Hermione Granger - Reencontrando os Pais escrita por ro1000son


Capítulo 11
Capítulo 11: A Noite no Deserto


Notas iniciais do capítulo

* Os personagens principais pertencem a J.K.Rowling.
** Spoilers do livro "Harry Potter e as Relíquias da Morte".



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Um povoado que parecia escondido de todos, pequeno e às margens de um extenso deserto, com quatro ou cinco ruas empoeiradas, com poucas casas e menos ainda de salas de comércio e permanentemente ao lado de uma importante rodovia. Esse era o cenário onde a caminhonete dos Donnwall apareceu de repente, graças ao poder de Eric e Téo, em uma das ruas mais afastadas. Mas, assim que os gêmeos souberam terem chegado ao povoado de Marla, o nome daquele lugar, Eric gritou para o irmão um sonoro “Vai”, e este abriu a porta descendo antes mesmo que o veículo estivesse completamente parado.

Eric disse que três crianças trouxas estavam brincando em uma piscina inflável em uma casa próxima, aproveitando o tempo quente da tarde. Téo saiu para limpar a memória delas, porém não foi preciso, pois nenhuma delas reparou na caminhonete que apareceu de repente; os pais, ou os responsáveis - não havia como saber - estavam dentro da casa e também não notaram. Para disfarçar, Téo ficou fingindo que verificava o pneu traseiro do lado direito. Quando o rapaz voltou para dentro da cabine, Eric deu um arranque e seguiu em direção ao deserto.

— Essa foi por pouco... – observou Chease, que agora viajava com eles. O rapaz aceitou participar da viagem para o deserto a fim que pudesse ajudar a localizar o vilarejo abandonado de Treia Gherla, uma vez que Eric e Téo nunca haviam passado por lá e não queriam arriscar a perder tempo na procura por um local que só tinham ideia de onde estava por mapas. Antes de saírem de Sydney, tiveram que passar na casa de Chease para ele pegar algumas coisas de que dizia precisar para o deserto. Os gêmeos não fizeram objeção e, no caminho, contaram a Hermione, Harry e Rony o que poderiam saber sobre o novo companheiro, depois de os apresentarem formalmente.

— Chease era um golpista – disse Eric, em um momento, ainda em Sydney. – Ganhava dinheiro passando trouxas e bruxos para trás. Nós é que mostramos para ele que isso é errado.

— Ele quer dizer que já me prenderam várias vezes – retrucou Chease, fazendo brincadeira. Estava claro que agora tinham uma amizade, de certa forma.

— Pode ser. O importante é que, com o tempo, ele parou com os golpes, se distanciou das más influências e agora está trabalhando regularmente – anunciou o gêmeo.

— Mas e sobre Taiwan? – perguntou Rony. Essa também era uma curiosidade de Hermione. Eric e Téo deram umas risadinhas e Chease, que estava encostado na janela, se virou para olhar para fora, esquivando-se dos olhares.

— Chease não é mais um fora-da-lei, mas ainda tem algumas amizades. Uns amigos dele compraram algumas mercadorias em Taiwan para levar para alguns países da América do Sul. Chease foi ajudar, transportando de Taiwan para uma das ilhas perto de Papua Nova Guiné. De lá, os amigos dele colocaram as mercadorias em um navio maior e seguiram viagem. Ele não fez nada de errado, exatamente – emendou antes que alguém pensasse assim. – Mas os amigos dele não vão entrar nos outros países com essa mercadoria legalmente, se me entendem.

— Tá bom, agora dá pra mudar de assunto? – perguntou Chease, fazendo Harry, Hermione e Rony sufocar algumas risadinhas. Quando eles aguardavam Chease pegar o que precisava na casa dele, Eric confessou depois que Téo mandou um patrono para o pai deles com um recado para avisar ao Ministério sobre essa história em Taiwan. A mercadoria seria rastreada e enfeitiçada para que ninguém mais a comprasse.

— E isso é um segredinho nosso – disse com uma piscadela.

