Acordei quando algo pousou na minha testa, e, ainda meio confusa, vi que Dan depositara um leve beijo nela. Quando ergui os olhos ele sorriu ligeiramente, colocando um dedo na frente da boca para que eu ficasse em silêncio. Retribuindo o sorriso, acenei com a mão para que ele chegasse mais perto, sem fazer barulho, ele ficou ao meu lado depois de uns poucos passos cuidadosos. Puxei a gola de seu pijama e selei nossos lábios. Ele se ergueu um pouco vermelho, pisquei para ele, que foi alegre para o banheiro tomar banho.

Chequei no relógio que horas eram, extremamente cedo: 5:30, admirei profundamente Dan por conseguir acordar a essa hora. Dei de ombros, me encolhi entre as cobertas e dormi enquanto sentia reconfortada a minha testa queimando onde o MEU demônio tinha beijado.

–-x--

Quando acordei, ouvi som de água correndo, olhei para baixo do beliche constatando que era Dan que tomava banho. Demônio maldito! Olhei o beliche oposto ao nosso. Lô estava ferrada no sono, para variar. Taus, que lia um livro com os cabelos ainda desarrumados, acenou para mim quando percebeu meu olhar. Depois de um tempo procurando algo, os olhos verdes da garota brilharam quando ela achou seu marcador de livro, o qual ela colocou no livro. Alegre, desceu do beliche com cuidado para não acordar Lô, o que é meio impossível.

– Ei! – Sussurrou ela. – Estou morrendo de fome, vamos sair antes?

– Não – Respondi. – Não quero deixar esses dois sozinhos. – Fiz um movimento de cabeça indicando-os.

– Mas... – Seu estômago reclamou.

– Ok, ok... – Suspirei, derrotado. – Vou entrar no banheiro para me arrumar e você aproveita para trocar de roupa, pode ser? – Ela assentiu, passando a mão em sua barriga, numa cena cômica.

Com um resmungo, peguei minhas coisas e bati na porta do banheiro.

– Quem é? – Uma voz horrorosa, de uma pessoa horrorosa, horrorosamente perguntou.

– Eu, Danny!!! – Fingi animação. Ouvi a tranca girar e entrei no banheiro.

– Não tente fazer nada comigo, Travesti Pervertido.

Como se eu quisesse fazer algo com um estorvo como você, nem acredito que um dia tenha te beijado!! Enfim, o banheiro estava muito quente, cheio de vapor. Era, mas cômodo, do lado esquerdo havia uma privada e seus acompanhantes – papel higiênico, cesta de lixo, um exemplar de Marx e um laço de cetim rosa choque em volta (este último obra minha, aplaudam) – no meio uma pia espaçosa com um armário espelhado, e à direita uma ducha de vidro fumê.

Vesti minhas roupas, apoiando o pijama no tampo do “trono" (tenho que me lembrar de enfeitá-lo com uma coroa depois), dei descarga, já que vi em desenhos animados que isso deixava a água do chuveiro quente. Dan não esboçou reação, me decepcionando.

Depois de desistir, passei a manga da minha blusa de frio no espelho, que estava completamente embaçado. Com cuidado peguei uma grande quantidade de gel e espalhei em meu cabelo, fazendo uma escultura fashion, fechei com chave de ouro: Não, não é um laço como vocês estão pensando, mas sim um chapéu de Carmem Miranda. Satisfeito com o resultado, mandei um beijinho falso para Danny, que cochichou algo como: “Talvez um dia, quem sabe, o cabelo dele caia para a felicidade de todos nós”. Bati a porta e quase que imediatamente a ouvi trancando.

Taus já havia se arrumado, colocara uma blusa social de mangas curtas vermelha e uma saia pregueada preta por cima, acinturada. Um pequeno prendedor de cabelo preto com bolinhas brancas acentuava sua vermelhidão. As meias longas, até a metade da coxa eram pretas com uns losangos de fios brancos. Usava sua gargantilha simples no pescoço e um bracelete preto e branco no pulso.

Sacudi a cabeça, desde quando eu fico reparando na roupa dos outros quando a minha é “fantabulosa”?

– Vamos? – Dei um joinha para ela, que me olhou estranho.

– Você vai... com isso? – Apontou meu lindo chapéu de Carmem Miranda com nojo, fiquei ofendido.

