As Cem Melhores Historias Da Mitologia escrita por Allan


Capítulo 11
Netuno, Senhor dos Mares




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/227690/chapter/11

Netuno, após ter sido engolido por seu pai, Saturno, a exemplo de seus irmãos, foi um dia

regurgitado, depois que Júpiter obrigou o velho deus a ingerir uma beberagem mágica.

— Pronto, meu irmão — lhe disse Júpiter, satisfeito, depois de ambos haverem derrotado

Saturno e seu poderoso exército na famosa Guerra dos Titãs. -Agora já pode tomar posse do

mar, que é a parte do Universo que cabe a você. A mim caberão os céus, enquanto que nosso

irmão Plutão reinará nos subterrâneos.

Netuno, todo sorrisos, abraçou o irmão. Mas embora todo o imenso território que lhe

coube, não foi isto o bastante para contentá-lo. De fato, Netuno era um deus ambicioso, invejoso

e intratável, e desde aquele dia entrou em inúmeras disputas com as mais diversas divindades:

contra Minerva, disputou a Ática; contra Juno, o domínio da Argólida; contra Apólo, pelo

controle do arquipélago de Delfos; e contra o próprio Júpiter, numa tentativa abortada de

destroná-lo, ousadia que lhe custou o castigo de ter de servir o rei Laomedonte e construir para

ele, pedra por pedra, as muralhas da cidadela de Tróia.

— Só entro em fria, mesmo! — dizia ele, enquanto carregava as imensas pedras. — E

além de tudo ainda tenho de agüentar este tagarela dedilhando a lira o dia inteiro. — Netuno

referia-se ao deus Apólo, que também estava ali de castigo por uma falta cometida contra Júpiter.

— Sou um astro — disse o acalorado deus do sol, ajeitando-se numa sombrinha para

melhor exercer o seu delicado ofício. — Nasci só para brilhar.

Netuno, para piorar, ainda teve o dissabor de ver-se logrado por Laomedonte, que

recusou-se a lhe pagar o serviço.

E assim seguia sua vida, de deus rabugento e colérico, sempre fincando seu tridente no

fundo do mar e provocando terremotos a propósito de qualquer contrariedade, a ponto de acabar

conhecido como "Netuno, abalador da terra".

— "Netuno, o importuno", eis o que é! — disse um dia Júpiter, perdendo de vez a

paciência. — É, não tem jeito mesmo, vamos ter de lhe arrumar uma mulher...

Depois de muito pesquisar, o pai dos deuses chegou à conclusão de que a solução estava

nas mãos de Nereu, "o velho do mar". Este deus decrépito era filho da velhíssima Terra e do

antiqüíssimo Mar, e tinha uma penca de filhas, as Nereidas, assim chamadas em sua homenagem.

— Mercúrio! — disse Júpiter.

— Sim, meu pai — disse o deus dos pés ligeiros.

— Vá até o fundo do mar e me traga o velho Nereu.

No mesmo instante, Mercúrio, que era extremamente rápido em tudo que fazia, calçou

suas sandálias aladas e rumou para o oceano. Dando um mergulho espetacular, chegou até os

domínios de Nereu.

Mais tarde, no Olimpo, Júpiter exclamou, ao ver a visita:

— Nereu, velho amigo, que bom vê-lo aqui no Olimpo outra vez!

— O que ordena, deus supremo? — disse Nereu de longas e alvas barbas.

— Quero que ceda uma de suas filhas a meu irascível irmão — disse Júpiter, pondo uma

mão sobre o ombro do velho amigo. — Não posso mais suportar as suas teimosias e temo que

haja um confronto mais sério entre nós, caso ele não se acalme.

— Pois não, Júpiter poderoso — disse Nereu. — Pode escolher qualquer uma de minhas

cinqüenta filhas.

— Cinqüenta? — exclamou Júpiter, puxando o lóbulo da divina orelha. -Mas não eram

cem?