Agora que estavam numa área deserta - a cidadezinha de Marla havia ficado para trás -, Hermione reparou na paisagem árida do lado de fora. Quilômetros de terra com vegetação rasteira, com árvores muito dispersas que não deviam passar da altura de uma pessoa adulta e uma ou outra duna de areia, por entre as faixas de terra firme, que a fazia lembrar-se de imagens do famoso deserto do Saara. Na maior parte do caminho, que fazia a caminhonete se remexer com seus passageiros dentro, quase não havia conversas e os barulhos que haviam eram o ronco surdo da caminhonete, a música baixa que Eric colocou para se distraírem e uma ou outra pergunta dos meninos acerca do lugar. Harry e Rony ficaram animados ao saberem que haviam camelos naquela região e puderam ver alguns vagando em determinados pontos do deserto. Por causa do calor e do sol forte, bebiam água constantemente e Eric tinha avisado que fariam poucas paradas até acharem um local ideal para acamparem. Hermione se sentia cansada e por duas vezes reparou em Rony bocejando, mas não sabia dizer se era um cansaço por conta da viagem pelo deserto ou ainda os efeitos do fuso horário. Assim como Harry, ela procurava se manter atenta para não ceder ao cansaço. Mas estranho mesmo foi ela ver que, hora ou outra, os gêmeos se mostravam sonolentos e, instantes depois, estavam mais despertos que nunca. Nestes momentos, ela reparava que um deles - o que não estava ao volante - agitava a varinha como em uma brincadeira displicente, mas não olhava o retrovisor no centro da cabine para ver se os gêmeos olhavam para ela. Volta e meia Chease indicava o caminho para os gêmeos, que se revezavam na direção da caminhonete, quando estes estavam com dúvidas de onde passar, tanto oralmente quanto mentalmente. Quando estava quase anoitecendo, Chease avisou que estavam quase chegando ao local que seria ideal.

— Depois daquela colina – apontou ele para uma pequena colina rochosa que ainda se percebia claramente e devia estar a meio quilômetro deles. Os gêmeos fizeram a volta nas poucas dunas de areia, como Chease recomendou e, em poucos minutos, passaram pela colina e chegaram.

Hermione se sentiu grata por descer da caminhonete, depois de horas e mais horas de viagem, e viu que o local era mesmo agradável. Ali as árvores eram pouco maiores que uma pessoa e mais numerosas, além de bastante haver mato e outras vegetações que ela não reconheceu. Se algum bruxo não quisesse usar de feitiços para se ocultar naquele lugar, ainda assim estaria escondido de alguns passantes, a não ser que também quisessem acampar naquele lugar.

Mas Eric e Téo não esperaram alguém se lembrar disso; eles haviam descido antes de todos da caminhonete e já estavam andando em círculo em volta da vegetação conjurando aqueles feitiços de proteção que Hermione conheceu bem e usou muito durante os dias da guerra contra Voldemort. Quando Rony desceu, passou os braços pelos ombros dela, em um meio abraço, e perguntou se estava tudo bem; ela apenas respondeu que sim com a cabeça e sorriu para o namorado. Harry foi para perto dos gêmeos, com a varinha em punho, para ajudá-los nos feitiços, mas Eric indicou que não precisava – já estavam terminando –, e depois o moreno foi para perto dos amigos. Chease deu a volta na caminhonete, pegou duas barracas na carroceria e se aproximou de Hermione e Rony, todo contente. Inspirou profundamente soltando o ar depois.

— Ah... Como é ótimo esse ar. Não acham? Adoro esse canto do deserto. Me transmite uma paz... É muito bom – disse ele, sorridente, quando colocou as barracas no chão para esticar os braços.

— É bom mesmo – respondeu Hermione, apesar de achar o ar seco demais, considerando que estava em um deserto. Mas, no geral, sentia que estava em um bom lugar pra descansar – Você conhece bem esse lugar?

— Já passei muitas noites nesse deserto, tanto aqui quanto em outros lugares que servem para acampar – respondeu ele. Os gêmeos, que haviam terminado de enfeitiçar o local, estavam se aproximando, sorrindo sarcasticamente.

— É... Ele já andou muito por esse deserto, fazendo trabalhos ilegais – disse Eric e Chease o olhou levemente ofendido.

— Não foi somente esse tipo de viagens. Já andei por esse deserto fazendo muitas explorações.

— Sei. Você andava por esse deserto explorando e fazendo todo tipo de transporte de coisas ilegais.

— Bom, isso já é passado.

