Marcas Da Morte escrita por Cavaleiro Branco


Capítulo 19
Entrelaço


Notas iniciais do capítulo

E aqui está:



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Noite de 5 de Abril

A névoa estava bem fria naquela noite.

Era densa, branca e cinzenta, tenebrosa. Misturada com todas as luzes da cidades da Baía de São Francisco, parecia uma nuvem feita de minúsculas partículas de ouro. Mas, em certos pontos, parecia que a cidade estava mergulhada nas trevas do apocalipse. Era realmente estranho uma névoa dessa intensidade atingir aquela região do mundo e nessa época.

–Saiam daqui!

E, pelo visto, a névoa não era a única coisa estranha da noite.

–Pode tratar de parar aí, pirralha!

Seis homens ao todo. Suas vestimentas malfeitas e maltratadas provavam que não eram cavalheiros procurando um refresco na noite. Na verdade, era perigosamente o contrário disso.

–Socorro!

A garota estava encurralada. Parecia ter 15, 14 anos. O beco tinha sido, com certeza, uma opção ruim de fuga. Se espremia na parede atrás dela, tentando fazer parte da tinta velha e desgastada pela maresia que cobria a parede. Não tinha saída. Os vultos negros estavam se aproximando cada vez mais. E a cada segundo o suor fazia uma descida tortuosa pelo rosto dela.

–OK, pirralha! – dizia um deles – o que tem a nos mostrar?

–NADA! Saiam daqui!

–Uh – disse outro – ela tá nervosinha!

–Querem saber? – diz outro – vamos ver se essa aí pode nos... entreter um pouco!

–Sim! – disseram todos os 6.

–Não... Não... Não...

A garota mal podia acreditar no que estava acontecendo. Nunca pudera imaginar que a volta da loja poderia ter sido tão perigosa. A garota nunca fora religiosa, mas agora implorava, pra qualquer deus, santo ou anjo que pensasse. Não podia sair dali. Já estava morta.

–Vamos lá, Fred! Vamos mostrar praquela vadia quem é que manda!

–Ah...! – a resposta pareceu um sussurro agonizante.

–Fred? Você não respondeu a pergun...

Assim que se virou, o homem caiu para trás. Fred agarrava desesperadamente o pescoço, onde havia uma flecha de penas vermelhas e encharcada de sangue perfurando o pescoço por um lado e saindo do outro.

–FRED!

Todos voltaram a atenção a Fred, que caiu no chão todo mole.

Morto.

–Mas... O QUE FOI ISSO??!!

Havia mais desespero do que preocupação ou raiva naquela voz. De onde raios viera aquilo? O que FOI aquilo? QUEM foi?? Poderia ter vindo de qualquer lugar, estavam cercados de prédios no beco...

–Seja lá quem for... – o medo corroia todos – APAREÇA!

Até mesmo a garota já havia se esquecido completamente dos homens. O que quer que fosse “aquilo”, provavelmente não seria gentil com ela também.

Foi quando veio.

Não foi realmente, mas os vultos caíram como se fossem três raios em pleno céu azul. O susto dos homens foi tão enorme que os fez caírem para trás diante dos três vultos brancos e agachados.

–O que são vocês?!

E, vamos dizer: A resposta não foi a mais amigável.

Os vultos se mexeram como furacões. Um deles foi tão rápido em direção a um dos homens que nem notou que havia uma faca longa enfiada em sua barriga, pelas mãos do vulto. O outro passou com uma lâmina que saía do pulso, mirando no pescoço. Só parou um pouco atrás do homem, que agarrava o pescoço cortado em uma cascata de sangue interminável. Enquanto o último vulto, em sua alta velocidade, derrapou no caminho, fazendo um dos homens cair. Logo depois que caiu, o vulto se agacha ao seu lado e enfia uma faca em seu coração, silenciando-o para sempre.

Tudo isso em questão de dois segundos.

Tanto os dois homens restantes como a garota estavam congelados de medo, pânico, terror até de uma angustia da morte. Se o inferno estava os buscando, nunca teriam pensado que seria na forma de três vultos de branco e vermelho.

Um deles estava começando uma lenta caminhada até os dois restantes, quando a mão ensanguentada do companheiro do lado o para.

–Não...

Os dois ficaram aliviados. Pelo menos não iriam morrer naquela noite.

–...Não desse jeito.

Assim que o vulto terminou a frase, o terror volta quase que imediatamente aos rostos dos dois homens.

–Vamos usar “aquilo” dessa vez – dizia o vulto.

