Got My Heart In Your Hands escrita por Julia


Capítulo 131
Complicações


Notas iniciais do capítulo

Gente... Nós recebemos algumas reviews falando que o Pierre deveria sair do hospital. E bom, ele já saiu. No final do capítulo de ontem, está escrito: ''Pierre e Pat JÁ RECEBERAM ALTA'', ou seja, ele já saiu. Só pra não deixar ninguém confuso.
Outra coisa... Eu avancei algumas partes da fic, então não liguem para a palavra ''no dia seguinte'' ou para os ''[...]'' na história. Esse capítulo ficou enorme. Até o momento, é o maior já postado. Quem sabe alguma de nós não decide fazer um capítulo maior da próxima vez, hein? Espero que não enjoem de ler esse capítulo e nem fiquem com raiva por ser grande. Sei que foi exagero demais, mas já estava com saudade de escrever capítulos grandes. E aproveitei que minhas ideias decidiram aparecer. Está um pouco tristinho, então não me batam. HUAHUAHUAH. De qualquer forma, boa leitura. ♥



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Pierre

Freqüentemente me pergunto o que faz de fato uma pessoa marcar a vida de outra... O que nos faz cultivar em nossa mente a lembrança de algo que não aconteceu. Eu me considero uma pessoa feliz e realizada, pois vou casar... Tenho um noivo maravilhoso que me ama e que eu também o amo, tenho duas meninas lindas e saudáveis - que não são minhas, mas considero como tal -... Enfim, uma vida normal como tantas outras.

Sou apaixonado há... Um ano? Ah, quase um ano, e nunca tive dúvidas quanto à minha escolha. Quando olho pra trás sempre vejo que fiz o melhor; jamais me arrependi de ter pedido meu noivo em casamento e tenho certeza de que estaremos juntos pra sempre.

Mas essa certeza não me impede de pensar em como teria sido se há pouco mais de um ano eu tivesse realmente deixado a razão de lado, se hoje minha vida seria diferente.

Ah, do que eu estou falando? Bobagens, como sempre... Só sei falar isso. Mas às vezes penso se David realmente me ama do jeito que eu o amo. Ou, se a frase “até que a morte nos separe” será mesmo verdadeira.

Bem, eu sinto que não estou falando coisa com coisa, e que devo estar delirando novamente. Mas sabe, eu tenho muito medo de perder o David. Já o perdi muitas vezes, mas reconquistei. Contudo, eu temo de que isso possa se tornar definitivo algum dia.

Conheci uma pessoa pelo qual hoje sei que a reconheci imediatamente de um lugar muito distante e me apaixonei instantaneamente, porém eu era muito jovem e deixei meu orgulho falar mais alto que meu coração. Não fui sincero, não deixei claro o que sentia e principalmente não joguei tudo pro alto, não enlouqueci - apesar de achar que estou -. Toquei minha vida e ele tocou a dele com rumos totalmente opostos. 

Quando nos separamos, jamais o esqueci. Jamais deixei de pensar nele e de querer reencontrá-lo. Eu não tenho certeza se David sofreu o tanto que eu sofri, mas... Eu estou com receios de que vou perdê-lo, e vai ser em breve. Sei lá, eu estou ficando paranóico demais, e eu sinto isso às vezes. Guardo esse sentimento indefinido dentro de mim há tanto tempo e até hoje não consegui dar um nome, um adjetivo que seja. E jamais tive coragem de comentar com alguém. Até porque é uma coisa minha, uma insegurança que somente eu, Pierre Charles Bouvier, tenho no peito. Eu não sei por que sinto isso, mas prefiro “sofrer” em silêncio antes que eu acabe preocupando ou machucando alguém (David).

É como se fosse alguma coisa tão minha que fosse pecado dizer. Sem contar que sempre me achei um louco por pensar que vou perder alguém que faz parte da minha vida.

Suspirei baixinho, sussurrando “Para com isso, Pierre”, mas não sei como David acabou escutando.

─ Isso o que, Pierre? - Ele perguntou, também suspirando baixinho e com a sobrancelha arqueada. Droga, ele sabia identificar quando eu estava péssimo. Eu só queria acabar com isso tudo e correr para os braços de David, mas estava muito inseguro... Por quê?

─ Nada... - Respondi olhando para o chão, que naquele momento, era o único jeito para desviar do assunto de eu estar com uma insegurança do caramba.

─ Pierre... - Ele insistiu, e levantou o meu rosto pelo queixo, fazendo-me olhar para ele. Não resisti e acabei derrubando uma lágrima, mas passei minha mão pelo rosto rapidamente, retirando a lágrima que caíra com o meu polegar.

─ Não é nada, David... Eu estou bem, acredite. - Insisti com o meu “relato”, mesmo chorando, mas preferi não preocupá-lo.

─ Você não está em seu estado normal, Pierre. Alguma coisa aconteceu, e eu estou sentindo. - Ele espalmou ambas as mãos em meu rosto, e eu pude sentir suas mãos, que estavam... Quentes? Mas David sempre teve as mãos frias.

─ Eu estou normal sim. Não precisa se preocupar. - Dei um sorriso de canto, mas ele revirou os olhos, me ignorando totalmente. Ele sabia que algo estava me machucando, e ele me olhava, tentando descobrir o que estava se passando em minha mente. Era até bonitinho a maneira com que ele me olhava. Bom, tudo nele era bonito.

─ Mas eu me preocupo com você, Pierre... Porra, será que eu tenho que desenhar? - Eu ri baixinho do que ele disse por último, e movimentei minha cabeça de forma positiva, ainda olhando para o chão. Ele entendeu como um sim e pegou um papel e uma caneta, começando a fazer um desenho ali. Tentei ver o que ele estava produzindo, mas ele pôs os braços em cima, o que me fez ficar parado onde eu estava e apenas o observar concentrado em seu desenho, escutando o ruído do lápis ao entrar em contato com o papel.

