–Aquele garoto num toma jeito... Sempre esquece alguma coisa... – disse Lory, enquanto limpava uma maçã na sua camiseta.

–É bem a cara dele... – disse Mathews fazendo o meso que a amiga.

–Tudo bem, tudo bem. Estamos sozinhos agora. Eles foram para a cidade, e você vai me explicar toda essa história. – disse a menina com um sorriso malicioso em seus lábios, fazendo o garoto se envergonhar.

–Que história? – falou Matty, envergonhado e desistindo de comer a maçã, enquanto sua amiga devorava a fruta com uma voracidade incrível. – Você fala de nós termos...

–Hahaha – a garota se acabou em risadas, deixando cair pedaços da maça que estava em sua boca – Claro que não! Sua intimidade é só de vocês. – disse a garota, aliviando o estresse do colega, de certa forma – Eu quero saber o que é isso de você e ele se gostarem e tal. Ele sempre me contava tudo sobre isso, já você... Eu não imaginava isso de você. Até pensei que pudesse rolar algo, mas não sabia que o sentimento era correspondido, sabe?

–Ah... – falou o garoto totalmente sem graça. – Quer dizer que achava que eu “ficava“ com ele? – disse o garoto gesticulando as aspas com os dedos, parecendo caçoar, tentando mudar ligeiramente de assunto.

–Para. – disse ela totalmente séria – Eu não to brincando Mathews... Poxa... Você poderia ter me falado algo sobre isso, sei lá... Você não confia em mim? – falou a garota em tom de desapontamento.

–Confio – disse o garoto se dando por derrotado.

–Então...

–Tudo bem. Você quer mesmo saber? – disse ele em um tom que dava a entender que ele ainda estava tímido quanto ao assunto, querendo evitá-lo

–Claro que sim. E não vai omitir nada, ok? Pode me contar tudo, desde o começo.

–O começo?! Sério?! – falou ele, reclamando.

–Mas é claro. Por que começar do meio da história? – perguntou ela, com, literalmente, cara de safada.

–É que tudo começa anos atrás, quando começamos a morar juntos.

–Aí sim me interessei pela história! – disse ela muito entusiasmada.

–Bom... Então... Foi assim... – e ele se sentou em um dos bancos da bancada, ficando sentado de frente da amiga, que já se encontrava sentada – Tudo começou quando nós... – e ele foi interrompido pela amiga.

–Pera. Vai falando e me ajudando com o quarto da Sammy, ok?

–Justo agora que eu sentei? – disse o garoto indo atrás da amiga que já estava pegando vassouras, panos e produtos de limpeza – Já que é assim, eu levo os rodos e baldes.

–Mas pode ir contando ai! – disse Lory que estava escondida entre tantos produtos e panos que estavam em seus braços.

–Foi assim... Quando começamos a morar juntos, eu o via apenas como amigo, até que um dia, enquanto ele dormia, eu não mais consegui vê-lo dessa forma.

–E posso saber o motivo? – indagou ela.

–Claro. Mycah estava com frio e medo, pois tinha medo de filmes de terror ainda na época, coisa que ele parou de ter depois de um tempo morando comigo. Então, naquela noite, dormimos abraçados, de conchinha na verdade. Eu já sabia que ele era gay, e ele sabia que eu não era, mas ok.

–Tá! Continua! – falou a garota, animada, passando as caixas e coisas empoeiradas que estavam no lugar onde seria o novo quarto da Sammy.

–Tá! Calma! – falou o menino, rindo – nós estávamos lá dormindo, e estranhamente eu comecei a me sentir protegido por ele, como se ele me completasse, me deixasse bem, feliz, sem preocupações. E ele era tão lindo, dormindo. Um anjo. Seu peito, cada vez que se enchia de ar, esbarrava no meu braço, e toda vez eu me arrepiava, querendo abraçá-lo mais forte. E ele ia se aproximando, tanto, que quem visse diríamos que éramos marido e mulher.