Era impressão dos homens... ou aquelas vozes, vindas da morte em pessoa encarnada em três vultos, pareciam de adolescentes?

Mas nem tiveram tempo de pensar mais a respeito. Alias, nunca teriam.

Dois dos três vultos erguem o braço direito, apontando as mãos para os homens. Eles tremeram como se fossem máquinas de lavar desgovernadas. Diante do que eles acabaram de ver, poderia vir qualquer coisa disso.

Eles esperavam qualquer coisa, menos o que realmente veio.

Os homens, como se fosse pura ficção, começaram a levitar. Era como se uma corda de forca os tivesse puxando pelo pescoço mais e mais para cima. Mas, por mais que eles agarrassem seus pescoços e balançassem os pés, podia jurar que não tinha nem corda, nem chão. A falta de ar era tão enorme que nem gritos de desespero podiam dar.

E, por incrível que pareça, esse não era o pior.

Os olhos dos dois viravam loucamente. Era como se veneno estivesse sido despejado aos montes em suas mentes, e estivessem fazendo-as corroer dolorosamente e rapidamente.

O que, na verdade, era mais ou menos o que realmente estava rolando.

–Meninos... já chega.

Não pensaram duas vezes. E assim que os braços saem da concentração, os dois homens caem no chão, com os olhos vidrados e espuma saindo da boca.

Mortos.

O silencio rebateu no beco por um minuto, mais ou menos. Os três olhavam para os mortos no chão como se fosse um filme em lançamento. Mas até que um choro silencioso irrompe o silêncio.

Era a garota. Traumatizada, agachada, chorando. Mas viva.

Kevin estava começando a ir embora quando o braço de Heloísa atinge seu ombro.

–Vai embora assim sem falar nada? – sussurra ela.

Kevin parou.

–Falar o que?! Essa aí já nos viu em ação, o que pra mim é mais que suficiente. Na verdade, de acordo com a Irmandade, a gente nem devia deixar ela viva, por sinal.

–Não seja cruel, Kevin – sussurra uma Heloísa ofendida

–Então me diga – sussurrou de volta – o que podemos falar pra ela, hein?

Heloísa ficou muda.

–Ele tá certo – todo mundo estava sussurrando naquela hora, inclusive Felipe. Não podiam chamar muita atenção da garota com suas conversas – o que iríamos falar pra ela? “Tome cuidado da próxima vez”??

–Só acho que... – Heloísa escolheu bem as palavras – eu sei como ela se sente. Ela precisa de algo.

–Seja lá o que for esse “algo” – dizia Kevin – não somos as pessoas certas para dar. Nem nós, nem aqui, nem agora.

Felipe olha para a garota

–Melhor deixarmos ela ali mesmo. Já viu coisas o suficientes por hoje. Vamos embora.

–Ótimo – murmura Kevin, enquanto olhava para a garota – ela deveria nos agradecer um dia desses.

–Na verdade – reflete Felipe – acho que já está...



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6 de Abril

–Acho que já sabem o motivo de estarem aqui hoje, alunos.

Eu estava bem tenso. Realmente era a primeira vez que o diretor nos chamava na própria sala dele para uma “Conversa em Particular”. Principalmente porque ele mesmo tirou nós três do meio de uma aula para isso.

Seja lá o que for, tenho muitas dúvidas de que seja bom.

–Na verdade não, senhor diretor – Felipe adora dar uma arriscada.

–Então vou lhes explicar...

O diretor não parecia uma pessoa com quem você gostaria de ficar por muito tempo. Nem o novo estilo de terno azul, com uma gravata listrada com vários tons de azul disfarçava seu peso. A idade já atacava a cor dos cabelos, mas não o volume. Um tufo de cabelos meio esbranquiçados e bem penteados o fazia parecer um Einstein que passou muito gel.

–No decorrer desses meses – começou ele – notei que os alunos que mais faltam, deixam de fazer tarefas e que não prestam atenção na sala, são vocês três.

–Sério? – perguntei

–Não se faça de bobo, Sr. Altair – juro que eu queria esganar esse aí – como nossa escola pensa no desempenho de nossos alunos, eu fiquei ligeiramente insatisfeito com o progresso e a atitude de vocês.

–É tão ruim assim, senhor? – pergunta Heloísa.

–Motivo aparente não falta, Senhorita Curray – ele pegou uma folha de papel da mesa – suas notas são as piores da sala, faltam com uma frequência que eu nunca vi antes, e a atenção de vocês três nunca foi alta. Então eu me pergunto – ele se encurvou para nós – o que está acontecendo?