─ Eu-me-preocupo-com-você. - Ele disse pausadamente, criando ênfase em cada palavra, e eu apenas escutei atentamente, concordando. Ele virou o papel para mim, e me mostrou um desenho de duas peças de quebra-cabeças, juntinhas, com carinhas apaixonadas. Abaixo, tinha uma frase escrito “You complete me”, e acima um coração pintado de rosa... Achei incrível ele não ter colorido o fundo de zebrinhas.

─ Awn, que lindo. - Sorri feito bobo e fiquei horas admirando o desenho de David. Como ele havia feito aquilo? E tão perfeitamente... Ele tinha dotes como artista, podia ser o Maurício de Sousa ou a Tarsila do Amaral, já que ele era a mulherzinha da relação. Ri baixinho quando pensei nisso, mas logo o contive, para não dar na cara que estava rindo dele. Não exatamente dele, mas do que pensei sobre ele.

─ Agora você vê o quanto eu te amo, o quanto preciso de você e o quanto você me completa? - Ele disse sorrindo largamente, estendendo os braços em minha direção para que eu pudesse participar do abraço, e eu o olhei com uma expressão de dúvida em meu rosto, pensando se eu deveria abraçá-lo. Ri baixinho por mais uma vez logo que vi o bico formado nos lábios dele... Era tão infantil, tão neném, e eu não consegui me segurar e saí correndo para os braços dele, me esquentando no calor de seu corpo, já que estava tão frio.

─ Acho que precisamos sair... Seu irmão saiu com a Marie Lee, e acho que precisamos disso também. Você está confuso, e estamos precisando de um tempo só nosso. Melanie pode cuidar da Lennon... Mas acho que agora elas devem estar dormindo. Deixaremos um bilhete para a Melanie se caso acordar, e nos divertimos. O que acha? - David colou as nossas testas, e movimentou o seu nariz no meu rapidamente... Ou seja, me deu um beijo de esquimó. Pude sentir a minha face esquentar e ficar bastante corada, no qual ele adorava. Vivia apertando minhas bochechas quando isso acontecia.

─ Mas está muito frio. - Disse batendo os queixos e tremendo, o abraçando ainda mais forte, a fim de me aquecer um pouco mais diante de seus braços em torno de mim.

─ Coloca um casaco e vamos sair. Por favor, por favor, por favor. - Ele falou manhosamente, lindamente, fofamente, maravilhosamente, perfeitamente, infantilmente... Ah, uma gracinha.

─ ‘Tá bom, vamos. - Demos um último selinho e fomos para o nosso quarto. Já estávamos arrumados, e apenas pegamos os casacos e vestimos. Dei um beijo na testa de Melanie e Lennon... David fez o mesmo, e logo saímos de casa. Peguei o meu carro na garagem e dirigi devagar, pois não queria ser multado.

David estava com a cabeça apoiada na janela do carro, segurando o trinco da porta com uma das mãos, enquanto a mão livre estava espalmada em sua perna. Ele fechou os olhos, adormecendo um pouco enquanto eu ainda dirigia. Os únicos sons que eu podia ouvir eram suas respirações suaves, como de uma criança que acabara de pegar ao sono. 

“Neném!” Sussurrei para não interrompê-lo de tirar um cochilo enquanto estávamos na estrada, e desviei meu olhar para ele, logo que parei o carro no sinal vermelho. Segurei a mão dele que estava em sua perna, e levei até meus lábios, deixando um beijo sobre a mesma. Ele virou o rosto e sorriu pra mim, e eu sorri também.

Acelerei o carro - não na velocidade máxima - quando o sinal ficou verde novamente, e estacionei o carro quando, por fim, chegamos a um restaurante. Muito luxuoso, por sinal. Luzes vermelhas decorando o ambiente, velas em todas as mesas... E o atendimento ao cliente era ótimo.

Costumava freqüentar esse lugar com meus pais e meus dois irmãos. Eu sempre pedia massas, de tudo quanto é tipo, de tudo quanto é sabor... Acho que é por isso que eu sempre fui meio - completamente - gordinho. Mas eu me chamaria de saudável.

Chamei um dos garçons, e ele se aproximou da mesa com um bloco de notas na mão e uma caneta. Estava até elegante de gravata borboleta, camisa branca e um terno preto, roupa normalmente apropriada para garçons.

Fiz os nossos pedidos, e David pediu vinho do Porto.

─ Por que vinho do Porto, David? - Perguntei sorrindo, e o garçom ficou prestando atenção no que falávamos.

─ Porque eu adoro Portugal, e pretendo conhecer algum dia. - Hum, acho que isso foi uma indireta. Mas tudo bem, David... Vamos para Portugal. Mas é uma surpresa, viu? Não vou lhe falar nada até agora.

Ri baixinho, e logo após pedi lasanha, fazendo o garçom anotar os pedidos. Porém, antes de se retirar e começar o serviço, ele piscou para David, o que me fez ficar furioso e possesso. Levantei-me da cadeira, a fim de ir atrás do infeliz, mas David me fez sentar de volta, pois percebeu o quanto eu havia ficado com raiva. E fiquei mesmo... Eu estava prestes a fazer um escândalo naquele restaurante.

─ Pierre, acalme-se. - David sussurrou com medo quando viu o modo como fiquei... E sim, eu estava nervoso. Ninguém pode piscar pro meu pequeno a não ser eu mesmo.

 ─ Você viu o jeito como ele olhou pra você? Ele até piscou. - Disse nervoso, nem me importando se alguém estava ouvindo a conversa.

─ E você acha que eu dou importância para isso? Ah, por favor, Pierre... - Ele revirou os olhos, bufando baixinho.

─ Claro que eu sei que você não dá à mínima, mas isso não me impede de ter ciúmes de você. Ou você acha que tenho um coração de pedra? - Falei nervoso, e também bufando, mas de ódio. Ódio de tudo. Eu estava quase chorando de ódio e ciúmes. Agora vocês conseguem ver o motivo de eu, Pierre Charles Bouvier, ser inseguro desse jeito? Será que eu sou mesmo o patético?

─ Para de ser patético. - Hã? O que? Ele me chamou de patético? Uh, ele leu essa palavra na minha mente? E desde quando ele tem esse poder de telepatia?

