As Cem Melhores Historias Da Mitologia escrita por Allan


Capítulo 47
Perseu e a Cabela de Medusa




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/227690/chapter/47

Poucos homens poderão se vangloriar de terem nascido de uma chuva de ouro. O herói

deste conto, no entanto, pode, e é sobre ele que vamos agora falar.

Acrísio, rei de Argos, tinha uma bela filha chamada Danai. Um dia este poderoso rei foi

consultar-se com um oráculo e recebeu dele o aviso de que sua filha jamais deveria ser mãe, pois

o filho nascido de suas entranhas provocaria um dia a morte do próprio soberano. Temendo que

essa profecia viesse a se realizar, o rei mandou encerrar então a sua filha numa inacessível torre de

bronze, certo de que ali nenhum pretendente poderia alcançá-la.

Acrísio, no entanto, esqueceu-se do volúvel Júpiter, que um dia, ao enxergar do Olimpo a

pobre moça debruçada à janela, apaixonou-se perdidamente por ela.

Ora, para o pai dos deuses não existem torres inexpugnáveis. Metamorfoseando-se numa

nuvem dourada, Júpiter penetrou nos aposentos de Danai e a fecundou de uma maneira original,

fazendo descer sobre ela uma abundante e frisada chuva de ouro.

Quando o rei descobriu o fato, tomou-se de ira. Antes de tomar uma providência, porém,

decidiu aguardar que o neto nascesse. Tão logo o menino — que se chamou Perseu — veio ao

mundo, o rei deu esta ordem cruel aos guardas:

— Tranquem Danai e seu filho dentro de uma arca e lancem ambos ao mar. A ordem foi

cumprida integralmente. No mesmo dia mãe e filho estavam

navegando sem rumo pelas águas revoltas do oceano, enquanto Acrísio, em seu trono,

suspirava aliviado. O sol e a lua brilharam alternadamente sobre a arca fatídica enquanto esta

flutuava ao sabor das ondas, até que um dia ela acabou indo dar à praia de Serifo, onde um

pescador a encontrou. Qual não foi a sua surpresa ao abrir a tampa e descobrir no interior a

figura da mãe abraçada ao filho!

— Por Júpiter! — exclamou o bom homem. — O que está fazendo aí dentro esta pobre

moça?

Danai, com o filho aninhado nos braços, encontrava-se sentada, quase sem sentidos, e

seus joelhos estavam cobertos pela água que entrara por uma fresta.

— Ajude-nos... — disse a moça, antes de desmaiar.

O velho recolheu-a com o filho e lhes deu abrigo e alimentação. Tão logo se mostraram

recuperados da terrível viagem, ele os levou até o rei do país, que se chamava Polidecto.

O rei tratou Danai e seu filho com muita atenção, dando-lhes um lugar para morar.

Com o passar dos anos, o pequeno Perseu foi crescendo até se tornar um rapaz forte e

musculoso. Como Polidecto mostrava-se cada vez mais interessado em possuir Danai, decidiu

afastar do reino o jovem. Para tanto ordenou que ele fosse combater a terrível Medusa, uma

criatura monstruosa que espalhava o terror por todo o reino.

— Quem é ela? — quis saber Perseu, que já tinha um pendor natural para a aventura.

— Medusa é uma das três Górgonas — disse Polidecto. — Filhas de Fórcis. chamam-se

Euríala, Esteno e Medusa. Das três, indubitavelmente, a última é a mais bela. Até algum tempo

atrás, todas as mulheres tinham inveja da sua beleza — continuou a dizer Polidecto -, em especial

da sua bela cabeleira negra. Seus cabelos eram tão escuros e sedosos que pareciam fios da noite a

escorrer sobre seus ombros.

O rei prosseguiu na sua história, acrescentando que um dia a mais bela das Górgonas

apaixonara-se por Netuno, o deus dos mares. Certa feita, tendo marcado um encontro amoroso

com ele num dos templos de Minerva, acabara provocando a ira da deusa. Sedenta por vingança,

Minerva decidiu punir a jovem, transformando sua linda cabeleira num ninho das mais horrendas

serpentes.

Transformada, assim, numa detestável criatura, Medusa foi se refugiar numa gruta

fortificada. Dizia-se que possuía agora o dom de converter em pedra todo aquele que a encarasse

e que este era seu maior deleite desde que fora alvo da nefasta transformação.

