O corpo cansado... O espírito abatido.

Era assim que eu me encontrava após mais um plantão.

Já faziam quatro semanas desde que eu estivera na casa de Bella.

Eu não a tinha visto mais.

Mas felizmente eu recebia todos os dias a visita da Sra. Agnes e Nessie para alegrar meu dia.

A pequena garotinha não havia conquistado só á mim, mas a todos que trabalhavam no hospital.

Ela chegava sorridente e abraçava todo mundo, sempre me deixando por último.

Ela me dizia que era por eu ser especial e que também poderia ficar mais um pouquinho comigo.

Ela era esperta demais.

Meu amor por ela se consolidava a cada visita.

Todos os dias eu desejava fortemente que ela fosse minha filha.

Mas mesmo sabendo que não, eu a amava como seu verdadeiro pai.

Um sentimento paterno tão forte, que eu faria até mesmo loucuras pela minha pequena.

Através delas eu conseguia notícias de Bella também.

Ela continuava trabalhando sem parar.

Não tinha folgas e os machucados só aumentavam de acordo com a Sra. Agnes.

A bondosa senhora havia se tornado uma grande amiga e conselheira para mim.

Ela relatava a vida de Bella e Nessie, possibilitando-me ajudá-las da melhor forma.

Mas nada disso me ajudava.

Aquele amor parecia estar concretizado em meu peito. Como uma marca que é feita em brasa.

Para sempre.

Eternamente.

Eu não acreditava na possibilidade de amar outra mulher.

Era somente ela.

Eu tentava ser indiferente, mas falhava cada vez que ficava imaginando Bella, quando olhava para os olhos de Nessie.

Eu a visualizava diariamente no olhar de sua filha.

O amor estava me destruindo.

Lentamente.

Pois eu sabia que eu sairia ainda mais machucado do que no passado.

E isso me assustava.

Por que agora eu amava também a Nessie.

Um dia sem a visita da pequena de olhos brilhantes, de voz fina e gentil, me deixava na mais profunda tristeza.

Mas eu tentava dia após dia.

Não procuraria Bella jamais. E também não sentia mais ódio ou desprezo.

Era impossível.

Antes de adormecer, minha mente vagava para minha infância, me recordando da felicidade que eu possuía.

O dia em que a conheci.

Nossas brincadeiras e conversas.

Daquela atmosfera silenciosa após o nosso primeiro beijo.

De nós dois.

Memórias On

Eu observava a garotinha correr desesperadamente na tentativa de me vencer.

Impossível.

Eu era mais rápido.

Cruzei a linha de chegada com um sorriso nos lábios e um grito de vitória.

Um grito de dor ecoou.

Olhei para trás a tempo de ver Bella tropeçar e se estatelar no chão.

Um gritinho fino escapou de seus lábios enquanto ela colocava a mão sobre o joelho ralado. Voltei depressa me ajoelhando ao seu lado e olhando seu ferimento.

-Bells, você está bem?- perguntei aflito.

-Ai! Estou... só o meu joelho que ralou.

-Deixa eu te ajudar. Vem!

Peguei-a no colo e observei o rubor tomar conta de seu rosto.

Apesar de meus 11 anos, eu era um menino forte e Bella tinha apenas 9 e era bem magrinha, o que facilitava meu trabalho de transportá-la para debaixo de uma árvore frondosa.

-Prontinho. Espere aqui que eu vou lá em casa, pedir remédio pra mamãe.

-Não! Não está doendo Edward... Olha! Nem sangrou. - disse com um sorriso.

-Mas você tinha que cair de novo! - gargalhei

-Não ria seu chato! Afinal você ganhou!

-É claro!

-Convencido!

Um tapinha estalou no meu braço.

-Não adianta me bater! Eu sou mais rápido e agora quero um prêmio.

-O que? Ah! Nada de me fazer subir na árvore com você de novo! Eu não vou!

Olhando seu rostinho corado, as sardas no nariz se movimentando conforme ela falava... Seu sorriso. Naquela hora tive a certeza do que eu queria como prêmio.

-Quero um beijo.

-De quem?

-Seu, oras!

Ela virou o rostinho me oferecendo à bochecha vermelha.

-Quero beijar sua boca.

Ela virou-se rapidamente.

-Como papai beija a mamãe?

-Sim.

-E porque quer me beijar?

-Porque gosto de você, Bells.

Ela baixou os olhos, envergonhada.

-Eu gosto de você também Edward.

Eu ainda me lembrava da sensação maravilhosa quando segurei seu rosto e escovei meus lábios nos seus.

Macios e quentes.

Pequenos.

Suaves, tal como um pêssego.

Ali, nossas almas eram ligadas.

Tudo o que eu ouvia era o canto dos pássaros, o barulho das árvores balançadas pelo vento.

Tudo o que eu sentia era o palpitar dos nossos corações o calor que emanava de nossas mãos entrelaças.

O cheiro de suor, de grama cortada e de morangos.

Infantilmente aquele momento era mais do que perfeito.

Um beijo inocente.

O primeiro beijo.

O nervosismo mesclado à expectativa, obtiam um resultado fantástico.

Ela tinha os lábios doces.

O hálito quente.

Um primeiro beijo perfeito.

E aquele foi o primeiro de muitos.

O começo de tudo.

Memórias Off

O telefone toca.

Uma, duas, três vezes.

Contra minha vontade, me levanto para atender.

-Alô?