─ David, eu fiquei extremamente furioso. Se você não sabe, eu me importo com você, e não gosto quando alguém fica piscando pra você ou lhe chamando de lindo, amor e essas coisas. Eu, sinceramente, odeio essas intimidades todas. Só eu posso ser íntimo com você, e só eu posso lhe dizer coisas fofas. Ou você acha que gosto de ficar dividindo o que é meu, somente meu? E me perdoe, mas eu sou possessivo e egoísta. Já devia saber disso. - Suspirei após dizer, tentando conter o meu nervosismo, mas minha pele já estava ardendo em chamas. Mais um pouquinho eu me queimava.

─ Pierre, se ele piscou para mim, o problema é dele. Você não me viu piscar de volta, porque eu te respeito e só tenho olhos para você. Esse garçom é assanhado, sim, mas eu não vou lhe trocar por ele. Para com essas inseguranças. Eu quero você, só você. - Ele disse fixando o olhar em meu rosto.

─ Ok, eu vou parar de ser inseguro. - Aliviei a minha raiva um pouco... Bem pouco, mas pelo menos mais do que antes.

O garçom se aproximou com o vinho do Porto, duas taças e um prato com lasanha. Naquele momento, me deu vontade de virar a lasanha na cara dele, mas seria um desperdício de comida, e eu estava azul de fome.

Ele colocou os nossos pedidos sobre a mesa em que havíamos reservado, e antes de sair, ele piscou novamente para David, lambendo os lábios. Ah, agora ele passou dos limites... Levantei-me da cadeira, fechei o meu punho e acertei-o com um soco, fazendo o nariz dele sangrar imediatamente.

─ Pierre!

─ David! Vai lá defender o seu amorzinho, vai. Ele ‘tá sangrando, e precisa de você para socorrê-lo. - Disse em um tom de voz sarcástico e irônico, bufando de raiva, e chorando também.

─ Que inferno, Pierre! Quantas vezes preciso dizer que eu só gosto de você? - Ele disse com raiva, pude perceber no tom de voz.

─ Eu, sinceramente, estou começando a duvidar disso. - Eu já não estava mais fazendo sentido no que eu falava. Eu chorava de soluçar, e cada palavra que saía de meus lábios, era abafada por causa do meu choro. Meu coração estava doendo. Não por estar com ciúmes, isso poderia passar um dia (não acho tão provável), mas estou sentindo que, dessa vez, perdi o David para sempre.

─ Tudo bem então, Pierre. Fica com seu pensamento, que eu vou sumir da sua vida. - David saiu correndo do restaurante e entrou depressa no meu carro. Exatamente, meu carro. Ele fugiu com o meu carro, me deixando plantado na porta do restaurante, olhando para aquele garçom mequetrefe. Que ódio! Ele era o culpado por toda essa idiotice minha. Muito bom, Pierre Bouvier. Agora você acaba de perder o amor da sua vida por causa do seu ciúme doentio... Mas bem, como eu disse, eu não tenho coração de pedra.

Corri para o banheiro do estabelecimento, tranquei a porta e encostei minhas costas na mesma, chorando sem parar. Olhei para a pia e lá estava um caco de vidro, provavelmente de algum espelho quebrado de alguma maquiagem, já que o banheiro era de todos, não tinha de homem e de mulher, era tudo junto.

Peguei o caco de vidro, girando em meus dedos, e fiquei fitando atentamente. Pensei em me cortar, mas acho que David não merecia a minha dor e nem o meu sangue... Ou talvez eu não merecesse, fui patético demais, como sempre sou. Mas sei lá, antigamente eu achava que, de alguma forma, ele também pensava em mim, ainda que fosse só um pouquinho, mas agora vejo que sou um idiota, pois acho que esse sentimento é só meu. É aí que me pergunto o porquê de tudo isso. Será que um dia terei resposta? Se existe ou não almas gêmeas (prefiro almas afins) ele também deveria sentir o mesmo? Não sei. Sonho constantemente com ele e nos meus sonhos sinto uma enorme necessidade dele. Eu o venero, o amo, o necessito muito. Nos meus sonhos ele me abraça e eu sinto proteção absoluta, é muito estranho. Não sei se hoje gostaria de reencontrá-lo, acho que não. Sei que não mudaria em nada minha vida, nem sei se sentiria algo, mas gostaria apenas de entender o porquê dessa lembrança, dessa necessidade dele. Escrevi uma mensagem para os meus amigos dizendo que eu teria que cancelar os shows no Brasil por motivos pessoais... E realmente eram pessoais. Ou eu deveria ir? Ah, não sei, talvez eu vá, mas por Deus, eu decidirei isso amanhã, hoje não tenho cabeça para mais nada... Chuck ficou feliz por encontrar mais uma amiga, e eu também fiquei feliz... Ou quase feliz... Acho que me transformarei em Caroline de novo, cortando os meus pulsos. Eu vi os cortes nos pulsos dela quando Chuck me apresentou a menina. Eram cortes profundos em uma menina tão bonita. Olhos claros, cabelos loiros e pele também clara... Mas ah, eu não poderia dizer nada, já que meus pulsos ficavam extremamente iguais. E agora sem David, tenho mais motivos para isso. Mas por enquanto, estou sendo forte. Já evitei me cortar quando peguei o caco de vidro. Pelo menos nisso estou sendo forte o suficiente. Mas enfim, vou apresentar a Caroline ao Jonathan... Não agora, claro, pois estou sem cabeça para ser cupido.

[...]

Penso que se tivesse chegado a minha vida em outra época, eu teria agido de forma diferente, mais adulta, e a saudade hoje seria uma coisa mais concreta, mais fácil de entender. Teria tido oportunidade de senti-lo fisicamente, o que não ocorreu. Sempre tive a certeza de que iremos nos encontrar, mas em outra vida. Nos meus sonhos eu o vejo também sorrindo e me recebendo em algum lugar. Será fantasia da minha cabeça? Delírio? Nem sei se acredito em vida após a morte, mas a minha pergunta continua... Por que uma pessoa marca tanto outra e por que não é recíproco se existe mesmo esse negócio de amor entre almas? Agora ele deve estar longe da cidade, e eu sem poder alcançá-lo. Peguei o meu celular e mandei um torpedo para ele.