–É difícil se adaptar, senhor – tentei – estamos na América há alguns meses apenas. Ainda não estamos totalmente acostumados.

–Entendo que sinta falta de sua cultura e casa europeia, Sr. Altair. Mas já acho um ultraje o nível de ausência de vocês! Não tenho dúvidas em pensar no fato de vocês estarem faltando só para ficar se divertindo pela cidade!

–O senhor não tem como afirmar isso – arriscou Felipe – também fazemos cursos e outras atividades fora da escola. Acha que intercâmbio é fácil?

–Certamente que não, Sr. Kennedy. Por isso que estou tomando umas medidas drásticas.

Uma gota de suor frio percorreu meu rosto. Normalmente o termo “Medidas Drásticas” nunca querem dizer boa coisa. Nem aqui e nem em nenhum outro lugar.

–Que seria...? – questiona Heloísa.

–Gostaria de ter uma boa conversa com seus pais o mais rápido que for possível, via telefone. Mas acho que vocês passaram-nos um número errado. Toda vez que tentamos, a voz sempre diz que “Esse número de telefone não existe”. Já estávamos com a intenção de lhes perguntar sobre isso desde mês passado, senhores.

Gelei. Eu, Felipe e Heloísa nos encaramos seriamente no momento. Esse fato não havia passado pela nossa cabeça, definitivamente.

–O senhor quer... o número?

–Claro, Senhorita Curray. Algo errado com isso?

Uh... a coisa não está boa...

–Sim! – A voz de Felipe soou como uma salvação – antes do intercâmbio, nossos país tiveram que mudar de moradia. E devem ter passado o número da antiga para vocês! Que coisa, não? – A risada de Felipe não pareceu surtir tanto efeito assim no Diretor.

–Lamento esse engano, Sr. Kennedy. Mas agora que já sei disso, posso saber qual é o número correto?

–Esse é o ponto – falei – a gente também não sabe. Deve ter um papel escrito isso no nosso quarto, acho!

–Que bom – suspirou ele – esperarei ansiosamente pelo retorno de vocês aqui. Amanhã de manhã, sem falta. Estou muito ansioso para conhecer seus país, senhores.

–Tudo bem... – nunca fiquei tão aliviado assim em semanas – podemos voltar à aula agora, senhor?

–Ah, Claro. Podem ir. Mais tarde conversamos sobre seus outros problemas por aqui...

Fomos bem rápidos para a porta. Mas acho que a “Pressa para Aprender” disfarçou minha vontade de querer sair de perto daquele gordo o mais rápido possível.

–Ah... uma curiosidade!

Paramos imediatamente, a uns poucos centímetros da porta do diretor.

–O que foi, senhor? – pergunta Felipe.

–Seus país se mudaram juntos? Todos ao mesmo tempo?

–Ah... foi – disse Heloísa, com mais uma gota de suor na testa – morávamos no mesmo prédio antigamente! Por isso nos conhecemos tão bem!

–E...?

–E foi que o prédio tinha que ser... demolido! Aí as famílias do prédio foram removidas para um outro, da mesma companhia de construção.

–Hum... Curioso esse fato. Não costuma acontecer com frequência por aqui...

–É que... você sabe – arrisquei dessa vez – tem muitos prédios antigos na Dinamarca, senhor. E é inevitável que um deles possa se danificar muito com o tempo e a água que rodeia o país.

–Tem razão... Bem, é só isso. Podem ir.

Nunca saí de uma sala tão rápido e aliviado assim desde a última prova de física.



–Tá, agora me digam: O que raios vamos fazer agora?!

Assim que saímos daquela sala, fomos direto a um outro corredor conversar. A sala não era realmente um forno, mas o clima foi tão tenso que eu havia me sentindo dentro de um lá.

–Por essa eu não esperava, Heloísa – respondia Felipe

–Ninguém esperava, cara – falei – acho que nem mesmo a Irmandade.

–Falando nela... – refletiu meu amigo – acho que não tem outro jeito, né? A gente tem que conversar a respeito.

–Concordo – afirmou Heloísa – duvido que o Diretor vai cair nessa de “papel no quarto” por muito tempo. Hoje à noite no meu quarto?

–Combinado!

–A gente se vê lá então

–Aonde vai, Kevin? – perguntou a Heloísa

–Vou tomar um ar fresco. Nos vemos à noite.