— Sei, Chease – concordou Eric. - Espero mesmo que sim.

— Que saudades daqueles tempos... – suspirou Chease. Quando viu que os gêmeos olhavam pra ele desconfiados, tratou logo de corrigir – Não saudades dos... Vocês entenderam. Não viajo mais tanto quanto antes, saudades das viagens, dos meus passeios. Só isso – finalizou ele, encabulado. Para disfarçar, Chease pegou novamente as barracas e as jogou para cima, pegando a própria varinha para conjurar o feitiço para elas se montarem em pleno ar; só que os gêmeos foram mais rápidos nos feitiços, fazendo com que elas pousassem no chão, prontas para serem usadas.

— Ah! Essa noite promete... – disse Chease, irônico, baixando a varinha e fazendo os gêmeos rirem.

As horas passaram rápidas e agradáveis. Muito acima deles havia nuvens espalhadas que davam a impressão de um véu transparente e conferiam ao céu um aspecto leitoso e belo de se observar, pois a lua iluminava todas elas e as estrelas lhes faziam companhia. Eric e Téo se divertiram à beça atrapalhando Chease no que quer que fosse fazer. Quando ele estava saindo para pegar alguns gravetos para uma fogueira, eles já estavam voltando com alguns; quando ele foi acender essa fogueira, eles já haviam providenciado; quando ele foi até a caminhonete pegar o galão de água para preparar o jantar de todos, os gêmeos usaram a varinha para conjurar a água que precisavam. Essas e outras gracinhas dos dois também divertiam Hermione, Harry e Rony. Vez ou outra Eric contava alguma piada ou algum acontecimento engraçado das vezes em que se encontrava com Chease – que não ficava aborrecido; ele também se divertia com as lembranças, mas parecia que não gostaria que o gêmeo contasse. Os gêmeos também se mostraram muito engraçados encenando algumas situações que passaram nos pequenos casos resolvidos para o Ministério Australiano, enquanto Eric contava ou Téo escrevia o ocorrido no ar com a varinha dele para todos lerem. Contudo, o tempo todo, Hermione não estava totalmente envolvida nas brincadeiras dos gêmeos; ainda estava preocupada, embora tentasse disfarçar. Às vezes encontrava os olhares preocupados de Rony e Harry na direção dela, mas eles não diziam nem perguntavam nada, talvez lembrando o que conversavam mais cedo, de manhã, ainda na casa dos Donnwall. Mas ela ainda pensou que não estava enganando os gêmeos e até imaginou que era por isso mesmo que eles estavam fazendo tantas piadas e brincadeiras; queriam descontrair o ambiente.

Chease serviu sopa de carne e legumes para todos, dizendo que ajudaria a esquentar durante a noite. Como Harry e Rony não entenderam porque, pois o tempo estava mais ameno do que na tarde e não estava fazendo frio, Hermione, que lera sobre o clima da Austrália, explicou que em determinados meses, nas noites nos desertos australianos, acaba fazendo muito frio. Rony ainda perguntou “Tem algum assunto do qual você ainda não tenha lido?”, fazendo os outros rirem. Depois do jantar, os garotos começaram uma conversa animada sobre feitiços de proteção, mas Hermione permaneceu sentada em um dos banquinhos que tiraram de uma das barracas. Entrementes, remoía o que ficou sabendo naquela baía, em Sydney. Depois de algum tempo, Eric se afastou dos outros, se sentando ao lado dela em outro banco, por alguns momentos ficando em silêncio e vendo os garotos testarem alguns feitiços. Hermione, ainda com os pais na cabeça, tirou o papel com o aviso enfeitiçado do bolso e ficou observando o desenho, que ainda permanecia com aquela imitação de uma casa horrenda.

— Ainda está preocupada – disse Eric, fazendo com que ela levantasse o rosto para ele. Não era uma pergunta e ela concordou acenando com a cabeça. – Além da preocupação, está frustrada por não ter mais do que isso de informação – apontou ele para o papel. – Mas não está mais do que meu irmão e eu por estarmos praticamente cegos.

— Mas vocês vivem aqui. Conhecem muitos bruxos que talvez estejam envolvidos nisso.

— E é isso mesmo o que nos incomoda. Fizeram o trabalho muito bem escondido. Não há como saber quem está por trás disso, pelo menos por enquanto.