“Sei que fui um tremendo idiota, mas sei também que dessa vez acabou. Definitivamente acabou. Você me deu inúmeras chances de mudar, de ser um cara que você merecia ter em sua vida, mas eu vivo fracassando. Mas você sabe o quanto eu tenho ciúmes de você. Perdoe-me por ter passado dos limites no restaurante, eu realmente fiquei possesso. Duvidei do amor que você sentia por mim... Eu não sei o que se passou pela minha cabeça na hora. Eu só queria te dizer adeus, mesmo que me perdoe ou não, nada mais importa. Eu só queria você ao meu lado agora, para eu poder adormecer em paz. Será que poderei voltar a fazer isso algum dia? Acho que não. Eu não mereço mais nenhuma chance, não mereço mais o seu amor. Mas estou aqui, te mandando essa mensagem porque eu sei que estou errado. Sei o quão patético eu sou, você tinha razão quando me chamou assim. Eu não sou a pessoa perfeita pra uma pessoa perfeita como você.  Só enxergo as suas qualidades, e você... Bom, só enxerga os meus defeitos. Então, eu queria me despedir de você. Não sei quando irei ver você mais. Adeus.”

Chorei mais ainda ao terminar de escrever, e sentei no chão. Logo em seguida, fechei os meus olhos.

[...]

Oito horas da manhã do dia seguinte...

Escutei batidas na porta. Eu estava no banheiro do restaurante... Espera, eu havia passado a minha noite ali? Oh céus... David, como eu preciso de você.

As batidas na porta estavam ficando mais intensas e mais estrondosas.

─ Já vai! - Disse um pouco sonolento, e abri a porta. Meu cabelo devia estar maravilhoso, pois o homem que estava na porta me olhou com cara de espanto. Meus olhos estavam ardendo de tanto chorar, e as olheiras estavam indo para as minhas bochechas daqui a pouco, de tão grandes e fundas.

Saí do banheiro e fui encarar o frio lá fora. Na minha boca saía fumacinhas a cada respiração. Juntei minhas mãos e movimentei as mesmas, a fim de esquentá-las, e fui caminhando até a minha casa.

Depois de duas horas de caminhada - sim, eu estava longe -, finalmente cheguei. A casa ainda estava fechada. Melanie devia estar dormindo. Entrei em casa e tirei o meu casaco, e em seguida fui até a cozinha. Retirei um copo de cristal do armário e uma garrafa de uísque. Hoje eu quero afogar as minhas mágoas.

Bebi um gole, dois goles, três goles... Até ficar zonzo de vez. Fui cambaleando até a sala e capotei no tapete. Melanie, que havia escutado a pancada que fiz quando caí ao chão, veio correndo, e me viu “morto” no chão com o copo na mão. Ela ficou sem ter o que fazer, e gritou, mas naquela hora, eu não conseguia ouvir nada. Havia ficado inconsciente. É, David... Olha só o que eu sou capaz de fazer por você.

Mas ah, o que adiantava isso agora? Ele não iria voltar para mim, eu devo me acostumar com isso, já chega de chorar pelo leite derramado. Já está derramado, nada vai fazer o copo ficar cheio novamente. Assim como o meu coração, nada mais é capaz de preenchê-lo novamente, a não ser David Phillippe Desrosiers.

Eu me lembro de que meus pais me ensinaram a nunca chorar por um amor não-correspondido, porque não vale à pena, mas acho que essa teoria não funcionava comigo. Aliás, tenho certeza. Eu estava morto e derrotado, não sentia mais vontade de viver. E tem como viver assim? Com certeza, não.

De repente, estava sendo arrastado... Claro que eu não senti nada, e Melanie estava comigo, amordaçada. Eu ainda estava inconsciente por causa da bebedeira. Eu havia bebido a garrafa toda de uísque. Álcool puro, mas com o coração doendo, eu nem senti o gosto do álcool. Era como se eu estivesse bebendo um suco de groselha.

[...]

─ Não! Eu não quero. Pai!

Escutei gritos logo que abri os olhos, e Marcela estava obrigando Melanie a comer algo muito estranho - nojento -.

─ Largue a menina, sua nojenta. - Gritei logo que voltei ao meu estado normal. Minha vista já estava ficando boa novamente, apesar da dor de cabeça. Mas, quando me dei conta, estava amarrado na cadeira. Totalmente amarrado. Ela colocou a corda em volta do meu corpo, e nem se eu quisesse sair dali, eu conseguiria. Mas é claro que esse era o meu desejo.

E eu também queria que David sentisse uma pontada no coração e viesse me socorrer. Afinal, sempre fomos ligados nisso. Eu sentia quando ele estava mal, e ele sentia quando eu estava mal. Será que esse seqüestro se tornará uma coisa boa? Ah, bem que poderia. A pior dor que pode existir é amar alguém e este alguém não amar você de volta.

Todo adolescente, pelo menos uma vez na vida, sofre de amor não-correspondido. E eu posso dizer por mim mesmo que não é nada legal. É algo que vai quebrando seu coração aos poucos, em vários pedacinhos.

Mas, não é só conosco que isso acontece, sabia? Você já imaginou que talvez já tenha feito alguém sofrer também? Por mais que alguns digam que não, por se acharem feios, tímidos demais, rejeitados, ou o tipo de pessoa que ninguém olharia; eu te afirmo que SIM! Teve alguém que já sofreu de amor por você!

Esse alguém acompanhou cada passo seu. E esse alguém é tão perfeito, mas mesmo assim consegue amar a você que é cheio de defeitos. Ele é “muita areia para o seu caminhãozinho”, mas mesmo assim continua esperando por você. Esse alguém poderia escolher qualquer pessoa do mundo, mas ele ainda prefere você. Esse alguém deu a vida por você, coisa que qualquer outro garoto imaturo não faria, e você continua o desprezando.  E esse alguém, diz a você:

“Por mais que você me rejeite, continuarei aguardando por você até seu último suspiro. Porque é você que eu quero! O meu amor é o maior do mundo. Ele não é imperfeito! Eu te aceito como está. Do jeito que você é. Acredite! Para mim você é a pessoa mais especial do planeta. Eu te acho lindo, exatamente desse jeitinho! Meu amor não vai te obrigar a nada do que não queira fazer. Meu amor não olha para os seus defeitos. Meu amor não te esnoba.