— Podem ser cem, como podem ser mil, deus supremo — disse o pobre Nereu, cuja

memória já claudicava há muito tempo.

Depois de estudar a questão e analisar uma por uma as Nereidas, chegaram, enfim, a um

consenso:

— Anfitrite será a esposa de Netuno! — disse Júpiter, jubiloso.

— Anfi-quem? — disse o pobre Nereu.

— Esqueça — disse Júpiter, dando uma palmadinha na face enrugada do amigo.

No mesmo dia Júpiter comunicou a escolha ao mal-humorado irmão, que decidiu, ainda

assim, conhecer a sua futura noiva.

— Vá com calma — disse Júpiter. — As filhas de Nereu costumam ter o senso de

independência muito pronunciado.

Mas Netuno, que tinha o senso de prepotência ainda mais pronunciado, não se intimidou.

— Onde posso ir encontrá-la? — disse, já se ajeitando.

— Ela está na ilha de Naxos, junto com suas irmãs — disse Júpiter. Netuno, confiante,

partiu de seu palácio azulado no fundo do mar em direção a Naxos, conduzindo seu carro

puxado por golfinhos.

Fazia um lindo dia de sol quando chegou às margens pedregosas da ilha. De fato, por

cima dos grandes rochedos franjados pelas espumas do mar, lá estavam as encantadoras filhas de

Nereu, algumas deitadas, descansando, enquanto outras, mais animadas, executavam os passos de

uma movimentada dança. De vez em quando uma delas, estirando sua longa cauda recoberta de

escamas douradas, dava um mergulho repentino nas águas verdes do arquipélago: um grande

borrifo verde erguia-se, então, como se elas lançassem lá do fundo um imenso punhado de

esmeraldas, que subiam, faiscando, em todas as direções.

Netuno, boquiaberto, pasmava para aquela cena paradisíaca.

— Verdadeiramente encantadoras... — exclamou o excitado deus, tratando, em seguida,

de sentar-se ligeiro em seu carro.

De repente, escutou a voz de uma das Nereidas.

— Ei, Anfitrite! Venha juntar-se a nós, sua boba!

Os olhos de Netuno voltaram-se para uma grande pedra isolada, que estava situada mais

para dentro do mar. A pedra tinha o formato de um leito, magnífico trabalho de polimento

operado pelas perfeccionistas Ondas, que durante séculos, com toda a calma, a haviam polido até

dar-lhe aquela conformação ideal.

Em cima daquele leito solitário e da cor do chumbo estava estendida a divina Anfitrite.

Era uma das poucas Nereidas a ter os cabelos negríssimos, da cor da noite, enquanto que as

escamas de sua longa cauda tinham uma brilhante cor prateada, matizada por maravilhosos

reflexos azulados e cor-de-rosa que se alternavam ao menor movimento. Com as costas coladas à

pedra, Anfitrite dos cabelos negros tinha a face voltada para o alto; seu braço direito, caído sobre

o rosto, protegia seus olhos dos raios fortes do sol, enquanto os peitos firmes apontavam para o

céu.

Netuno empinou seu carro na direção da Nereida de esbelto corpo. Emparelhando com a

rocha, Netuno esteve longo tempo a observar os traços de Anfitrite, para ver se podia confiar em

suas virtudes. Mas a ninfa adorável permanecia com o rosto quase completamente oculto pelo

braço. O deus dos mares, na verdade, só podia observar direito o nariz perfeitamente aquilino de

Anfitrite e sua boca úmida e carnuda, maravilhosamente desenhada para o beijo.

"Que mulher!", pensou Netuno, quase apaixonado. "Se tais são seus lábios e seu nariz...

oh, como não haverão de ser seus divinos olhos!"

Um arfar mais indiscreto do deus, contudo, despertou a atenção da formosa Anfitrite. Seu

braço caiu e as pestanas de longos cílios recurvos ergueram-se, piscantes — e foi, então, como se

duas estrelas houvessem se descortinado. -Divina e encantadora Anfitrite! — disse a voz rouca ao

seu lado. — A partir de hoje será minha divina esposa e a você caberá a honra de ser, para

sempre, o repositório sagrado de meu divino sêmen.

