Geek.com escrita por H Lounie


Capítulo 6
Amanda Hart: Arquiloucura e Torturismo


Notas iniciais do capítulo

Sempre soube que um dia voltaria. Então, atendendo a pedidos, mais Geek. com (:



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Se há algo que o tetris me ensinou sobre a vida é que os erros acumulam e os triunfos desaparecem.

Eu gostava de pensar que todo dia quando acordava alguém em algum lugar me dizia “Ei garota estúpida de cabelos cor de fogo, estou te dando a chance de ser um ser humano melhor hoje. Aproveite.” Grande besteira. O que quer que esteja nesse “algum lugar” tem problemas demais, e com certeza não teria tempo para alguém tão desafortunado como eu.

Ah, caras, eu lembro. Tinha uma garota na escola, uma dessas líderes de torcida – o exato tipo que pensa que qualquer não-líder é simples escória da hierarquia escolar – que sempre fazia o favor de me lembrar que eu era basicamente uma ninguém. E eu me sentia tão estúpida por isso, às vezes pensava “Para o inferno com essa idiota” ou então “Ao menos não vou repetir o ano”, “Pelo menos sei qual a Raí quadrada de 4”, mas na maioria das vezes eu até concordava, por pura falta de perspectivas. Deixe-me dizer: Falta de perspectivas geralmente fazem as pessoas engolirem meias verdades mais facilmente. Não sei bem o porquê de tal reflexão agora. Pensamentos são como árvores (outra história que ficará para depois, como o caso de Albert doze horas).

Mas voltando a falar sobre ensinamentos interessantes, tenho que dizer: azar é realmente uma coisa muito interessante. Oh, Liv McDowell que o diga! É muito “game over” pra tão pouco tempo de vida.

O maldito monitor cardíaco apitava loucamente. BIP BIP BIP BIP BIP BIP. Era como um conta gotas, só que milhares de vezes mais monótono, eletrônico e completamente irritante.

Certo, azar é realmente uma coisa muito interessante. Mas vejamos se você considera uma série de acontecimentos catastróficos e eventos desastrosos como azar, então você deveria rever suas teorias. Azar nada mais é que... Bem, certo, vamos começar pela teoria famosa. Segundo a lei de Murphy, que certamente é a mais conhecida nesse aspecto, se algo pode dar errado, dará. Certo, o problema não são as teorias, o problema é que todos eles falharam – Não as regras, elas funcionam perfeitamente bem, obrigado – Todos os criadores dessas regras falharam. Então se você seguir um raciocínio vai chegar à conclusão de que, se eles não tivessem falhado, não fariam essas regras, ou seja, maldito dia em que Edward A. Murphy falhou em sua experiência.

Enfim, o azar nada mais é que uma conseqüência de determinada ação. Na maioria das vezes, qualquer uma que seja. Então se é você quem faz sua própria sorte, o azar também, é todo seu. Para se ter uma idéia, eu estava na biblioteca, frustada, arrasada, humilhada, ainda tentando entender porque raios um cara como Peter poderia ao menos vagamente se interessar por algo como Bullstrode, apenas ali, observando os garotos estranhos que passavam quando uma revoltada menina de cabelos cacheados entrou batendo os pés enormes que os deuses lhe deram no chão.

– Ei, patinha nervosa, a educação mandou lembrança – Falei, meio sem perceber.

Como eu já esperava, ela me ignorou. As pessoas eram boas em me ignorar, na maioria das vezes. Remexeu em uma revista aqui, outra ali, até fazer uma cara que parecia a do quadro O grito, de Edward Munch. Sem exageros.

Eu nunca havia visto a garota na minha vida. Entretanto, isso não a impediu de puxar uma cadeira, sentar-se na minha frente, me olhar com uma cara de espanto e mandar:

– Cara, você não vai acreditar.

A julgar como a cor pareceu fugir de seu rosto, eu iria acreditar sim.

– Oh, deuses, Voldemort está seguindo Harry no Twitter? – Brinquei.

Sorri para ela. Qual é? Eu não a conhecia então, sem problemas, certamente seria alguém que não me faria diferença alguma na vida. A menina revirou os olhos e atirou a revista para mim.

– Olha moça, sem querer ofender, mas não estou interessada em maldições antigas, não importa o quão legal elas pareçam para você e nem o quanto Akhenaton e Nefertiti pareçam importantes. Desculpe-me. Acho que você deve arranjar um namorado e esquecer esse lance de maldição, pelo seu próprio bem.

Ela me olhou como se eu fosse uma alienígena que vê a paisagem das idéias humanas de forma diferente. O que bem poderia ser verdade, eu mesma já cogitei isso.

– Mas... Mas, encontraram a tumba de Nefertiti!

– Ótimo! – Proferi animada – Felicidades para ela.

Confesso que demorei um pouco para ligar o nome do lugar à pessoa. E depois a própria pessoa à pessoa, se é que me entendem. Vale das rainhas, tumbas, Egito. Sim, acho que reconheço algo aí.

– Tudo bem, - resolvi entrar em seu jogo - e porque a preocupação toda?

– A maldição!

Então ela parou. Olhou-me curiosa, analisando-me como quem escolhe uma opção de sanduíche no cardápio do Burguer King. Depois, assim do nada, sorriu como uma louca, apresentando-se como “Amanda Hart, de arquitetura e urbanismo”. O que se seguiu foi um blá blá blá todo sobre coisas antigas. Ou história da civilização. Ou sei lá. Não costumo prestar atenção em coisas que considero que não me serão úteis mais tarde. Ou que sejam anteriores a... Não sei, ao ano de 2002.