Por que você continua correndo atrás daquele menino, se tudo o que você precisa nesse momento é do MEU amor? Ele é o único que não vai te trocar. Que não vai enjoar de ti. Não vai te deixar, te trair, te desiludir. E a minha promessa não será quebrada!

Eu quero te proteger! Meu amor te protege. E você precisa da minha proteção. Eu quero te abraçar! Permita-me te abraçar! Permita-me encher seu coração com o meu amor, para que você não sinta falta de nada. Me ame! Venha, e deixe-me te amar! Me corresponda e veja o que é o verdadeiro amor. Entenda seu significado. Você é mais importante para mim do que para qualquer outro garoto. Ninguém nunca vai te amar como eu te amo. Eu sempre estarei aqui. Nunca te abandonarei.

Eu jamais brincarei com os seus sentimentos. Porque também tenho os meus. Se você está triste, eu também me entristeço. E quando você fica alegre, não há nada que me deixe mais feliz. Quando você chora, meu coração despedaça, esperando pelo momento que você me entregará sua vida para que eu tome conta.

Eu nunca desistirei de você! Por mais que você me despreze, e não importa o quanto faça isso, a cada dia aguardo ansioso pelo seu amor. Dei minha vida por você e daria de novo. As marcas nas minhas mãos foram por amor à você. E em meio a toda aquela dor, você era meu único pensamento.

Mesmo dois mil anos depois, continuo provando meu amor, honrando minha promessa; continuo de braços abertos… Mas você precisa me aceitar! E o pouquinho que você fizer já vai me deixar tão feliz! E a você também! Você experimentará maravilhas que seus olhos nunca viram, ouvidos nunca ouviram, nem nunca imaginou.

Nunca sentirá medo ao meu lado, porque estarei lutando por você até o último dia de sua vida. Esse é o verdadeiro amor!

Ah, eu já estou ficando meloso com esses meus textos. Eu sei que o David nunca irá dar valor a isso... Nunca mais! Eu posso falar mil vezes que o amo, e nunca deixarei de amá-lo, mas ele nem deve mais acreditar em mim. Marcela está ali, apontando a faca para Melanie e... Ô-ou, agora ela apontou a faca para mim.

─ O que você quer? - Disse com dificuldades.

─ Dinheiro. Aí eu solto vocês. - Oh, ela quer dinheiro. Talvez fosse perda de tempo eu entregar meu dinheiro a ela só para ficar livre. Iria adiantar algo?

─ Solte a Melanie. Eu quero ficar aqui. - É, eu sei, o que eu disse não tinha feito o menor sentido. Até Marcela me olhou com cara de espanto.

─ Ok, espera, isso não está acontecendo... Você está pedindo pra ficar aqui? Eu estou te dando a oportunidade de ficar livre... Depois você me recompensa.

─ Ah, Marcela... Minha vida está arruinada, e... Bom, deixa, eu não vou desabafar as coisas com você.

Melanie insistia para que eu fosse para casa com ela, mas... Ok, eu cedi, porque não queria deixá-la sozinha. Dei todo o dinheiro que eu tinha para Marcela, e voltei para casa. Era o mesmo martírio, o mesmo pesadelo... A casa sem David não era casa. Delilah mordia brincava com o meu pé, eu sorria de canto, nada de sorrisos largos.

David, volta... Eu não agüento mais viver sem você. Espero que possa me ouvir.

Ah, o que eu estou fazendo, conversando comigo mesmo? É, o amor nos leva à loucuras. Fui inventar de olhar para o espelho e minha pele estava pálida, os olhos vermelhos e inchados, e em volta estava preto devido às olheiras. Hum, ok... Esse é o preço que eu tenho que pagar, talvez.

Fui para o meu quarto e comecei a escrever uma música... Na verdade, eu já havia escrito, mas decidi escrever novamente a mesma música, já que eu não tinha nenhuma outra em mente, e também não tinha nada para fazer.

You look so beautiful today
When you're sitting there
It's hard for me to look away
So I try to find the words that I could say
I know distance doesn't matter
But you feel so far away
And I can't lie
But every time I leave
My heart turns grey
And I wanna come back home
To see your face tonight
'Cause I just can't take it
Another day without you with me
Is like a blade that cuts right through me
But I can wait, I can wait forever
When you call, my heart stops beating
When you're gone, it won't stop bleeding
But I can wait, I can wait forever
You look so beautiful today
It's like every time I turn around, I see your face
The thing I miss the most is waking up next you
When I look into your eyes, man, I wish that I could stay
And I can't lie
But every time I leave
My heart turns grey
And I wanna come back home
To see your face tonight
'Cause I just can't take it
Another day without you with me
Is like a blade that cuts right through me
But I can wait, I can wait forever
When you call, my heart stops beating
When you're gone, it won't stop bleeding
But I can wait, I can wait forever
I know it feels like forever
(Feels like forever)
I guess that's just the price I gotta pay
But when I come back home
To feel your touch
It makes it better
(Makes it better)
Till that day
There's nothing else that I can do
And I just can't take it
(I just can't take it)
Another day without you with me
Is like a blade that cuts right through me
But I can wait
(I can wait)
I can wait forever
(I can wait forever)
When you call, my heart stops beating
When you're gone, it won't stop bleeding
But I can wait
(I can wait)
I can wait
(I can wait)
I can wait forever
(Wait forever)
I can wait forever
I can wait forever
(I can wait for the day, 'cause you're gonna come back to me now)
I can wait forever
I can wait forever
I can wait forever

Ok, adivinha? Estou novamente chorando... Droga, até quando isso vai durar? Quando vai acabar? Se é que terá fim. Fiquei olhando para o celular, à espera de uma resposta, mas que nunca chegaria. Meus pais sempre me disseram para nunca dizer nunca, mas não acho tão provável David voltar para os meus braços, sabendo que fui eu que ocasionei isso tudo, como sempre. Às vezes penso se eu sirvo pra alguma coisa... Ah, claro, pra arruinar a vida das pessoas. É só pra isso que eu presto. E ah, pra cantar no Simple Plan. Se é que ainda tenho talento pra isso, acho que perdi tudo.