-Edward? Oi, me desculpe ligar tão tarde, mas preciso da sua ajuda... É para a  Bella.

Estaquei.

Minha mente imaginando o pior ao ouvir as palavras da Sra. Agnes.

-O que aconteceu?!

-Ela já deveria ter chegado á quatro horas,estou preocupada, Edward me ajude! Por favor! - implorou.

-Fique calma Sra. Agnes, eu vou até o bordel e a trago de volta. Cuide de Nessie e não se preocupe.

-Obrigado Edward!

Desligo o telefone, ainda sentindo o corpo gelado.

Algo me diz que Bella necessita de ajuda.

XXX

Eu dirigia velozmente pelas ruas a fim de chegar mais rápido até Bella.

Minha mente vazia.

Nada se passava. Estranhei.

Eu ultimamente só pensava e remoía lembranças.

O coração acelerado, a respiração curta.

Aquele torpor, invadindo-me e me deixando zonzo.

Minhas defesas haviam caído por terra.

Eu estava atrás dela.

Eu não havia prometido me afastar?

 Entrei no bordel à procura de Bella.

O dono da casa me informou que ela ainda estava no quarto com um cliente, que havia pagado por horas extras.

Suas palavras não sendo captadas por meu cérebro. Eu tinha pressa.

O instinto de proteção pulsava dentro de mim.

Ignorei-o e subi apressadamente.

Escuto gemidos.

Gemidos sôfregos, mas não de prazer.

Gemidos de dor.

Entrei num rompante dentro do quarto à procura dela.

Uma visão grotesca instalada à minha frente.

Um homem gordo e sujo a possuía enquanto outro igual a ele na aparência fazia o mesmo por trás.

Bella tinha as mãos amarradas, e um lenço decrépito circundando sua boca.

Com o rosto vermelho de lágrimas, ela gemia tentando se soltar, sair desesperadamente dali. Os cabelos sendo puxados com violência enquanto gritos obscenos ecoavam pelo quarto.

Tortura.

A ferida parecia rasgar, atingindo minha alma ao vê-la daquela maneira.

Desumano.

Nossos olhos se encontraram apenas por alguns segundos.

Súplica.

A mesma garotinha a qual eu havia beijado, agora me implorava silenciosamente por ajuda.

Sua dor se tornando a minha.

Minha visão tingiu-se de vermelho, a revolta me dando forças inimagináveis.

Me lancei em cima de um dos homens o atingindo no rosto.

Eu o socava repetidamente.

Minhas mãos sem controle.

Eu acertava o seu rosto com fúria, por ele ter encostado suas mãos imundas em Bella.

A dor em meu peito se misturava a secura existente em minha garganta.

Era tudo tão confuso.

Mesmo Bella não estando mais comigo, eu ainda sentia o mesmo sentimento de proteção.

Raiva.

Sinto uma mão me agarrar.

Um soco. Dor. Confusão.

Um emaranhado de braços e corpos rolando no chão numa briga mortal.

Mais homens. Nova briga.

Separam-me.

Eu vasculho o quarto à procura de Bella e a encontro chorando encolhida na cama.

Aqueles homens são retirados para fora.

Enquanto são levados, me levanto pegando uma camisola e vestindo em Bella apressadamente.

Instinto de fuga.

Ela treme, parece estar em choque.

Me olha com seus olhos grandes e castanhos que expressam agradecimento.

Ergo-a em meus braços e saio daquele bordel o mais rápido que posso.

Passos maiores do que minhas pernas conseguem dar.

Como daquela vez, com seu joelho ralado.

Mas agora seu ferimento é mais profundo.

Todas as minhas promessas de distância quebradas.

Não me importo.

Com ela em meus braços, fungando em meu pescoço, procurando refúgio, me sinto o mais forte dos homens.

Eu cuidaria dela. A protegeria.

Olhei seu rosto encostado no banco do meu carro, enquanto à levava para casa para cuidar de suas feridas e jurei a mim mesmo que ela jamais voltaria para aquela vida.

Ela abre os olhos.

Chegamos em minha casa. Eu a levo para dentro.

Ela continua a me encarar.

Sua face lívida, continua molhada por lágrimas.

Tremores atravessando seu corpo.

Inesperadamente ela me abraça tão forte quanto seus pequenos braços podem suportar.

Ela continua seu choro sofrido.

Eu a acompanho.

Duas almas em busca de alívio para dor...

Dois corações em busca de felicidade.

Em um abraço, num pedido mudo de socorro.

Entrelaçados como um corpo só.

Feitos para se completar.

Apesar de todo o desespero, uma esperança toma conta de mim.

Ela ainda poderia me amar.

Aquele abraço era o mesmo antes dela partir. Eu posso sentir a mesma pressão, o mesmo calor.

A ferida em meu peito parece estar amenizada enquanto continuo abraçado à ela.

Um momento tão confuso para mim, mas ao mesmo tempo tão certo.

O sol começava a raiar, sua luz invadindo meu quarto, nos aquecendo, trazendo aquele brilho especial da manhã.

Eu sentia que seria um novo dias para nós.

Uma nova promessa era feita.

Independente de qualquer coisa, eu a amaria para todo o sempre.

Não tentaria esquecê-la, nem me afastaria mais.

E nunca tais palavras pareceram tão certas para mim.

Talvez eu devesse acreditar na esperança.

Amanhã seria um novo dia.

E eu poderia continuar só e sofrendo, mas também poderia ser o dia mais feliz da minha vida.