A Hospedeira - Depois Da Chuva escrita por Rain


Capítulo 6
Capítulo 6 - "Em casa"




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Aos poucos nossos passos foram sincronizadamente ficando mais rápidos e, quando chegamos perto de nossa porta, Ian me pegou nos braços como já tinha feito tantas outras vezes. Dessa vez, no entanto, isso pareceu ter para ele um significado diferente.

Diante da porta, ele parou e me beijou e eu fiquei feliz por não ter que confiar nas minhas próprias pernas para me manter de pé, mas em poucos segundos ele levantou a cabeça separando nossos lábios. A contrariedade que isso teria me causado nem teve tempo de se instalar, porque ele me apertou contra o peito de um jeito tão terno e me olhou com olhos tão ardentes, que eu me senti o ser mais estúpido de todos os mundos conhecidos por ter evitado aqueles olhos de neve e safira durante todo o dia.

Se antes, no corpo forte e alto de Mel, ele parecia mal notar o meu peso, carregar esse corpo pequeno aparentava ser um esforço insignificante para ele. Num movimento rápido ele dobrou uma das pernas e me colocou sentada sobre ela, enquanto usava a mão livre para empurrar uma das portas com o mínimo possível de estardalhaço. A porta tombou num baque surdo, pendendo sobre algumas caixas que tinham ficado atrás dela. Ele me colocou delicadamente sobre a nossa cama e voltou-se para rearranjar a porta. Eu me sentei e fiquei admirando o contorno de suas costas. Senti que podia olhar para ele por horas a fio, mas eu queria muito que ele se virasse e olhasse para mim também. Subitamente, toda a timidez herdada desse corpo desapareceu, dando lugar àquele calor que me transformava em alguém diferente sempre que ele estava por perto. Nesse momento eu já não era mais eu, era ele, era um ser novo, que nos misturava e nos unia indefinidamente.

Mas ele não se virou para me olhar de volta como eu queria, ficou uns segundos parado, a cabeça baixa, os ombros tensos que ele soltou num suspiro quando finalmente falou:

– Peg, precisamos conversar – ele disse, enquanto se virava e caminhava até mim com o rosto torturado de desejo e preocupação.

– Ian, você acha que eu não sei o que está para acontecer? Que eu não sei o que eu quero?

– Não é isso, eu sei que você sabe. E você não sabe como eu me sinto quando você me diz que é o que você quer... – ele puxou o ar e fechou os olhos enquanto passava a mão pelo cabelo. – Eu só não sei se você sabe o que isso significa para o nosso relacionamento do ponto de vista... humano.

Eu não estava entendendo onde ele queria chegar e, francamente, essa conversa estava me chateando um pouco:

– Você acha que eu não sei lidar como os meus sentimentos humanos?

– Eu só quero fazer as coisas certas com você, Peregrina. Agir direito. Não sei se você sabe exatamente o que significa para mim. O que eu sei é que, por mais que eu te deseje, preciso que você entenda que com você é muito mais do que isso. Claro que seria maravilhoso finalmente estarmos juntos, mas talvez não seja a hora.

Um frio tomou meu coração ao lembrar os escrúpulos de Jared no começo, por causa da idade de Melanie. Entrei em pânico ao pensar que ele estivesse sofrendo o mesmo dilema. Com a voz me escapando em golfadas e os olhos cheios de lágrimas eu tentei dissuadi-lo:

– Eu não sei por que você está me tratando como criança. COMO PODE SER? EU TENHO MILHARES DE ANOS HUMANOS, IAN!

Aquilo o surpreendeu e rapidamente ele me abraçou, me embalando e tranqüilizando como a um bebê. Isso me irritou ainda mais, mas eu sabia que ele só queria que eu parasse de gritar e me acalmasse. E foi o que eu fiz:

– Isto é só um corpo, Ian. Apenas um corpo jovem, mas a Alma que mora nele, a antiga alma peregrina pela qual você se apaixonou sabe muito bem o que está fazendo.

Ele mordeu os lábios com uma expressão estranha no rosto, quase... divertida. Isso mesmo! Ele estava rindo de mim! A adolescente em que eu vivia estava frustrada e irritada. Estava até um pouco magoada. Eu precisava assumir o comando desse corpo, dessas emoções e dessa situação imediatamente!