E que droga, Pierre... Até quando você vai olhar para esse celular? Hum, até amanhã, se duvidar. Estranho eu ainda estar esperando uma resposta de David, é claro que ele me largou. Como sou burro. Deve estar com outra pessoa agora, outro amor, outra vida... Afinal, era eu que atrapalhava tudo, talvez agora ele tenha percebido que eu era apenas um peso para ele.

Eu ainda me sentia entorpecido, anestesiado pelos fatos que haviam ocorrido na noite anterior. Mas talvez melhor do que antes, os pensamentos voltavam a fluir, agora sim daria pra pensar melhor no que foi dito, no que foi feito. Mas eu não queria pensar. Talvez acreditar que tudo não passou de um pesadelo e que tudo voltaria ao normal no outro dia, foi o que fez com que eu dormisse - ou tentasse -. Mas nada mudou, eu ainda encontrei todas as palavras ao ligar o notebook, elas ainda estavam lá, exatamente como antes. Só que da primeira vez eu só conseguiu derramar as lágrimas, da segunda vez... Bem, eu não fui forte como deveria ser. Chorei mais ainda, e eu que era o culpado. Mas afinal, isso é tão natural, não é? As pessoas se perdem ao longo do caminho e talvez o melhor seja esperar que o tempo passe e você aprenda que amizade não é uma coisa pra se levar a sério. Não existe melhor amiga, ou melhor amigo, existem pessoas que em determinado momento da sua vida estão lá e você as ama com toda intensidade, até que ela se canse ou encontre alguém melhor. Ou até que você faça isso. Eu acreditava que por mais que tenha sido difícil e seja assim tão doloroso, foi melhor que soubesse de uma vez que a pessoa (David) estava sim diferente e que queria isso. Era como se alguém tirasse meu coração, era como se tudo que aconteceu, tudo que eu havia feito para o David, não tivesse mais sentido. O mundo desaba e você perde o foco quando acha que está perdendo alguém que ama.

Eu queria acreditar que seria só uma fase e que depois tudo seria normal, mas ao mesmo tempo eu sabia que ia mudar tanto. Eu só queria não ter me deixado apegar tanto. "Por que isso? Por que acreditar que as pessoas são diferentes quando na verdade são todas iguais? Por que deixar que alguém precise de você quando você sabe que no fim vai cansar e querer distância dela? Isso não é ruim? Isso não é egoísmo? Pensa bem, porque nada é pra sempre e uma hora todas as respostas vão surgir, e aí você não vai confiar em mais ninguém, até que apareça outra pessoa dizendo ser diferente... Você vai acreditar e o ciclo vai se repetir, e depois de um tempo você vai se fazer as mesmas perguntas, de novo."

Agora eu só queria pensar em mim. Amor próprio. Hoje começa tudo de novo e amanhã tudo vai ser diferente. Aliás, amanhã eu já não vou mais acreditar em muita coisa que acreditava hoje - assim espero -. Amanhã meus pensamentos serão outros e esse discurso já não fará o menor sentido pra mim. Mas tudo o que tenho a fazer é entender que não se deve nunca esperar nada de ninguém. 

Quando eu encontrar a outra metade da minha alma, eu entenderei porque todos os outros amores deixaram-me ir. Quando eu encontrar a pessoa que realmente mereça o meu coração, eu entenderei porque as coisas não funcionaram com todos os outros...

O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranqüila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “Se eu fosse você”. A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. Aprendi isso depois da experiência que tive... Se eu soubesse escutar, nada disso teria acontecido.

Ah, mas todos fariam o mesmo no meu lugar... Eu estava enciumado, falei. Deixei meu celular sobre a mesa de centro, e quando estava me preparando para dormir - na sala mesmo -, escutei o toque.

¹Can't be too careful anymore when all that is waiting for you. Won't come any closer, you've got to reach out a little more. More, more, more, more.

Quando fui responder ao telefone, acabou caindo na secretária eletrônica. A voz era de David... Espera, era ele.

“Pierre, é o David. Eu li a sua mensagem, mas agora não tem mais volta... Só queria mesmo lhe responder isso. Não dá pra ficar com uma pessoa que duvida do meu amor...”

Antes que ele pudesse terminar o seu discursinho animado e-não-sei-mais-o-quê, eu desliguei o celular. Estranho como essa história não me comoveu, ao contrário, eu fiquei rindo. Rindo para não chorar, óbvio. Mas rindo.

Decidi sair de casa para dar uma volta, em silêncio. Talvez fosse errado deixar Melanie sozinha, mas eu escrevi um bilhete para ela. Sempre foi uma menina responsável, e não ia desapontar-me dessa vez. Caminhei até a porta da sala e andei pelas ruas frias de Montreal. Coloquei o meu capuz, pois a brisa noturna - meu Deus, já era de noite? - era extremamente gelada.

Eu via casais se beijando nos bancos das praças, perto dos canteiros de flores, e eu observando e imaginando David ao meu lado... É, pelo jeito, iria ser só coisa da minha imaginação. E eu não sei o motivo de estar falando que não me importo mais. Talvez por estar querendo bancar a pessoa forte, o durão, mas no fundo eu sou frágil. Se me tocar, eu quebro.

