Rosas escrita por Larissa M


Capítulo 22
Capítulo 21 - "Rosa Solitária"


Notas iniciais do capítulo

Aproveitem que eu postei esse capítulo bem antes do dia correto, pq não é toda semana que acontece... boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/232001/chapter/22

O passo acelerado de Christopher ao cruzar as ruas de São Paulo causava certo espanto em Mirelle. Ali, ela não passava de uma mera espectadora no que quer que Christopher estivesse planejando fazer, de tão por fora que estava do passado dele. Apertando o passo para que suas pernas curtas conseguissem se aproximar de Christopher e chegar ao seu lado, Mirelle resolveu quebrar o silêncio que perdurara até ali, tomando coragem para perguntar o que a viera afligindo pelo caminho:

- Chris, porque a urgência em seguir para um museu?

- Eu... É... Uma longa história.

- E suponho que envolva personagens do seu passado, assim como seu irmão, que eu não conheço nem ouvi falar? – embora não quisesse demonstrar, Mirelle estava um tanto chateada por acabar de perceber que conhecia tão pouco daquele que julgava seu amigo. Embora tivesse admitido, lá em cima no ateliê, que não se importava, e que Christopher não tinha a obrigação de dizer nada para ela, não estava sendo completamente franca.

- Mirelle, me desculpe não ter mencionado nada para você, mas meu passado é de certo modo algo delicado, em que eu não tivera o interesse de reviver nem de sair espalhando aos quatro ventos. São certas coisas as quais eu preciso refletir bastante.

Mirelle ficou calada. O tom sereno e a conduta séria que Christopher admitira assim que ela expressara seus protestos a fizera repensar os mesmos. Ele olhou para ela mediante o silêncio da própria, buscando por alguma resposta.

- Está certo. Não queria me intrometer. – ela falou, mas ainda estava curiosa.

Com um longo suspiro, ele respondeu:

- Aonde vamos agora mesmo já faz parte de meu passado... Uma importante peça dele.

Mirelle, confusa, resolveu não perguntar nada. Não entendera o que Christopher queria lhe dizer, pois fora vago demais.

Ele, tão envolto em memórias do jeito que estava mal notava o incômodo de Mirelle, e não percebia que ela estava ansiosa por saber o que ele escondia, para poder justamente ajudá-lo em seu claro transtorno. Nos meses em que passar na companhia de Christopher, a moça se afeiçoara a ele de tal modo que ele não imaginava.

Christopher se angustiava ao pensar no seu passado. Tivera tanta certeza quando fizera aquela escolha de partir, anos antes... Queria ver-se nas galerias daquela cidade grande, queria ver a si mesmo subindo e sendo reconhecido por seu trabalho. Nem ele mesmo entendia o porquê, mas sempre soubera que sentia uma ânsia por uma fama que passava da normalidade. Não lhe passou pela cabeça que o motivo poderia estar em seu próprio passado, um pouco mais escondido e mais fundo, perto de sua infância de da insistência de Marcello, seu pai, em oprimir qualquer forma de arte que ele pudesse expressar.

A opressão não extraiu todo e qualquer desejo de ser artista que estava em Christopher, assim como Marcello pensara em seus anos enquanto vivo. Fizera o contrário: só incentivara o seu filho e sua ambição.

Para próprio jovem de 24 anos, no entanto, suas reflexões a respeito de si mesmo não o levaram a esta conclusão. Ele era assim e pronto. A ideia de que seu pai fosse de algum modo responsável por algo na personalidade dele o afligia. Adora o pai, a despeito das falhas do próprio, com uma grande devoção.

A certa urgência que o assaltara enquanto relaxava com uma xícara de café nas mãos na cozinha do ateliê podia ser justificada pelo espanto dele próprio ao falar da querida jardineira de sua mansão com tanta doçura. Ele a havia “sufocado” nos tempos em que passara pintando. Preferira manter-se longe das lembranças. Portanto, as memórias também voltaram numa enxurrada assim que a primeira foi despertada, mal o dando tempo para se deixar levar pela lógica, e dizer a si mesmo mais uma vez que tudo estava acabado. Não era isto que dizia o seu coração.