Perseu, tendo ouvido o relato do rei, decidiu aceitar a missão, embora ciente de todos os

perigos. Partiu alguns dias depois, sob os protestos da mãe.

Após uma longa jornada, o jovem chegou, finalmente, diante da fortaleza de pedra onde a

Medusa se escondia. Logo à entrada, porém, deparou-se com algumas formas humanas que, à

primeira vista, fizeram-no crer que se tratavam, de guardiões. Erguendo sua tocha, Perseu

observou-as melhor e descobriu que eram homens mortos que tinham seus corpos

transformados em pedras.

— Infelizes! — exclamou Perseu, enquanto estudava suas feições assombradas. Todos

pareciam estar ainda vivos, contemplando a coisa mais pavorosa que um olho humano pudesse

enxergar. Seus gestos derradeiros refletiam o último espasmo do terror, enquanto alguns

procuravam proteger os olhos com as mãos; outros tinham uma perna posta em recuo, como

quem começa a fugir, sem poder, no entanto, completar a escapada; outros, ainda, tinham a

espada erguida acima das cabeças, como quem prepara um golpe fatal, que, no entanto, jamais se

completa.

Seguindo um pouco mais para dentro da caverna, Perseu escutou uma conversa;

aproximou-se, então, de maneira cautelosa, até vislumbrar duas altas mulheres que pareciam

guardar a entrada principal da fortaleza.

Eram as irmãs de Medusa, que ali se mantinham em perpétua vigília.

A primeira delas, que estava colocada ao lado de onde Perseu avançava, pressentindo a

presença de alguém, disse, estendendo inquietamente a mão à outra:

— Dê-me logo isto... Há alguém por aqui, além de nós, posso sentir o cheiro. Tomando

alguma coisa das mãos da outra, a primeira entalou aquilo no rosto e pôs-se a olhar para ao lados

onde Perseu se escondia. Mesmo na quase obscuridade total de onde se encontrava, o jovem

pôde perceber que o objeto que a monstruosa criatura colocara no rosto era um único e alerta

olho esverdeado, que percorria de modo inquieto todos os recantos da caverna. As duas

possuíam apenas um globo ocular, que compartilhavam na medida que dele necessitassem. O

herói, agachando-se, pegou uma pedra e lançou-a para os lados daquela que ficara

momentaneamente cega.

— Vamos, devolva-me o olho! — gritou esta para a outra.

Enquanto aquela vasculhava a extremidade oposta da caverna, Perseu aproximou-se

discretamente da que lhe estava mais próxima e indefesa. Sacando da espada, foi fácil cortar a

cabeça da sinistra criatura, que deu ainda um grito de alerta à irmã:

— Mana, me dê o olho! — disse ela, antes de cair morta ao chão.

A outra, espavorida, desatarraxou-o da cara e estendeu-o no vazio.

— Obrigado... — disse Perseu, pegando o olho com uma das mãos, enquanto com a

outra desferia sobre o pescoço da vítima um golpe certeiro de sua espada afiada.

A segunda das temíveis Górgonas caiu ao chão, sem cabeça e sem olho. Uma poça de

sangue formou-se aos pés de Perseu, que prosseguiu adiante, deixando no chão as suas pegadas

vermelhas e disposto a enfrentar agora a mais perigosa das três irmãs.

Um vento frio percorria os corredores recobertos de estalactites, que pendiam das

paredes como afiadas estacas de gelo. Mas havia algo além do sopro gelado do vento. Uma

respiração curta e forte misturava-se ao fluxo contínuo do vento. "A maldita está me seguindo!",

pensou o herói, pondo todos os seus sentidos em alerta. Como em resposta às suas cogitações,

Perseu escutou uma voz dizer as seguintes palavras, que por causa do vento pareciam estar sendo

assopradas diretamente em seu ouvido:

— Maldito! Pagará caro pela morte de minhas irmãs!

Sua tocha apagou-se e tudo mergulhou na semi-escuridão da caverna.

Parecendo um guerreiro cego e tateando o caminho com a ponta da espada, Perseu

continuou a avançar, de maneira cautelosa. Preso ao outro braço levava o escudo que recebera de

Minerva, antes de partir. A sua última recomendação ainda estava bem clara em sua mente:

"Jamais enfrente o olhar da Medusa, pois isto seria o seu fim! Quando tiver de enfrentá-la, mire-a

apenas no reflexo produzido por este escudo".