E se ele encontrar uma pessoa mesmo? Será que ele seria capaz de me substituir depois de tudo o que vivemos juntos? Eu não tenho medo de que isso aconteça. Talvez um pouco de receio. Mas e se ele encontrar mesmo outra pessoa? Alguém que o faça feliz e que ele realmente ame? Tudo bem, o que importa para mim é que ele seja feliz, não importando se será comigo ou outra pessoa. Mas eu quero que ele seja feliz comigo, caramba! Eu não quero tê-lo como propriedade. Eu não quero acreditar nessa coisa de cara metade ou almas gêmeas, sei lá como as pessoas preferem chamar. Mas eu sei, lá no fundo, que somos pra sempre. Na verdade pra sempre é tempo demais e ele também não existe, mas eu o quero durante o tempo que pudermos nos agüentar. Sete meses, três anos, até a morte. Eu não me importo. Só de ter esse seu olhar apaixonando me olhando todos os dias de manhã e tendo seus pés esquentando os meus em noites frias já seriam o suficiente. Não quero nada de muito superficial, só ele. Quero ele na minha cama. Na minha casa. Na minha vida.

Ah, eu devo estar ficando doido... Afinal, eu quero ou não quero? Ah, eu quero sim... É o que eu mais quero pra mim. E já não agüento mais ver alguém falando de amor perto de mim. Olha para os meus amigos... Todos felizes por terem a pessoa que sempre desejou, e eu? O que eu tenho? Apenas um buraco no coração. É normal sentir tanta falta de uma pessoa assim? Acho que não, mas ‘tá... Eu também não sou normal.

[...]

─ David?

─ Pierre, desculpa...

─ Não, eu que devo pedir desculpas pela minha...

Ele pôs o dedo indicador em meus lábios, e em seguida, me calou com um beijo.

[...]

─ David... David? - Levantei e ele não estava mais lá. Como eu não percebi que estava tendo um sonho? E como eu acabei adormecendo? Bem, esquece, acho melhor dormir de novo.

─ Papai... Papai! - Melanie me chacoalhava.

─ Oi... O que aconteceu? - Acordei sonolento, e escutei o choro de Lennon. Logo percebi do que se tratava. Levantei depressa, sem ao menos notar que estava sem a calça, e fui até o berço de Lennon. Ela devia estar com fome. Preparei a mamadeira dela... Aliás, eu apenas esquentei. Ela bebeu direitinho, após eu testar para ver se não estava quente. Parecia um anjo, e já estava ficando esperta. Eu não via a hora da menina crescer... Ao lado de David, é claro! Eu queria que ele acompanhasse cada fase da Lennon, mas isso seria um sonho impossível. Eu sei que seria, com certeza.

Eu fui atingido por uma bala, que mesmo sem me atingir literalmente, dilacerou meu coração como uma faca. Meu assassino foi embora. Quem sabe, você acordará quando as estrelas caírem. Confuso é como eu estou agora. Podem-se ouvir meus soluços abafados misturando-se com o som da tempestade - sim, estava chovendo -. Minhas lágrimas escorriam uma a uma e caíam sobre meu rosto.

Meu coração explodiu de tanta tristeza. Te amo tanto que eu quero viver contigo por toda a eternidade. David, você será meu amor para sempre e eternamente. Espero um dia você consiga me ouvir e acreditar nisso... Mas toda vez que paro para pensar nisso, me vem a imagem do garçom em minha mente. Eu choro ao pensar o quão estúpido eu fui, mas você deve me entender, não é? Espero que um dia possa me entender...

Sabe, eu gostaria de ter um significado, entender as coisas... Mas como posso entender o mundo, os detalhes, e as pessoas ao meu redor se eu não entendo o que há em mim? De tudo, eu nada sei. Não sei nada sobre essa imagem refletida no espelho, tal imagem extremamente abatida como quem vive sem rumo. Frustrante se ver, e nem sequer saber quem está vendo… Ou o que. Nem ao menos sei quem sou, nem ao menos sei o que posso ter, e de tudo me considero incapacitado. Quanta confusão em meus sentimentos, quanta coisa inexplicável para mim. Sou um tipo de pessoa que aposta muito em seus sonhos, e acaba nunca vivendo uma realidade, talvez agora que eu tenha acordado, tenha percebido o quanto já estou perdido. Por que não posso usufruir somente de meus devaneios? Lá eu me vejo completamente diferente da realidade, e lá eu sei lidar comigo mesmo. Lá existe amor, e existe verdade. Quase tudo que anda em falta por aqui.

Eu só gostaria que ele pensasse em mim da mesma forma como eu penso. Afinal, não foi uma simples paixão... Construímos uma vida juntos, algo somente nosso. Eu não quero ter que voltar para a casa de meus pais, como se fosse um cachorro procurando um abrigo. E eu já tenho a minha casa, não preciso de mais nada. Aliás, preciso do David. Deus, por que dói tanto? Eu queria muito que essa dor se amenizasse, virasse cicatriz, algo assim... Essa dor está me matando.

Hoje quando acordei  - eu nem dormi de verdade, tirei um pequeno cochilo - comecei a lembrar de tudo que vivi por um grande amor que até hoje se faz presente nos meus pensamentos... Nos momentos em que estivemos juntos... O primeiro amor - sei que não foi exatamente um primeiro amor, mas foi o único que valorizei - é complicado, fica voltando nos meus sonhos e nos meus pensamentos... Fico pensando como seria se tivesse dado certo (e quanto a você que foi o meu primeiro amor, como anda, como vive, é feliz, será que não se arrependeu de ter me deixado?) 

Não posso negar que vivi um amor enlouquecedor com esse meu “primeiro amor”, que me fez perder a cabeça. Joguei tudo pelos ares e, quando estava completamente apaixonado, ele se foi e nem olhou para trás.

Tudo bem então, Pierre. Fica com seu pensamento, que eu vou sumir da sua vida.

Eu vou sumir da sua vida... EU VOU SUMIR DA SUA VIDA... Eu-vou-sumir-da-sua-vida. Formou-se um eco dentro de minha cabeça. Eu nunca mais iria esquecer essa frase. Acho que eu nem tenho mais um coração que bate... Sinto que ele parou de bater. Agora ele só sabe sangrar, sangrar e sangrar. Sangrar mil vezes.

Mas agora estou aqui... Restaram apenas as lembranças... Vivemos um amor que hoje vejo que não existe. Hoje tenho muita saudade e sei que se fosse em outra fase da minha vida, eu acredito que poderia ter dado certo, talvez hoje por conhecer o sofrimento da perda teria mais forças para lutar por ele, pois sei o quanto é triste perder quem tanto amamos, e o pior é perder para outra pessoa. Mas pior seria se não houvesse nem as lembranças, pois tudo teve o seu tempo certo, e foi bom enquanto durou.