Anfitrite, assustada, ao enxergar a seu lado aquele homem espadaúdo, de longos cabelos

recobertos de mariscos e uma barba hirsuta tostada pelo sol a lhe dizer tais disparates, deu um

ágil mergulho para dentro da água. Netuno ainda conseguiu agarrar um pedaço de sua cauda, mas

as escamas lisas escorregaram por entre seus dedos, até surgir a grande e quase transparente

barbatana, leve e fremente como um leque, que lhe deu uma bofetada, antes de desaparecer nas

ondas.

— Para onde foi... ? — bradou o deus, desesperado.

E desde aquele dia Netuno perdeu Anfitrite de vista. Percorreu todos os mares, foi mil

vezes ao palácio de Nereu, nas profundezas do mar, mas ninguém sabia dizer onde ela estava.

Irado, Netuno começou a sapatear e a bater ferozmente com seu tridente por toda parte,

demolindo os imensos rochedos subterrâneos e provocando, com isso, terríveis maremotos na

superfície dos oceanos. Ondas imensas eram cuspidas para o alto e montanhas inteiras

arremessadas para as costas das cidades marítimas, levando o pânico a todos os mortais.

Finalmente, Júpiter, no último limite da aflição, ordenou a Nereu que revelasse o local

onde a apavorada Anfitrite fora se ocultar. O pobre velho não sabia, mas sua esposa Dóris, como

toda boa mãe, sabia — e muito bem.

Depois de um sem-número de pedidos, Júpiter finalmente conseguiu obter da mãe das

nereidas o que os rogos e súplicas do velho marido, é claro, não tinham podido alcançar.

— Somente as carícias de sua divina filha poderão suavizar o rude temperamento de meu

irmão — disse Júpiter à ainda reticente Dóris. — Quando isto acontecer, e a crosta primitiva de

meu irmão houver caído, verá ela que se casou com um homem gentil e atencioso, além, é claro,

de ter se tornado rainha de todo um império.

— Rainha de todo um império... — resmungou várias vezes a mãe de Anfitrite, até que

finalmente cedeu, embora fizesse questão de afirmar que não fazia o menor caso de vir a se

tornar mãe da "rainha de todo um império".

Revelado o esconderijo da filha de Nereu, o impaciente Netuno rumou para lá,

silenciosamente, montado em seu discreto golfinho. Dentro de uma caverna, oculta por uma

floresta de líquens, estava a assustada Nereida, quando Netuno, pé ante pé, adentrou o recinto.

— Anfitrite adorada! — disse ele, cujas barbas estavam lustrosas do aromático âmbar. —

Venha comigo e garanto que não terá jamais motivos para se queixar de mim.

Netuno parecia realmente mudado: trajado modestamente, sem aquele ar arrogante que o

caracterizava, havia deixado em casa até o seu horroroso tridente. Anfitrite, cautelosa, estudou

ainda, longamente, o aspecto do deus. Depois, ainda indecisa sobre se deveria ou não aceitar

aquela proposta, perguntou, amuada:

— E quanto àquele negócio de "meu repositório de sêmen"?

— Oh, não, esqueça esta bobagem! — disse Netuno, baixando os olhos. -Você será, para

sempre, apenas o repositório de minha divina devoção e meu divino carinho.

Ainda mais corado por aquele sorriso de superioridade da divina Nereida, Netuno

enterrou as unhas nas palmas das mãos e resolveu voltar ao velho estilo.

— Venha, vamos de uma vez, minha rainha! — disse, encurralando-a na parede da gruta

úmida e dando-lhe um beijo intenso e apaixonado.

Depois levou-a nos braços até o golfinho e retornaram para o palácio de Netuno, onde

ambos, desde então, governam felizes o imenso império dos mares.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Cem Melhores Historias Da Mitologia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.