Por todo o tempo que ficara em São Paulo, em parte se deixara levar pela magia da cidade e da pouca fama que conseguira, das exposições e das personalidades discrepantes que viera a conhecer, envolvendo desde pintores tão ambiciosos quanto ele a também artistas já renomados; e em parte por negligência em pensar em Susanna. Seguindo uma lógica dolorosa e com um possível fundo de verdade, Christopher preferira pensar que tudo estava acabado entre os dois, e nada mais era sentido entre eles. Fora o caminho sentimental mais fácil a percorrer, para ele.

Mirelle ainda o seguia de perto, mas já quase não conseguia mais acompanhar seu passo. Christopher por fim se deu conta de sua velocidade, e diminuiu um pouco o passo. Conseguir ler a curiosidade estampada nos olhos de sua aprendiza, num segundo que se virou para ela.

Se havia algo que o mais impedia de contar tudo para ela, era a preocupação com o que Mirelle iria pensar dele depois que ouvisse toda a sua história. Do caminho do ateliê até ali, ele começava a relembrar, e começava a se arrepender. Procurava explicações para ele ter permanecido em São Paulo, além da tentadora possibilidade de sucesso e dinheiro. Dizia para si mesmo que o dinheiro iria para a sua família, mas mentia. Daquelas mentiras que nem a própria pessoa consegue se safar, pois, de tanto que foi repetida, se torna verdade. A estadia dele em São Paulo se dava por motivos mesquinhos, que eram escondidos de Christopher por ele mesmo.

Por fim, ambos alcançaram a galeria de arte. Como se percorresse os corredores de sua própria casa, Christopher foi serpenteando pelos diferentes setores e andares do prédio, após conseguir a devida autorização para passar. O segurança do local era um velho conhecido.

Bem no fundo da galeria, em um de seus últimos espaços reservados a quadros, na sessão em que estavam separados alguns do próprio Christopher, se encontrava o que ele estivera ansiando por achar.

A Rosa Solitária” estava a sua frente.

Christopher de repente teve a sensação de que diminuía aos poucos. A moldura do quadro pareceu para ele gigantesca e imponente. Como se o observasse, como se o julgasse por aparecer ali de supetão. Era só uma rosa. Não passava de nada mais do que uma flor, mas Christopher enxergava além de suas distantes pinceladas de um verão que ele não achava merecer lembrar. Ele enxergava os sentimentos de um amor esquecido presos numa tela, e uma promessa quebrada.

Uma rosa branca, sozinha em sua roseira. Uma moça deixada para trás em Valliria, sozinha sem seu amor. Ambas pareciam as mesmas.

Envergonhado, diminuído e martirizando-se, por pouco Christopher não quebrou o quadro ali mesmo. O que o segurou de pé foi seu amor por sua rosa.

Alguns dias haviam se passado em Valliria. O aniversário de Susanna estava cada vez mais próximo, e a moça ainda não sabia o que faria dali em diante.

Sabia que Isobel estava ciente de que ganharia sua herança, assim como sabia que sua ideia de abrir uma floricultura chegara aos ouvidos da tia. Portanto, achava que Isobel estava esperando que ela colocasse o seu plano em prática, e, de certo modo, Susanna não queria deixar de fazer o que a tia esperava. Faria dela, Susanna, uma má imagem. Não só aos olhos da tia, mas também aos olhos da maior parte das pessoas que tinham conhecimento dos planos de Susanna e aguardavam pela floricultura.

Desanimada com a nova notícia de sua herança, Susanna cada vez mais se concentrou no trabalho na mansão Giusini e em seu próprio jardim. Passava horas ajoelhada na terra, cuidando, regando, lendo sobre botânica e entre outras atividades relacionadas. Ilina nunca a vira tão compenetrada, porém admitia que aquele comportamento fosse por causa da determinação de Susanna, e não por ela tentar afogar o seu desânimo em atividades que usualmente fazia para se divertir.

Durante os primeiros meses da ausência de Christopher, Susanna se empenhara numa atividade em especial: fazer rosas crescerem na colina acima da mansão. Ela não sabia muito bem o propósito daquilo, mas, ao menos pouco tempo depois da partida dele, ainda havia esperança em seu coração. Depois, ela parara de visitar a colina, embora soubesse que haviam rosas para serem cuidadas por lá. Sua esperança fora diminuindo proporcionalmente às suas visitas, porém, com um diferencial: nunca deixara de existir.

