei. Aquilo era estranho, não podia deixar de admitir. Mas sem qualquer alternativa, comecei a relaxar e deixar que ela não balançasse somente meus braços, mas o restante do corpo. Rose sorriu, começando a se mexer com mais velocidade e força, levando-me junto. A música novamente mudara, tornando-se mais lenta, apenas com a voz do cantor e um piano.

Passei então a ignorar Klarissa por ali. Isso só atrapalharia, e foi só assim que comecei a realmente me mexer. Sempre com os olhos em Rose. A dança foi fluindo, nós dois rindo, e passei realmente a acreditar que éramos somente nós ali. A música foi terminando, voltando a lentidão de antes e nós fomos também nos mexendo cada vez menos, até que paramos, um olhando nos olhos do outro.

— Que lindo. — Disse uma voz, trazendo-nos à realidade novamente.

Olhei rapidamente na direção de que veio. Lá estava Klarissa, e sabia que a voz era dela, mas agora um homem, parecido mas ligeiramente mais velho que ela, estava parado ao seu lado. Ele deu um sorriso.

— Jovens...


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Notas finais do capítulo

Aqui vão as músicas que estariam tocando para poderem imaginar bem:
Primeira música, de quando entram na loja: http://www.youtube.com/watch?v=VdxP-Aty2GI
Assobio: http://www.youtube.com/watch?v=CG8pTm82NF0
Música lenta do fim: http://www.youtube.com/watch?v=ApFrDPDJU64