[...] 

No dia seguinte...

Arrumei as minhas malas e peguei as garotinhas para ir até o aeroporto. Na porta estava... Meu pai? Com a van dele? Mais apertada que ônibus lotado? Ah, mas eu adorava aquela van... Já estava sentindo falta disso.

Todos já estavam lá dentro, inclusive David. Entrei na van e cumprimentei um por um, menos David, que ficou me olhando surpreso, assim como os outros.

─ Oi, Pierre. - David me cobrou atenção, mas disse em um tom de voz sarcástico e triste. Eu sabia que nunca mais iríamos voltar e que aquela seria a última vez que iríamos estar “juntos”. O fitei, formando um sorriso (falso) no canto dos lábios. Tive vontade de agarrá-lo e apertá-lo com toda a minha força, sim, eu tive, mas precisei me controlar para não fazê-lo. Suspirei baixinho, fechando os olhos e pensando: “Seja forte, Pierre”. 

─ Oi. - Isso foi tudo o que consegui dizer. Sei que pareceu seco, rude, antipático, mas eu não tive outra escolha a não ser essa.

─ O que aconteceu com vocês? - Perguntou Seb. É óbvio que havia percebido o nosso comportamento. E agora, como eu iria escapar disso?

─ Nada, Seb. Por quê? - Eu estava suando frio.

─ Vocês parecem estranhos, e não olham um para o outro.

─ Estranhos? Quem? - Que pergunta tosca eu fiz. Mas precisava descontrair um pouco. Aliás, eu não queria contar para ele o que havia acontecido entre mim e David. Não queria contar a ninguém, nem para Jay, mesmo sabendo que naquele momento ele era o único que podia me apoiar e oferecer o seu ombro para eu chorar tudo o que eu ainda estava guardando - se é que ainda tenho lágrimas -, mas agora não.

Sébastien apenas apontou para mim e David, e eu virei o rosto. Porém, quando meu olhar se encontrou ao David, desviei meu olhar novamente para o Sébastien.

─ Não aconteceu nada, Seb. É apenas impressão sua. Estamos ótimos.

─ Sim, estamos ótimos. - Completou David, criando uma falsa ênfase no “ótimos”, querendo mostrar que estava no fundo, mas no fundo, algo estava o machucando. Oh, ele estava com saudades de mim... Ou seria mais alguma coisa fértil de minha imaginação mais fértil ainda?

Ignorei meus pensamentos, e olhei para a janela, observando o asfalto e o gramado de algumas casas... Bem verde, como a cidade deve ser. Eu simplesmente amava Montreal, era um ótimo lugar para se viver, tirando as idas e vindas, mas isso era comigo, e não com a cidade.

Chegamos ao aeroporto, despedi-me de meu pai e fiz o check in, logo entrando ao avião. Ainda estávamos providenciando um jato particular. Primeiro show era em Teresina, no Piauí. Primeira vez que iríamos para lá. Meu Deus, eu nem fazia idéia de como esse Brasil era grande. Quer dizer, eu sabia que o país era grande, mas nunca iria imaginar que existiriam lugares como esses. E depois ainda passarei por Fortaleza. Uau! Ouvi dizer que é um lugar muito bonito, e as praias também são maravilhosas.

Entramos de avião, mas dessa vez, sentei longe de David. Por sorte, peguei um assento mais longe, ao lado de Avril. As grávidas ficaram em casa. O que eu até achei bom, não queria que arriscassem a gravidez fazendo longas viagens dessa maneira.

Meus amigos ainda continuavam mirando o olhar em mim. Fuzilando-me com os olhos. Eu até poderia imaginar o que estava passando pela mente deles. “Pierre está estranho, ele não sentou ao lado de David como de costume”, mas preferi que ficassem apenas na dúvida, morrendo de curiosidade para saber o que estava acontecendo - óbvio que eu não iria contar, porque sou malvado. Mentira, eu não sou malvado, só não quero ficar dividindo um problema tão sério com os outros -.

[...]

O vôo durou 14 horas e 25 minutos. Finalmente chegamos ao local onde aconteceria o show. Mas antes disso, paramos para dar autógrafos aos fãs que nos esperavam no aeroporto. Tiramos algumas fotos, e eu agi naturalmente, como se nada de ruim tivesse me acontecido.

Depois fui ao local do show, juntamente com os meninos. Paramore, Good Charlotte e Avril Lavigne ficaram na grade, só que em uma parte mais vip do show. Banda Strike abriu o nosso show... Eu não entendia nada da letra, mas o som era bom. Um rock brasileiro, adoro.

O show de abertura seguiu normalmente, e após retirarem os instrumentos do palco, chegou a nossa vez de tocar. É claro que enrolamos um pouco no camarim, e eu já podia escutar alguns gritos da platéia louca. Minutos depois - quase uma hora -, surgimos no palco. Nada poderia estragar aquela noite, e ao ver o público animado ao me ver junto com a minha banda, comecei a me animar também, pois sabia que, de algum modo, não poderia decepcionar ninguém, até porque eles estavam ali por minha causa, então eu teria que fazer bonito.

─ Oi, Brasil! Nós somos o Simple Plan! - Isso foi o que eu consegui gritar no microfone antes de começar a me agitar logo que iniciou o toque de Shut Up. Cantei até o fim, a platéia gritou, fizemos palhaçadas no palco e eu fiz uma dança sensual de I’m Sexy And I Know It. Sim, talvez fosse desnecessário eu ter feito isso, mas e daí? Eu estava tentando me divertir, e precisava ao menos disfarçar a minha tristeza para todos que estavam ali, me assistindo ao vivo.

O show seguiu com a setlist de sempre. Despedi do público com Perfect, mas quando fui me retirar do palco, tudo acabou ficando escuro. Eu não escutei mais nada, não senti mais nada. Talvez eu tenha... Uhn... Morrido? Eu? Não, não pode ser...

Ah, acho que eu morri mesmo.


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