– Claro que sim, algum problema? – Cruzei os braços.

– Nenhum. – Ela riu, cobrindo parcialmente a boca com a mão quando o fazia. – Agora vamos antes que meu estômago roncando seja capaz de acordar Lorene.

– A situação realmente está ruim, hein, demônio? – Eu dei uns tapinhas em sua cabeça, como que em consolação, enquanto a gente ia para o refeitório.

–-x—

– Lorene, acorda, você vai se atrasar!! – Senti algo pingar em meu rosto enquanto alguém empurrava delicada, mas insistentemente o meu ombro.

– Hnnn? – Cobri minha cabeça com o cobertor.

– Lorene!! Acho que você não vai se safar se chegar atrasada no primeiro dia de aula, mesmo sendo filha do diretor.

– Me deixa em paz!!!

– Então vai ser na marra, é? – A voz ficou bem humorada. Retiraram minhas cobertas enquanto eu encolhia a cara no travesseiro. Algo molhado segurou meu rosto e senti lábios quentes e encharcados roçarem os meus. Abri os olhos assustada e vi Dan gargalhando enquanto esfregava os cabelos com uma toalha em volta de seu pescoço.

– Bom dia, Bela Adormecida... Ou Branca de Neve? – Ele pensou melhor, esfregando o queixo. – Bom dia, meu godzila dorminhoco!

À medida que Dan tentava fazer piadas, eu tentava recuperar meu ar. Ele estava... estava... perfeito, como sempre, na verdade, mas agora, era... Hmm... Tentador. Os cabelos molhados estavam mais escuros e deixavam aparecer de leve seus chifres. Vestia somente uma calça jeans escura e gotas de água percorriam o tronco forte. Senti o sangue subir à minha face. Tentei disfarçar pulando da cama e indo me vestir enquanto Dan pegava uma garrafa de água e uma blusa. Corri para o banheiro, me apoiando na porta lá dentro, o coração batendo a mil.

Olhei pro relógio e desesperei, Dan tinha razão, ia ficar bem atrasada, teria que tomar café da manhã rápido. Vesti a blusa e a calça aleatórias de uma vez só e saí do banheiro. E, feliz ou infelizmente, o loiro tinha colocado a camisa. Não me dei o trabalho de pentear os cabelos, amarrei-os em nó. Peguei meu material e saímos em passo apressado para o refeitório.

O mesmo estava quase que totalmente vazio, enchi meu prato rapidamente e peguei um papel com as salas que estava em cima do balcão. Dan sentou ao meu lado logo depois. Com o papel estendido à minha frente, procurei meu nome.

– Ah! Sala 1-Z. – Estranhei o número, mas aí lembrei dos meus pais.

– A minha é 1-Ω - Ele franziu o nariz, imagino que foi por causa do “ômega”, enquanto brincava com meu cabelo. – Que droga, queria ter caído na mesma que você...

– Eu também, mas pense bem: a gente ainda vai ter o resto do dia para se ver! – Tentei ser otimista, apesar de estar tão triste quanto Dan.

– Hum... Mas mesmo assim, 6:30 horas sem ver você é muito. – Insistiu.

– Que exagero o seu!! – Retruquei. – Nem sei o que você vê de bom em mim. – Abaixei o tom de voz. – Quero ver eu me aguentar sem você...

Ele olhou ternamente para mim e deu um pequeno sorriso. Apertando minha mão debaixo da mesa. Ouvimos o primeiro de três sinais pro começo das aulas tocarem.

Engolimos rápido o resto da nossa comida e pedi para Dan me acompanhar até minha sala, já que eu sempre me perco. Até lá o 2º sinal já tinha tocado e o loiro foi para sua sala.

Na classe 1-Z só reconheci Carlos, que deu um grande sorriso, emoldurado pela pele bronzeada. Me sentei atrás dele. Percebi que um chaveiro de bola de futebol balançava em sua mochila.

Não conseguimos nos falar muito até o terceiro sinal tocar. A turma produzia um burburinho, apesar de bem comportada. A porta se abriu e o silêncio dominou o aposento. Ficou cerca de 3 minutos assim, o que gerou uma expressão de dúvida no rosto dos alunos.

– Ei!!! Estou aqui, seu bando de vacas lerdas!!! – Ouvi uma voz fina muito familiar. Suspirei. Ia ser um loooooooooongo dia.