Perseu começou a erguer o seu escudo quando de repente sentiu que uma mão poderosa

agarrara seu braço, apoderando-se de seu precioso utensílio. O barulho metálico do instrumento

batendo-se contra as rochas das paredes ressoou pelos corredores escuros. Quase ao mesmo

tempo um golpe forte se abateu sobre suas costas, surpreendendo-o e fazendo com que caísse de

bruços e quase sem sentidos ao solo.

Ainda atordoado, Perseu sentiu que duas mãos vigorosas viravam seu corpo de frente.

Depois, estas mesmas mãos ásperas agarraram sua cabeça e a sacudiram vivamente.

— Vamos, querido, acorde! — disse uma voz inesperadamente suave. Seus olhos

começavam a se abrir quando se lembrou da advertência da

deusa: "Jamais enfrente o olhar da Medusa... Isto seria o seu fim...".

Apertando suas pálpebras, Perseu manteve sua vista fechada, enquanto tentava se

desvencilhar dos braços rijos da monstruosa mulher. Uma voz rouca gritava, agora de maneira

quase histérica, em seus ouvidos:

— Abra os olhos, guerreiro, e contemple meus belos olhos!

Perseu, ainda com os olhos fechados, sentiu na boca a pressão dos lábios úmidos da

Medusa. O hálito frio e fétido que aspirou lhe deu a idéia de que a própria Morte o estivesse

beijando. Percebendo que tinha o joelho livre, encolheu-o até a altura do seu peito e com ele

arremessou para longe a figura monstruosa, com tamanha força que ela cruzou toda a extensão

da caverna, indo chocar-se violentamente contra uma parede.

Uma golfada de sangue foi expelida pela boca da Medusa, juntamente com um grito

selvagem. Atordoada pelo impacto, agora era a vez de ela tentar recobrar seus sentidos.

Perseu, pondo-se agilmente em pé, divisou o brilho de seu escudo, a alguns metros dali.

Tão logo o teve outra vez nas mãos, ergueu-o, tentando ver pelo reflexo prateado o que se

passava atrás de si. Uma forma vagamente feminina vinha vindo em sua direção. Perseu não teve

tempo de ver o rosto da Medusa, pois com um salto ligeiro o jovem desviou-se, lançando-se ao

chão, mantendo sempre preso ao braço o seu precioso escudo. Com a outra mão Perseu

empunhava a espada.

— Você morrerá como todos os outros — disse a Górgona, confiante -, e colocarei

depois a sua estátua bem no centro de minha caverna.

Perseu manteve silêncio, concentrado apenas em seus movimentos e nos movimentos da

ágil criatura, que continuava a mover-se aos saltos. Para o herói era extremamente difícil

enfrentar uma adversária tendo de estar sempre de costas voltadas para ela, observando seus

movimentos nervosos apenas pela refração do escudo.

Por um instante a criatura desapareceu, até que o rosto inteiro da Medusa surgiu

repentinamente novamente no espelho que Perseu tinha diante dos olhos.

Seu rosto pálido era uma máscara de onde sobressaíam dois olhos de pupilas horizontais,

como os dos répteis, e que brilhavam iluminados pela ira. Acima deles as serpentes se agitavam,

espichando para fora das bocas suas línguas fendidas e arremessando seus corpos em botes

rápidos que somente a distância impedia que se tornassem fatais.

Antes, porém, que ela pudesse lhe fazer algum dano, Perseu fechou os olhos e girou seu

corpo com extrema velocidade, arrancando, com um golpe certeiro da espada, a cabeça da

Medusa.

Voltando-se para o corpo que tombara no chão, já sem o auxílio do escudo, Perseu viu,

surpreso, surgir do sangue que jorrava em abundância do pescoço da criatura um belo e alvo

cavalo alado, que se chamaria Pégaso e se tornaria famoso por auxiliar outro herói, Belerofonte, a

derrotar a monstruosa Quimera.

Montado sobre esse belo cavalo, Perseu ensacou a horrenda cabeça decepada de Medusa

e retornou para casa, satisfeito com sua vitória.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Cem Melhores Historias Da Mitologia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.