A expressão em meu rosto, nova como era para mim o sentimento de estar irritada com ele, deve ter sido hilária porque ele não conseguiu aquentar mais e explodiu numa risada gostosa:

– Você fica tão bonitinha quando está nervosinha! - disse ele, ainda entre risos.

Aquilo me desarmou completamente, ainda mais quando ele começou a beijar minha boca, minha testa, meu pescoço... O rosto dele vermelho e o peito chacoalhando com as risadas que entremeavam os beijos. Completamente confusa e sem reação, eu também acabei rindo com ele.

Ele pôs a ponta do dedo em meu rosto e colheu uma lágrima que a frustração fez nascer e a risada tinha libertado, e a pousou em seu próprio rosto num gesto que fez meu coração se aquecer como se estivesse exposto ao Sol.

– Eu quero rir com você sempre e roubar as suas lágrimas para elas serem só minhas e você nunca ficar triste. Eu te escolhi e, no que depender de mim, essa escolha é para sempre. Sabe, antes existia uma palavra para isso aqui na Terra. Casamento. Será que você entende que eu quero me unir a você por completo, enquanto você estiver aqui na Terra? Eu sei que isso é algo muito sério e vou entender se você disser que ainda não está preparada.

Definitivamente, meu coração estava exposto ao Sol.

– Eu também te escolhi. Eu, a alma Peregrina, que te ama completamente, humano Ian. Eu te disse que jamais teria outro companheiro, não importaria onde, nem quanto tempo vivesse. Eu te disse isso, Ian, quando nos despedimos. Como você pode ter esquecido?

– Eu não me esqueci, mas aquilo foi diferente. Quando me disse isso você achava que não haveria outras vidas, muito menos essa vida, que você não teria saída. Que você... Você fez Doc prometer não te trazer de volta.

Ele virou o rosto para não ter que me encarar. Mágoa, fúria e tristeza se misturando na sua voz. Imediatamente a imagem dele naquele dia, sofrendo como eu nunca tinha visto e jamais vi de novo, me invadiu.

Como eu o tinha magoado, como fui egoísta de não perceber o quanto ele ficaria devastado quando descobrisse que eu tinha ido embora para sempre. Que quem eu era não repousava no tanque criogênico aguardando a esperança de uma vida nova, mas sim na terra árida ao lado de Wes e Walt. Nesse instante, eu percebi o peso que era ter que proteger aqueles que eu amava de mim mesma. Então peguei o rosto dele com uma das mãos e o puxei de volta para mim. Ajoelhei-me diante dele e coloquei as duas mãos em cada lado de seu rosto, fechando seu queixo anguloso em minhas mãos pequenas, e olhei bem dentro dos olhos dele, me esforçando para que as chamas azuis não me queimassem:

– Quando te disse isso, eu tinha certeza de que não sobreviveria a você. E ainda não pretendo. Mas eu não te fiz essa promessa porque achava que não precisaria cumpri-la e sim porque eu escolhi esse planeta. Essa é a minha casa e eu não vou sair daqui para nenhum outro lugar. Mais do que tudo, não vou a lugar nenhum nunca mais sem você. Isso eu te prometo agora. Que tal isso como um voto de casamento pra você?

Ele sorriu de leve, os olhos úmidos e a voz rouca que me disse baixo e devagar:

– Acho que isso faz de você a minha esposa. E acho que eu agora preciso ser seu marido, Peregrina.

Bom, problema resolvido!- pensei antes que ele começasse a me beijar e eu não pensasse em mais nada.

Num instante, nossas roupas estavam jogadas em todos os cantos, eu olhei para ele e me dei conta de que nunca o havia visto. Ao vê-lo de verdade, por inteiro, eu desejei que cada centímetro do meu corpo estivesse colado àquele corpo magnífico. Ele pareceu ler meus pensamentos. Fogo e gelo se alternavam sobre minha pele, fazendo queimar de desejo onde ele me tocava e provocando arrepios que me tomavam da cabeça aos pés ao mesmo tempo. Enquanto uma de suas mãos agarrava meus cabelos, a outra descia pelas minhas costas, fazendo um caminho de fogo por onde passava até chegar à parte de trás do joelho. Ele dobrou a minha perna sobre a dele e deitou-se sobre mim.

E o resto do mundo todo foi varrido pela fúria do vento.


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