– Mas veja – Amanda falou -Sabe aquele cara, aquele antigo faraó chamado Akhenaton? Oh, que você pode conhecê-lo pelo nome Amen-hotep IV, mas eu duvido muito, se Akhenaton já é um nome estranho, que dirá Amen-hotep, certo? – ela sorriu satisfeita com a própria dedução.

Os olhos da menina brilhavam em fascínio. Aquela era de longe a conversa mais estranha que eu já tivera na vida. E olha que já tive muitas. Como aquela vez com Louis Geevie no primeiro colegial, quando discutimos uma tarde toda sobre o funcionamento de geladeiras.

– O pai desse faraó, Amen-hotep III – “Amen-hotep III? Nossa, quem diria!” Pensei comigo mesma, enquanto ela continuava, empolgada. – construiu o templo, ok, o famoso, maravilhoso e estupendo templo de Luxor!

– Maravilha, palmas.

– Até aí tudo bem, mas a história não é bem essa, só... É, mais ou menos. Esse faraó era marido de Nefertiti, e bem, de algumas outras mulheres, mas isso não vem ao caso, Nefertiti era a principal, a mulher mais bonita do mundo e todo aquele blá blá blá...

Eu não ouvi o resto. Aliás, eu acho que não ouvi nem o começo, o curioso? Quando saímos da biblioteca, com a garota ainda tagarelando sobre suas teorias da conspiração malucas, eu me abaixei para amarrar o tênis, e distraída, Amanda não percebeu.

Cara, azar é realmente uma coisa muito interessante. E o maldito monitor cardíaco chiava alto em minha cabeça. BIP BIP BIP BIP.

Mas minha mente ainda trabalhava formidavelmente bem obrigada. Ou nem tanto assim. Fui visitar Amanda por três dias seguidos, enquanto ela se recuperava da queda. Um vôo direto por sobre Liv McDowell, com uma queda realmente feia de 12 degraus. E tinha aquele monitor cardíaco do paciente da cama ao lado. BIP BIP BIP. Eu ia explodir.

– Velho maldito – Lamentava Amanda – Monitor Maldito!

No quarto dia, deixamos o hospital juntas. Desta vez tomei o cuidado de deixá-la seguir à minha frente. Viramos amigas desde então. É incrível como uma queda de 12 degraus pode aproximar duas pessoas. Amanda – a essa altura eu já tinha permissão de chamá-la Mandy – era um tipo bem curioso, e a menos que mudanças extremamente improváveis acontecessem, ela seria pessoa bastante excêntrica pelo resto da vida. Tinha a pela negra e inquietos olhos cor de chocolate, um cabelo exuberante que parecia ter vida própria e um corpo de dar inveja. X Box a pediu em casamento três vezes quando se conheceram. Era triste, ele parecia ter o dom de tratar como Android quem o tratava como Java.

Mandy usava o dormitório da faculdade e vivia com a cara enfiada em livros de história antiga e cadernos de desenho onde rabiscava construções estranhas. Entretanto, isso não a impedia de ser uma pessoa consideravelmente popular no campus. E de ser convidada para festas.

– Vem comigo, Liv – Insistiu, assim, pela milésima segunda vez.

Não. Liv McDowell não é um tipo muito festivo. Aliás, não é um tipo nada festivo. Eu sou do tipo que vê meninas de 13 anos grávidas e pensa: “Meu Deus, porque a mãe dessa criança não deu computador com internet pra ela”. Essas são as meninas que vão à festas. Liv não é dessas, certamente não. Liv é uma das que a mãe deu computador com internet. Nada de festas.

– Livian, qual é? Você não pode passar a vida toda jogando vídeo game. Precisa sair e ver o mundo.

Às vezes Mandy era indesejável. Indesejável como um obeso gripado enconchando você numa fila de banco às três horas da tarde no verão. “Nossa, como uma pessoa consegue ser tão indesejável?” Você deve pensar. Na verdade, ela não era tão indesejável. Mas era, principalmente, porque às vezes ela dizia a indesejada verdade, o que pode ser bem indesejável.

Não sabia o que dizer. Peguei um manual largado à minha frente na cadeira da lanchonete, tentando fingir interesse. Era um tutorial esquecido de como montar um barco, ou o que fazer caso você se perdesse nas highlands escocesas, enfim, qualquer coisa que não fazia sentido. Obviamente Mandy não engoliu essa.

– Esse seu súbito desencorajamento deve querer dizer que estou certa, não é verdade?

A vida era uma droga. Nunca tive um relacionamento sério. Apenas casos rápidos demais com pessoas estranhas demais. Como Gus de sistemas operacionais. E mais: meus casos geralmente eram por acaso. Certa vez, fui sim a uma festa. Estavam comemorando – naturalmente – o prêmio que Martin O’Hanoly havia ganhado no exterior. O prêmio era sobre seu livro: “A difícil jornada até o espaço”, que era praticamente uma autobiografia, contando como ele conseguiu sair da porcaria da cidade dele e se tornar um grande astronauta. Por algum motivo desconhecido, resolveram dar-lhe uma festa em homenagem ao prêmio. Eu já tinha lido o livro. Comprei-o na semana de lançamento das livrarias. Estava ansiosa para ler, já que Martin havia sido colega de meu pai na escola. Depois de lê-lo e analisá-lo, o joguei em cima do balcão de comida na cozinha. Nunca mais o vi. Deve ter sido meu pai quem consumiu com ele, aquele invejoso.

No mais? Nada. Me senti péssima, apenas por descobrir que Mandy tinha razão.

– Quer saber Mandy? Vamos a uma festa.


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