–Você não vai voltar pra sala? – pergunta Felipe

–Vão vocês. Digam que eu fui ao banheiro.

–OK. Até mais!


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13:05 da Tarde


Dei uma corrida rápida pelo campo verde e belo da escola. Eu tinha que chegar lá rápido, senão ia me atrasar bastante.

–Está atrasado de novo, Kevin!

–Foi mal! Tive que resolver uns probleminhas!

–Tudo bem! O importante é que está aqui!

Giovanna ficava tão encantadora dando aquele sorriso meigo. Os olhos verdes tinham um brilho encantador ao sol da tarde. Aqueles belos cabelos cor de mel soltos pelo ombro...

–Kevin? Tudo bem?

–Ah! Claro!

–Senta aqui! Vamos começar!

Tinha sorte de ter uma parceira de estudos como ela. Até agora eu só não cai da corda bamba das notas só por causa dela. Toda semana sentávamos na sombra de uma árvore no campo da escola para estudar, qualquer matéria que fosse.

–Hoje é Física, certo? – perguntou ela.

–Acho que sim... não lembro bem!

–Sem problemas então! – suas bochechas coraram um pouco com o sorriso – vamos começar!

Quando se tratava dessas coisas, eu apreciava o quanto Giovanna sabia das coisas. Isso explicava porque ela ficava quieta na aula inteira.

–Como andam as notas, Kevin? – disse ela, entre uma página e outra do livro que líamos juntos.

–Na verdade, já tive melhores.

–Kevin! – não sabia quando ela ficava realmente séria, ela dava aquele belo sorriso o tempo todo – você tem que se esforçar mais! Você fica cabisbaixo e usando essa touca na cabeça o tempo todo!

–É capuz, Gi!

–Ainda sim fica estranho!

A gente falava quase tudo na brincadeira. Eu adorava isso, em comparação com ficar com o bumbum o dia inteiro em uma cadeira dura, isso era um paraíso. E foi assim que ela puxou meu capuz para trás. Me encolhi na hora.

–Parece até vampiro! O sol não vai fazer você explodir, Kevin!

–Mas eu gosto!

–Senta aí direito e vamos continuar, bobinho!

E foi assim que voltamos ao livro. Deve ter passado uma hora depois disso, mais ou menos. Era muito difícil pensar nisso com um espetáculo pros olhos bem na sua frente...

–Kevin?

–...Eu?

–Olha essa aqui. Que fórmula acha que daria nessa aqui?

–Me aproximei mais dela e do livro. A luminosidade da tarde não era muito boa pra ler a distancia.

–Onde?

–Aqui, Kevin...

Foi aí que ela se virou para mim. Eu olhava diretamente para aqueles olhos cara a cara. Os meus e os dela estavam a apenas alguns centímetros um do outro. Dava para ver cada detalhe daquele belo rosto. Para mim, isso era melhor que qualquer cinema. Era um espetáculo para os olhos.

–Já te falaram em como você é ainda mais bonita vista de perto...?

–Kevin... você...

–Não diga nada...

Foi aí que aconteceu.

Meus lábios lentamente foram se aproximando aqueles belos lábios vermelhos e brilhantes dela. Um centímetro, meio centímetro, um milímetro...

Quando o meus lábios se juntaram ao dela, juro que nunca senti coisa mais maravilhosa em toda minha existência. Cada milésimo de segundo daquele beijo foram para mim como um milhão de fogos de artifício iluminando Copenhague no Ano Novo.

Não sei quanto durou... nem queria saber... era tão bom que queria ficar ali para sempre...

Mas, assim que nossos lábios se desencostaram, pude apreciar de novo a beleza de Giovanna. Ela estava mais corada do que nunca, e com os olhos fechados. Mas enquanto abria os olhos lentamente, a voz macia saía dos lábios brilhantes.

–Kevin... você... isso...

Assim que ouvi isso, me levantei lentamente. Assim que senti minha coluna reta, andei rapidamente para cada vez mais longe daquela árvore em que estávamos. Não olhei para trás, mas não tinha dúvidas que ela me encarava por trás com aquele olhar meigo de sempre.

Só parei atrás do prédio da escola, bem longe da vista de Giovanna. Assim que cheguei, me deixei cair na parede do prédio, de olhos fechados. Com apenas um pensamento e imagem na cabeça. E com um lento e caloroso sorriso na minha face avermelhada. Nunca havia me sentido tão feliz assim, nunca...

–Que... coisa... mais... incrível...


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Notas finais do capítulo

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