— Mas está claro que tem bruxos australianos envolvidos – observou a garota.

— Com certeza. E são bruxos que conhecem a mim e ao meu irmão. Entende, então, que temos um problema por isso?

Hermione ponderou o que ele disse. Teve certeza que, quem quer que fosse, não havia motivos para um bruxo da Austrália saber sobre ela, Harry e Rony virem atrás de trouxas desconhecidos, e, mesmo que soubessem, o que iriam querer sequestrando-os? E, tinha que reconhecer, era realmente estranho esses bruxos estarem se escondendo dos gêmeos.

— Achei que pudesse imaginar alguém que fosse fazer isso – observou Eric.

— Não tem porquê – respondeu ela. – Fizemos muitos inimigos ao derrotar Voldemort, mas a maioria está presa e os que não foram devem estar ocupados fugindo e se escondendo. E não consigo pensar num meio de algum deles ter descoberto meu plano de esconder meus pais. Claro, muitas pessoas devem saber que sou filha de trouxas, mas duvido que muitos deles os tenham visto alguma vez. Meus pais só entraram duas vezes no mundo mágico em Londres, e não passaram do Beco Diagonal. O responsável pode ser qualquer um e ninguém ao mesmo tempo.

Ela suspirou e os dois silenciaram. Perto deles, a fogueira ainda iluminava bem todos à volta. Em poucos segundos Hermione sentiu uma lágrima descer pelo olho direito enquanto baixava o rosto. Descobria agora que detestava se sentir impotente.

— Não se sinta assim – pediu Eric, mostrando preocupação. – É realmente desagradável que você tenha agido sabiamente para proteger seus pais e acontece isso quando você vem para buscá-los. Eu queria dizer que poderia acontecer com qualquer trouxa, sinceramente, mas sabemos que não foi coincidência; foi um ato de maldade, premeditado. Temos que trabalhar para que tudo termine bem, mas se não for assim, não se sinta culpada.

— Vou tentar – respondeu Hermione, pensando seriamente no que acabara de ouvir. Provavelmente era o mesmo que ela diria a alguém que, por acaso, se encontrasse na mesma situação. Levantou os olhos na direção dos outros. Viu Rony com a varinha apontada para Harry, que se remexia com o tronco estranhamente. Mas não parecia haver nada perigoso no que estavam fazendo; ao contrário, todos eles estavam rindo e se divertindo.

— Azaração de espetamento – explicou Eric, também olhando para os garotos. – A pessoa se sente como se várias pontas de espada estivessem cutucando o corpo ao mesmo tempo, mas Harry está experimentando em um nível leve. Essa azaração, em um nível normal, provoca muita dor e agonia. Você vê, Harry está tentando agora o contra-feitiço para fazer com que a azaração se volte contra quem o atacou – apressou-se a dizer, quando o moreno fazia movimentos com a própria varinha para o próprio corpo. Em poucos instantes, Rony também agia do mesmo modo, remexendo com o tronco. – Quer treinar também?

— Acho que agora não. Não estou com cabeça pra isso – respondeu Hermione com simplicidade, retribuindo a gentileza do gêmeo. Fizeram mais um pouco de silêncio enquanto ela olhava para Harry, no que fazia brotar um pensamento na mente. Era esquisito pensar que só agora entendia realmente o que o amigo deveria sentir quando se tratava dele na guerra contra Voldemort, ou quando se tratava dos pais mortos dele, e ela e Rony eram os amigos que o acompanhavam. Ela sempre se dispôs a ajudá-lo, mas nunca poderia tirar a dor que o amigo sentia quando se tratava das motivações pessoais do famoso Harry Potter. Agora ela estava ali, com as próprias motivações pessoais, na busca pelos pais dela, e lá estavam eles, Harry e Rony, dispostos a ajudar no que for preciso. E era melhor ainda, pois contava com ajuda de três amigos que fizeram na Austrália.

— Agradeço a parte que nos toca – disse Eric, fazendo-a se virar para ele. Ele sorria timidamente e ela se sentiu encabulada porque, por um delirante momento, se esquecera de que o gêmeo devia estar lendo a mente dela. Com uma espiada rápida a garota viu Téo olhar sorridente em direção a ela.