–Nossa! – falou Lorraine surpresa, agora varrendo o chão enquanto o amigo ia movendo a cama e a escrivaninha de forma de que ela pudesse varrer.

–Então ele acabou dormindo mesmo. Até então ele estava apenas sonolento, mas ele realmente dormiu, em meus braços. Daí ele se virou de frente pra mim, colocou sua cabeça em meu peito. E de repente senti lágrimas escorrendo em meu peito. Ele chorava enquanto dormia. Até que ele me apertou forte, ainda dormindo, e disse ‘Me prometa sempre me proteger, Matty. Prometa fazer isso por mim, já que ninguém jamais fará. Mais ninguém gosta de mim ou me ouve ou, ao menos, me aceita. Proteja-me, por favor, para que eu possa dormir tranquilo’ – nisso lágrimas já brotavam dos olhos de Mathews, que agora estava ajudando a encher os baldes para poderem passar um pano no chão do quarto.

–Isso enquanto ele dormia?! Sério?! – disse a menina, derrubando uma vassoura.

–Sim. – disse o menino já chorando – E eu abracei ele o mais forte que pude, e, chorando, disse no ouvido dele que jamais abandonaria ele. Eu nunca vou esquecer do que aconteceu logo em seguida.

–O que?! – falou Lory, muito curiosa.

–Ele se aconchegou mais em mim e beijou meu peito, e disse ‘Boa noite, pai.’ – e Mathews caiu sentado sobre o chão, chorando muito.

–Meu deus! E aí?!

–E aí eu olhei o rosto dele – e o garoto começou a sorrir – e comecei a ver nele alguém que eu deveria proteger a todo custo. Alguém que fazia parte e mim. Alguém que deveria ser meu para todo o sempre. Alguém à quem eu traria a felicidade nem que isso custasse minha própria alegria, ou melhor, minha própria vida. E daí ele se virou de costas para mim de novo, só que devido à posição de minhas mãos antes, e à como ele se virou, acabei encoxando ele, e uma de minhas mãos simplesmente ficou presa pelo braço dele, e...

–E essa mão estava aonde?! – falou ela totalmente espantada.

–Exatamente. E eu decidi tentar algo. Quem sabe eu não acabasse sendo como ele, e poderia fazê-lo ainda mais feliz. – disse o garoto, com um sorriso muito malicioso no rosto – Aí eu simplesmente... Tipo... Você entendeu.

–Puta que pariu mano! Morri agora! – disse a garota, derrubando no chão o colchão que trazia consigo, para a cama provisória da nova amiga.

–Que boca suja a sua hein? Hahaha – e ele provocou risadas em ambos – Se bem que eu não posso falar muito.

–Como assim? Você nem fala tanto palavrão... – falou a garota, estranhando.

–É que nessa noite...

–Não?! – disse a garota entre uma risada e uma exclamação de surpresa.

–Sim.

–Sério?! – perguntou ela, estonteada.

–Sim. – respondeu ele, novamente sem esconder a empolgação em sua voz.

–Então pera. – disse Lory, pensativa – Você é gay desde então e nunca falou?!

–Exato.

–Mas por que?

–Bom... – recomeçou o garoto, agora ajudando a colocar simples decorações femininas pelo quarto da Samantha – no dia seguinte, logo que acordei, notei que estava novamente abraçado com ele, de conchinha, e ele estava acordado, aconchegado em mim. Então sussurrei ao ouvido dele ‘Bom dia, amor’, e ele simplesmente me empurrou, gritando que eu não poderia ser gay, para que ele pudesse ser feliz. Isso me magoou profundamente, apesar de eu não entender direito a situação, já que eu achei que ele ficaria feliz se eu fosse como ele – disse o menino enquanto novas lágrimas já brotavam de seus olhos – E eu respondi para ele que era apenas uma brincadeira, e ele pediu que eu nunca mais a fizesse, mas eu sempre a continuei fazendo com esperanças de que um dia ficássemos mesmo juntos.

