Duas semanas depois

   - Está tudo bem, May. – Eu a abracei.

   Não sabia se ela estava realmente me sentindo agarrando-a, mas talvez ajudasse. Demorou alguns minutos até ela voltar a dormir novamente.

   Desde o ataque May anda quieta demais e tendo vários sonhos. Sinceramente, eu não sei o porque. Pensei que se eu apagasse a memória dela sobre aquele dia, ela não sofreria consequências. Mas, como sempre, eu estava errada. Os sonhos eram a prova disso.  Por essa causa, eu abri um exceção e voltei a dormir no Chalé de Zeus.

   Depois de reclamada, as coisas ainda pioraram e May virou um legitima filha de Zeus tendo uma espécie de TPM precoce. Quer dizer, ela estava irritada demais e vivia dando choques nas pessoas que a irritavam. Thalia, que resolveu nos fazer uma visita, até tentou ajuda-la nesse quesito, mas não deu muito certo.

   Eram quatro da manhã quando finalmente May dormiu de verdade. Me levantei de sua cama e vesti uma blusa de moletom. Lentamente, caminhei até a praia.

   Se querem saber, desde que tenho recebido visitas de Poseidon eu amo ainda mais aquele lugar. Porém, naquele dia, não era Poseidon quem estava lá.

   - Oi, Matt.

   - O que você faz acordada, criança? – Ele indagou curioso.

   - May me deixou sem sono.

   - Quer trocar de lugar? Fico com a pequena essa semana e você dorme no Chalé de Apolo. – Ele sorriu amargurado.

   Fiquei em silencio por um tempo. Me sentei ao seu lado na areia.

   - Você não gosta daqui, não é? – Eu disse.

   - Não mesmo. Foi a pior coisa que me colocaram pra fazer. E olha que como filho de Apolo imortal já fiz muitas coisas.

   - Ah, Matt!  Por favor, não faça eu me sentir pior.

   Ele sorriu de forma gentil.

   - A culpa não é minha. Você já parou para pensar quantas pessoas queriam estar no seu lugar? Poderosa, bonita, filha de Zeus, imortal ... E você se enfia nesse lugar.

   - Exatamente. É por isso que me pergunto por que continuo aqui. – Eu revidei triste. – A unica resposta à que chego é que aqui me sinto mais humana. Esse lugar toca meu coração...

   - Sabe qual foi a pior escolha da minha vida? – Matt me interrompeu encarando as ondas. Eu acenei negativamente. – Foi aceitar a imortalidade. Eu achei que meu nome não daria conta. Eu fui o melhor semideus naquela guerra... Achei que merecesse viver pela eternidade... Acontece que só os deuses aguentam isso. Se tornar imortal não é simplesmente viver pra sempre. É encarar tudo a sua volta morrer e renascer de novo; é perder o que é mortal e ver apodrecer...

   - Onde quer chegar com isso? – Eu o interrompi.

   - Você vai ver esse lugar morrer, sabe disso. – Ele me encarou. - Isso aqui só torna você humana pra poder te destruir mais tarde. Você tem o dom de poder se livrar do mundo e deixar a imortalidade boa percorrer suas veias, e está aqui, se matando por dentro, evitando seu amor mortal há duas semanas. Eleanor, quando vai abrir os olhos e descobrir que não pertence a este lugar?

   Não respondi. Apenas encarei o mar que agora se revolva.

  - Não estou falando isso só por interesse. Sabe que sou seu amigo, Els... Não quero que você fique aqui e se machuque...

   - Por que nunca me disse isso, então?

   - Mas eu sempre te disse! - Ele riu nervoso. - Eu sempre te falei que aqui você só regride! Eu realmente gosto de você, não quero que continue se machucando dessa forma. Você já sofreu demais...

    - Mas eu não quero ir. Nunca quis.

   - Ninguem nunca quer. Mas não tem jeito, Eleanor! Já faz mais de um ano. Se isso aqui tivesse que fazer você melhorar já teria feito. E nessas ultimas semanas isso tudo só piorou!

   Eu me levantei com o estômago embrulhado e comecei a andar agoniada pela arei da praia. Mas em menos de dois segundos, Matt me agarrou.

   - Eu não acabei. Tem mais uma coisa. O Oráculo fez uma nova profecia. Ela diz que uma filha de Zeus impedirá o avanço da vingança da magia.

   - Não sou eu, né? – Indaguei.

   - Eles têm certeza de que é a May, a Profecia dizia que era alguem mortal...

   - Acha que Hécate pode vir atrás de mim? Ou... Dele? – Eu não ousei pronunciar seu nome. Preferia até dizer “Você-Sabe-Quem”.

   - Provavelmente. Mas se for mesmo May a semideusa da Profecia ela vai demorar um pouco pra se realizar...

   - Isso tem a ver com Hades? – Eu o interrompi. – Ele anda quieto demais, não acha? Ele sabe da Profecia?

   Matt passou a mão no cabelo.

   - Rachel teve algum tipo de piripaque sinistro. Ela só disse as três primeiras frases da Profecia que ninguem além de Apolo sabe. Ele só contou da forma como lhe disse. Acontece, que por algum motivo, Hades a tem por completo. Acham que é a interferência de Hécate.

   - Mas Hades não gosta de Hécate! – Falei. – E não era pra ela estar presa?

   - Hades a tem como prisioneira já que não podem mata-la. Seria um desequilíbrio se a deusa da magia e da lua morresse. A Névoa entraria em colapso, estaríamos vulneráveis e Artemis não teria controle sobre a noite e desde a morte de Nix ela precisa ainda mais disso. Nós já conversamos sobre isso.

   Assenti um pouco nervosa.

   - E o Cetro? – Indaguei.

   - Está escondido no mesmo lugar. Por quê?

   - Nada. Hã... Eu vou ver a May.

   Me virei e comecei a andar.

   - Eleanor! Pense no que lhe disse! – Matt gritou.

   Não ousei olhar pra trás. Apenas caminhei até meu lugar preferido da floresta que continuava do mesmo jeito: o violão que Isabela me deu caía perto das raízes, algumas partituras estavam jogadas por ali e as folhas de coisas que eu escrevia também.

    Fique encarando a bagunça enquanto pensava no que Matt me disse. Eu tentava não pensar nessas coisas há tempos. Eu gostava de ficar ali, ajudar os campistas, ficar com as crianças, ajudar os filhos de Hermes com as pegadinhas... Mas não era assim que eu queria.

   Essa coisa de se acostumar a ficar sem o Nico porque daqui a vinte anos não podemos ficar juntos estava me matando e talvez daqui a vinte anos eu não esteja viva!

   Só de pensar nisso sinto uma dor enorme no peito. Nunca pensei que amar de verdade fosse tão difícil. Era como se eu nunca tivesse sentido aquilo e isso piorava porque eu sempre dizia que estava vacinada contra isso já que não queria sofrer de novo. Mas agora, parecia ser tão diferente. Era tão gigante e quase sem explicação...  E todo o problema era minha imortalidade. Era algo fora do meu alcance.

   Me levantei imediatamente. Uma rápida ideia de tentar arrumar tudo isso de repente se formava em minha mente...

   Mas, claro, não podia dar certo.

   Uma dor de cabeça terrível me inundou e eu caí ajoelhada. Parecia ter milhões de agulhas se enfiando em meu cérebro e todo a corrente elétrica que eu carregava parecia ser jogada, efetivamente, contra mim.

   - Tarde demais, querida Eleanor.