— Entendo o que você está sentindo com essa ideia de ‘papéis invertidos’ que você teve agora. Sabe, meu irmão e eu já sentimos algo parecido com nosso pai.

Hermione esperou. Se aquele rapaz, que até o dia anterior era um completo estranho, mas que agora estava ali para ajudar, fosse dividir algo pessoal com ela, o mínimo a fazer era prestar atenção. Eric baixou o rosto pensativamente ou, pensou ela, parecia refletir a falta de jeito do pai ao contar coisas pessoais. Mas a verdade Hermione não demorou a perceber: Eric não sabia por onde começar.

— Há um motivo para o meu pai não contar muita coisa sobre o passado que viveu na época da guerra – começou ele. Fez uma pequena pausa que a garota aproveitou para comentar.

— Mas ele nos contou sobre o que aconteceu.

— Verdade, contou mesmo, mas muito pouco. E esse pouco que contou pra vocês foi mais do que ele contou para muita gente. Acredito que ele fez isso porque... vocês três o fizeram lembrar do passado com bons sentimentos, coisa que não fazia há, bem, muitos anos. Vocês querendo ou não, são os heróis agora – acrescentou ele, em tom descontraído, arrancando um sorriso dela.

— Então quer dizer que... sobre isso... vocês não conversam?

— Ah, não. Conversamos sobre muitas coisas, mas não sobre aquela época. Papai, Téo e eu temos uma ótima relação, mas meu irmão e eu aprendemos a respeitar nosso pai com o tempo. Foi...

Hermione esperou de novo. Eric devia estar escolhendo as palavras certas. Quando ele falou novamente, havia um quê de desabafo na voz dele.

— Ainda éramos crianças quando percebemos o que estávamos fazendo com nosso pai. Ele, simplesmente, não estava conseguindo. Éramos, sem dúvida, as crianças mais estranhas do mundo; desde bebês vivíamos chorando e gritando, porque não conseguimos entender porque havia vozes nas nossas cabeças e sempre era difícil, até pra sair de casa, e era realmente uma agonia para nosso pai. Imagina só: recém viúvo, com dois filhos que tinham problemas que ele não poderia resolver. Ele se sentia duplamente preso; tinha a promessa feita à nossa mãe, antes dela morrer, e o fato de sermos filhos dele, que era o que ele desejava muito na vida desde que se casou com mamãe – ter filhos.

— Mas... – a garota queria argumentar, mas antes que colocasse em palavras, o rapaz respondeu.

— Ah, sim. Muita gente queria ajudar. Vovó ficou com meu pai, cuidando de nós da melhor forma possível, até quando não pôde mais. Ela faleceu quando tínhamos doze anos. E nossa tia ajudou a cuidar de nós até mesmo depois de casada. Só nos deixou quando o tio Tim, marido dela, foi transferido para o oeste, para um cargo importante do ministério, mas já estávamos grandinhos nessa época. Outros conhecidos do papai ajudavam na época, alguns por curiosidade, outros por pena. E os curandeiros, vários deles ao longo dos anos, desde que nascemos, sempre estiveram conosco para tentar descobrir ou bloquear o que podíamos fazer. Sempre aparecia um com uma teoria diferente que quisesse colocar em prática conosco.

Eric parou novamente. Fez um pequeno gesto com a varinha e um copo perto do galão de água se ergueu no ar, como se alguém invisível o tivesse pegado, se enfiou dentro do galão de água para se encher e depois voou, pingando no caminho até as mãos do gêmeo. Ele bebeu da água e depois suspirou. Hermione aproveitou para beber água também, mas ela já tinha um copo ao lado do banquinho que ainda tinha uma boa quantidade. Os dois baixaram os copos ao mesmo instante.

— Como eu disse, meu irmão e eu percebemos o mal que estávamos causando ao nosso pai - começou ele, sem olhar para Hermione. - Uma noite, estávamos com cinco anos, acordamos ao mesmo tempo; nós dois tivemos sonhos ruins. Tia Marni não morava mais conosco, já estava casada, e vovó estava doente nessa época e estava na casa da minha tia sendo tratada. Téo e eu fomos ao quarto de papai, mas ele não estava lá. Ouvimos a mente dele e percebemos que ele estava naquela biblioteca. Descemos as escadas e paramos na porta, sem que ele nos visse.