– Ai que fofo, e triste também... – disse a garota, abraçando o amigo.

–Sabe, eu acho que ele estava acordado naquela noite, na verdade, por que ele parecia tão feliz e estar aproveitando. Até hoje tenho essa dúvida quanto à ele saber há anos disso ou não.

–Bom... Ele nunca me disse nada sobre isso... – disse Lory, agora limpando um armário onde Sam pudesse pôr as roupas novas.

–Para de arrumar o armário. Amanhã chegam os móveis novos – disse Matty sorrindo.

–Hã?

–Você não conhece o Tommy? Com certeza amanhã teremos móveis novos aqui. Por hoje ela usa nosso closet. Aliás...

–Nada de ‘aliás’ não. – falou Lorraine, autoritária – Antes quero saber uma coisa...

–‘Tá’, pode falar...

–Você nunca tinha gostado de meninos? E também... Você gosta de meninos ou só do Mycah?

–Eu nunca tinha sentido atração por ninguém antes disso, na verdade. E eu gosto de meninos, mas tenho atração por muito poucos. Muito mesmo. Só com o Mycah eu fico realmente ‘gay’, por que, se fosse outro menino, eu não teria feito o que fiz. – falou Mathews, com convicção.

–E aí... – falou a garota, deixando uma indireta no ar, que o garoto entendeu rápido.

–E eu amei chupar ele, viu!

E ambos caíram em risadas. Ela, rolando pelo chão; ele, sentado sobre a cama, com dor na barriga de tanto rir.

–Quem dera eu tivesse descoberto isso antes... – disse a menina,  parando de rir.

–Como assim?! Por que?! Explique-se agora! – falou Matty, muito assustado.

–É que... – disse ela, sem graça.

–Ah não... Você gosta de mim?! – falou ele, meio que a desacreditar, debochando da garota.

–Gostava. – disse ela, cabisbaixa.

–‘Ava’?

–Agora eu estou gostando d...

–Da Sammy. Vi nos seus olhos. – e ele mandou um sorriso para a amiga que só melhores amigos compreendem. – Você a ama, mesmo só tendo visto ela uma vez, certo?

–Você deveria ser adivinho, cara.

E mais uma vez eles riram, mas com menos ênfase dessa vez.

–E acho que eu vi ela te olhando diferente também, hein?

–Nem brinca... Para... – disse ela, agora sentada no sofá, desviando o olhar do garoto.

–Quando o Mycah chegar, pergunto pra ele. Ele também percebeu e com certeza vai perguntar à ela. – disse ele, piscando, dessa vez.

–Será? – perguntou ela, reunindo uma pequena chama de esperança no fundo do seu coração, que havia sido totalmente destruído, quando Lory soube que os meninos estavam juntos.

E o celular do garoto tocou, e ele sem nem sequer olhar o visor, atendeu e disse:

–Que horas chegam?

–Amanhã às 10 da manhã.

–E estamos certos?

–Creio que sim. Vou confirmar agora.

–Tudo bem. Beijos. Tchau.

–Beijos. Tchau.

E Matty simplesmente olhou para a garota, e ela entendeu tudo.

–O Mycah disse que chegam de manhã e vocês estavam certos? É isso, não é? – perguntou Lory, apreensiva.

–Exato, só a segunda parte da frase que ele vai confirmar.

–Merda.

E ambos riram de novo, dessa vez, mais aliviados.

–Eles vão chegar com fome, então acho que devemos preparar um jantar, o que acha?

–Claro. O que sugere? – disse ele.

–Sua especialidade: Salmão.

–Combinado. Já temos tudo ai mesmo...

–Vamos lá – disse a menina, correndo para a cozinha.

–Calma aí! Eu estou morto de cansaço. Dá um descanso, vai... – suplicou Mathews.

–Tudo bem. Mas vamos assistir um filme então. E eu escolho. – pediu Lory.

–Tudo bem. – concordou ele.

E eles ficaram sentados no sofá assistindo seu filme.