Susanna ia caminhando pelo Parque das Rosas, sem um rumo fixo em mente, enquanto fazia essas reflexões. As flores a levaram a pensar justamente naquele que viera tentando esquecer...

Mal vendo o caminho a sua frente, Susanna só se deu conta que alguém se postava a sua frente requisitando sua atenção quando a figura lhe chamou pelo nome:

- Suze, que surpresa em te encontrar aqui! – disse Mary Jane.

- Surpresa? Surpresa estou eu! Nunca a vi andando por aqui sozinha, Mary. – Susanna abraçou a amiga, que por sua vez parou ao lado dela para conversar assim que o abraço foi desfeito. Pudera claramente notar, quando vinha se aproximando de Susanna, que esta estava tão preocupada que até franzia o cenho ao andar pela Parque.

Ao questionar-lhe os motivos de sua consternação, Mary Jane não se surpreendeu ao vê-la se abrir com ela, e contar-lhe sobre a sua herança. As duas retomaram o andar pelo Parque, embora Mary Jane houvesse se desviado de seu caminho inicial para ficar ao lado de Susanna.

- Pelo tom que você me diz isso, esperava encontrar mais na herança de seu pai. – observou Mary Jane, assim que Susanna havia terminado de contar para ela a sua visita ao advogado.

- Mais é claro que sim! Mary, eu tinha dezessete anos quando meu pai faleceu, me lembro perfeitamente de como iam os nossos negócios. – Susanna lamentou-se para Mary Jane. – Meu pai era famoso por Valliria, e certamente tinha muito dinheiro guardado.

Depois de conversar com Ilina e passar certo tempo na mansão Giusini, Susanna não parara de pensar que talvez não devesse se preocupar tanto com aquela questão, mas não pôde deixar de se expressar de modo negativo para Mary, pois ainda não houvera acreditado cem por cento nas palavras da empregada da mansão.

- Não há como eu montar uma floricultura com o dinheiro que ganharei e com o dinheiro que venho guardando... Mas não encare isso como algum tipo de pedido. – Susanna se apressou em avisá-la, conhecendo muito bem a índole boa de Mary e do dinheiro de sobra de sua família. Susanna não contara seus problemas para ela com o intuito de choramingar alguns reais.

- Sei muito bem que você não aceitaria nada meu, Suze. – Mary respondeu. – Mas, talvez um conselho...

Susanna sorriu, assentindo para que a amiga continuasse:

- “Carpe diem.” – Mary Jane falou. – Tive a sorte de me deparar com essa frase um tanto estranha a princípio enquanto me entretinha lendo um livro... Achei-a maravilhosa.

- “Carpe diem”? – Susanna repetiu, estranhando o som das palavras em sua boca.

- É latim. – explicou Mary. – Significa “viva o dia”, em tradução livre, e não acho que nada se encaixaria melhor para você agora.

Parando bem ao lado da ponte que cortava o rio, ao redor das rosas, Mary segurou as mãos de Susanna entre as suas, e disse com uma animação contagiante, junto de uma pitada de repreensão.

- Suze, pare de se preocupar com o futuro! Não temos como prever os caminhos que percorreremos, por isso qual é o objetivo de tentar marcá-los? São nossas escolhas que os modificam, está certo, mas mesmo assim, há dezenas, quiçá centenas, de fatores que mudam nosso futuro sem que saibamos. Quem sabe o que poderia aguardá-la amanhã?

- Por isso “carpe diem”? Viver o dia?

- Correto! – Mary se animou mais uma vez. – Pense no hoje; pense no agora! – a moça segurou bem firme a mão de Susanna, guiando-a para cima da ponte. – Esqueça o passado...

No topo, ambas se surpreenderam ao encontrar nada mais nada menos do que a personificação do passado de Susanna. Mary Jane certamente estava se referindo a ele ao dizer “esqueça o passado” e certamente não pensara em se deparar com aquela figura esbelta e enigmática logo ali.

- Susanna, minha querida.