Hermione prestava atenção. Não sabia por que devia se importar, mas achava que era importante ter essa conversa. Rapidamente pensou em um motivo para ouvir o gêmeo contar essa história e o primeiro que lhe veio à mente foi o mais plausível - os gêmeos não tinham a quem contar. Aquilo era, como ela notou antes, um desabafo.

— Ele estava chorando. Estava sentado na poltrona ao lado da que mamãe usava e chorava tanto... de cortar o coração mesmo... - Eric suspirou, fazendo uma breve pausa. Ela reparou que os olhos do gêmeo, agora lacrimejantes, olhavam em direção aos outros, mas sem nada ver; ele estava revivendo o que contava. Logo, recomeçou. - O choro e os soluços dele eram pontuados por apenas uma exclamação: “Não consigo, não consigo”. Passamos, meu irmão e eu, um bom tempo atrás da parede ouvindo papai chorar. No final, ele ainda disse, como se visse nossa mãe sentada naquela poltrona: “É muito difícil sem você, não tem ideia. Sinto tanto sua falta, muita mesmo, e ainda vejo os seus olhos nos nossos filhos. Me dói tanto. Não sei o que fazer com eles, não sei como ajudá-los. Temo que o ministério possa querer tirá-los de mim se não conseguir ajudar os dois”.

E o gêmeo baixou os olhos de novo. Hermione até pensou em algo para falar, mas achou inadequado. Se ele ouviu esse pensamento dela, deve ter ignorado.

— Ele ainda disse outra coisa que Téo e eu não ouvimos direito, porque já estávamos nos acertando para tentar por fim ao sofrimento de papai. Nós ainda não sabíamos o que acontecia conosco e nem o motivo de sermos assim, mas naquele momento soubemos que teríamos que aprender a controlar. Enquanto papai terminava de chorar, nós dois conversamos mentalmente, relembrando os problemas que causamos e discutindo uma maneira de resolver. Confesso que não fizemos progresso naquela madrugada, mas foi um passo importante para nós dois aprendermos sobre essa coisa de telepatia.

Eric olhou para Hermione e ela sentiu transparecer agradecimento no rosto sorridente dele. Também sentiu que fez bem a ela ouvir.

— Téo e eu esperamos o papai terminar. Quando ele passou pela porta, encontrou nós dois. Não demos uma palavra, nenhum de nós; apenas, nos abraçamos. Daquele dia em diante, melhoramos bastante nosso relacionamento. Papai, que se empenhava muito em não pensar perto de nós antes, deixou de fazer isso. Ele nos ajudou muito a descobrir sobre telepatia e com o tempo aprendemos a controlar. Sem ele, acho que não teríamos conseguido e não seríamos o que somos hoje.

— Ontem você disse que seu pai contaria melhor sobre sua mãe - lembrou Hermione.

— Falha minha. Não é que ele conta, mas se lembra dela. De tudo que sabemos e aprendemos sobre a nossa mãe, a maioria, são das lembranças dele, que vimos quando ele pensava nela. Contar mesmo, ele nos contou pouco.

— Entendo. Pode falar um pouco dela?

— Claro. Gosto de pensar nela. Como eu disse, mamãe era sensitiva e descobriu esse poder muito cedo. Ela nasceu nos Estados Unidos e lá foi abandonada em um orfanato, provavelmente porque era estranha, entende? Sabe, ela era uma nascida trouxa. Todos imaginam logo que ela era bruxa como as outras, mas não. Nasceu trouxa, com poderes anormais. Muitíssimo raro, disseram a meu pai anos depois. Sem saber como controlar, ela causava muitos problemas no orfanato e, aos nove anos, fugiu de lá. Viveu escondida por um bom tempo em uma fazenda de gado e vagou por vários lugares. Um dia, quando estava na Califórnia, ficou sabendo de um navio que seguiria para cá. Não pensou muito, logo deu um jeito de encontrar esse navio e se esconder nele. A coisa de ela sentir as pessoas ajudou muito a se esconder delas. Passou dias e noites na viagem, comendo e bebendo daquilo que conseguia pegar escondido no navio. Quando o navio aportou em Darwin, no norte, ela saiu para o mundo novo, sem ninguém ver que havia uma criança clandestina a bordo. Aqui, a história foi outra. Passou meses sem rumo no norte, andando de um lugar a outro, até que se escondeu em uma propriedade rural e conheceu um casal de bruxos donos do lugar. Foi estranho, mas aqueles dois a acolheram como alguém da família. Eram sozinhos, não tinham filhos. Eles cuidaram de minha mãe, a educaram e fizeram dela a filha que não tiveram.

— Nossa, que bonito - admirou-se a garota.

— Tem razão. Gostaria de tê-los conhecido. Morreram alguns anos antes de meu irmão e eu nascer. Acho que eu os teria agradecido todos os dias que os visse, só por terem acolhido minha mãe. Eles são meus avós por parte de mãe, não aqueles que a abandonaram, seja lá quem forem - suspirou o rapaz. Passado alguns segundos ele voltou ao tom normal de conversar dele, aquele onde fazia piadinhas - Então é isso... Com o passar dos anos, minha mãe se tornou conhecida no mundo bruxo australiano. Na guerra, conheceu meu tio, meu avô e papai-0. Lutou com eles até conseguirem derrubar os bruxos loucos e ajudar a salvar os bruxos e os trouxas da Austrália da perdição.

Hermione parou pra pensar no senhor Donnwall, jovem, e uma garota, imaginando uma história de amor no meio de uma guerra. Seria engraçado, além de interessante, e certamente foi bem diferente do que havia entre ela e Rony. Foram verdadeiros heróis na época deles e hoje em dia Harry, Rony e ela estavam sendo considerados como tal.

— Papai não gosta de pensar em si mesmo como herói - Eric disse, cortando o pensamento de Hermione. Antes que ela perguntasse por que, ele continuou. - Outro motivo porque ele não fala muito sobre aquele tempo, foi o que aconteceu... Sabe, tio Ernie, que lutou com meu pai e meu avô, vive viajando. Já nos visitou algumas vezes, e agora deve estar viajando pela Índia. Em parte, tem o mesmo motivo de papai, e também ele faz isso para que o Ministério não o envolva em problemas. Depois da guerra, ele foi tido como o grande herói e, depois disso, sempre vinham até ele os problemas mais graves, na esperança de que ele pudesse resolver. Ele ajudava, mas quando percebeu que sempre o procuravam, decidiu sair do país. Dizia ele, que não tinha que ser o herói o tempo todo, afinal de contas ele tinha uma vida pra viver e ninguém mais estava se lembrando disso.

No momento em que ouviu, Hermione entendeu onde o rapaz queria chegar. Esperou mais um pouco, ouvindo, para ele fazer a comparação que ela pensou.

— Já meu pai tem outro motivo pra não querer ser o herói daquela época e não gostar de falar muito sobre aquele tempo. Meu avô... Morreu, no dia em que prenderam os bruxos que queriam tomar a Austrália, salvando a vida dele.

— Sério? – perguntou ela, sentindo um assomo de surpresa e horror. Eric respondeu que sim, acenando a cabeça. Até pensou em perguntar como aconteceu, mas soube, no mesmo momento, que seria justamente esse tipo de pergunta que não gostaria que fizessem a ela.

— O engraçado é que essa coisa acontece até com meu irmão e eu. Mesmo que alguns não gostem de estar perto da gente, com medo que controlemos as mentes deles, eles vêm atrás de nós. Sempre somos procurados para um serviço ou outro que os aurores do Ministério julgam ser difícil demais, ou estranho demais. Eu não reclamo disso, até que é bom fazer alguma coisa, ser útil, mas eles querem que a gente sempre esteja disponível. Esquecem que somos pessoas e que temos vida própria.

— Entendo. Às vezes podem-se ter outros compromissos – disse Hermione.

— Isso mesmo. E isso deve acontecer com vocês também. Com Harry, principalmente. Sempre irão atrás dos heróis que derrubaram o bruxo das trevas mais temido dos últimos cinquenta anos.

Hermione ergueu os olhos na direção dos garotos. Concluiu que Eric tinha razão, só de lembrar como Harry era cobrado ou apontado quando em Hogwarts. Quando os viu se movimentar para dentro de uma das barracas, perguntou a Eric.

— O que eles vão fazer?