Ali estava o seu passado. Ali estava quem significara seu mundo não mais que um ano atrás. Ele estava parado como se aquele fosse o mais ordinário dos casos, a quem Susanna angustiara para esquecer.

- Olá, Christopher. – cumprimentou Mary Jane, ao ver que Susanna não dava sequer um passo.

- Olá, Mary. – ele cumprimentou-a com um simples aceno de cabeça. De longe, era possível notar seu embaraço, e ver que nervosamente brincava com algo em suas mãos... uma rosa. Ele passou uma das mãos pelo cabelo logo depois, tornando-o ainda mais caótico que antes. O cabelo estava curto, com um corte diferente. Susanna odiava quando o cabelo de Christopher não estava longo.

Mary Jane alternava olhares entre os que antes compunham um feliz casal. Susanna não mexia, debatendo-se em pensamentos, e Christopher compartilhava de tal aflição.

Por fim, depois de agonizar por longos segundos, que deram a impressão de horas congeladas numa só imagem daquela figura masculina, Susanna se mexeu. Sem hesitar, depois de tomada a decisão, ela deu meia volta e saiu correndo. Não parou para ver se Mary a seguia; não parou para olhar para trás. Todas as suas dores, sufocadas com o tempo, e no que ela esperava terem sido superadas, retornaram a tona com aquela visão inesperada. Ela havia tentando domar sua mente e seus sentimentos, utilizando-se de argumentos racionais para provar que ele não valia o esforço, porém, depois daquele ocorrido, a dedução era clara: suas reflexões houveram sido em vão.

Susanna corria na esperança de não ver mais flores a sua frente: algo que ela nunca pensava que lhe passaria pela cabeça. O vermelho, a cor do amor, da paixão, colorindo o sedoso invólucro que fechava o botãozinho de rosa nas mãos de Christopher era tão delicado, tão suave, que quase poderia ser um símbolo daquilo que algum dia fora o amor dos dois. Fora o amor assim como aquele botãozinho um dia estaria: acabado, murcho e enegrecido. Apenas um amontoado de pétalas no chão.

A moça não percebia, mas fora seguida por Mary Jane, após a última lançar um olhar de pura repreensão para Christopher. Nenhuma das duas olhou duas vezes para checar o que ela houvera feito depois de suas respectivas partidas.

Mary Jane tentava achar algum sinal de Susanna pelo Parque, mas a perdera de vista logo nos primeiros segundo em que a perseguia. Resolveu continuar por um caminho conhecido, levando a onde Susana costumava ficar, vez ou outra. Tinha certeza que a encontraria perto das cerejeiras.

- Suze. – Mary chamou logo depois que viu que sua previsão estivera correta. – Sei que não sou Lucy, - ela continuou – mas também sou sua amiga...

- Como ele pode dar as caras e não avisar? Nem telefonar! Nem nada! Eu não acredito...

- Poderia ter conversado com ele...

- Isso contradiz o conselho que me disse a não mais do que cinco minutos trás. – Susanna comentou friamente. – Eu supostamente devia esquecer o passado, não encontrá-lo logo aqui neste lugar que significou... desculpe, significa, - ela se corrigiu – tanto para mim.

- Está certa, me desculpe. Mas as circunstâncias pediam isso. Por mais que eu mesma goste de seguir o meu conselho, o estava dando para você ao ver a sua melancolia, Suze. Ao ver sua aflição ao repensar de novo e de novo em seus problemas. Não poderia prever a aparição dele. – ela disse em sua defesa.

Susanna assentiu para demonstrar que entendera. Mary se ajoelhou a frente dela, cuidando para que a barra de seu vestido não tocasse o chão no ato.

- Tenho que parar de ser tão melancólica. – Susanna constatou, repensando o que dissera e fizera nos últimos tempos.

- Uh-hum. – Mary Jane concordou.

- Eu vou falar com ele. – ela decidiu, e se levantou na mesma hora.

Chegando a ponte, porém, não encontrou sinal de que ninguém estivera ali. Apenas o botão de rosa deixado para trás, como se sempre houvesse feito parte da paisagem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostaram? Por favor, não fiquem bravos por eu ter encerrado o capítulo logo aí...