— Ah, eles vão treinar aparatação. Não aparatação normal, como se faz, mas o que chamo de aparatação de emergência, sabe, no último minuto. Você conseguiu fazer isso muito bem, lembra?

Hermione se lembrou. Eric se referia à fuga do Ministério, onde Yaxley segurou-se nela quando seguiam para o Largo Grimmauld e, assim que conseguiu se soltar dele, cuidou de transportar ela, Harry e Rony para uma floresta.

— Não tão bem como deveria. Rony estrunchou naquela vez – retrucou a garota.

— Sempre tem seus riscos, mas a verdade é que você conseguiu salvar os dois naquele dia.

Ainda ficaram algum tempo conversando amenidades por mais alguns minutos, até que os garotos, com Téo e Chease, retornaram à fogueira e fizeram mais piadinhas. Depois de algumas horas, resolveram que era hora de dormir. Ela, Rony e Harry ficariam com uma barraca enquanto os gêmeos e Chease ficariam com a outra. Já dentro da barraca, bastante aconchegante, ela desejou boa noite a Harry, e a Rony com um beijo discreto. Deitou-se na cama, deixando que se levasse pelo sono que não demorou. Pelo menos se sentia bem. De uma forma estranha, sentiu que a conversa com Eric ajudou em alguma coisa.





Hermione abriu os olhos e percebeu que estava em um lugar escuro, muito escuro. Havia apenas alguns poucos fachos de luz que vinham de algumas frestas distantes no que devia ser o teto – não havia como dimensionar o tamanho daquele lugar de onde estava e nem de reparar o que havia ao redor. Percebeu ainda que estava enjaulada, porque próximo só via grades, e amarrada junto a outra pessoa que sabia estar desacordada; mas não havia como se virar para ver quem era ou como estava a outra pessoa, mesmo tendo em mente quem poderia ser.

“Que aconteceu?”, era a pergunta que tinha na cabeça. Tentava lembrar acontecimentos recentes e nada vinha à mente, a não ser aviões, aeroporto, turistas... um táxi. No meio da dor, do desconforto, do cheiro podre que exalava do ar e do cansaço, queria respostas. De repente ouviu um murmúrio vindo de perto. Tentou virar a cabeça para a direita, com pouco sucesso, e imaginou ter visto outras grades escondidas na escuridão. Não havia como distinguir os vultos aprisionados nela, mas já ouvira as vozes antes, mesmo que estivessem roucas naquele momento.

— É sim, veja, parece que acordou... – disse uma das vozes, parecia feminina.

— Ótimo – disse outra voz, masculina, e depois a mesma voz tentou falar mais alto. – Senhora Granger! Como está se sentindo? Está ferida? Sou eu... Ah!... – exclamou, tossiu e praguejou; parecia que estava com dificuldades para falar.

Murmúrios e barulhos de algo sendo arrastado no chão pareciam indicar que os dois estavam se mexendo. Mal havia como ver as grades da outra jaula, portanto não tinha como ter certeza. Forçou a vista para os vultos no escuro e viu, depois de algum tempo, que os dois mudaram mesmo de posição, pois a voz masculina parecia estar mais próxima.

— Senhora Granger, pode me ouvir?

“Granger de novo?”, pensou ela. Olhou em direção à voz, mas não dava para ver muito. Do pouco que pôde distinguir, iluminada por um pequeníssimo raio de luz, era a cabeça careca de uma pessoa, mas o pouco cabelo que tinha era ruivo.




Hermione acordou de repente com um grito. Abriu os olhos, olhando para o teto da barraca. Já havia amanhecido e ela pôde ver que Harry e Rony vinham na direção da cama, e se sentaram ao lado dela, preocupados. Ela se sentou rapidamente, Harry segurou a mão dela e Rony lhe afagou os ombros.

— Que houve Mione? - perguntou Rony. A garota olhou para ele, um pouco tranquila como o namorado naquele momento. Só teve como dizer para ele:

— Senhor Weasley!


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Notas finais do capítulo

Hum, gostei de ter escrito este capítulo. Tem alguns assuntos que resolvi, de última hora, deixar para o próximo. Espero que gostem de ler.
Obrigado a todos que acompanham. Obrigado também a quem deixou review.
Até o próximo. :D