O jantar correu normalmente. Ian permaneceu do meu lado respeitando meu silêncio e conversando com Jamie sobre coisas cotidianas. No fim da noite, como sempre, alguns ficaram para me ouvir e fazer perguntas. A história da Cavaleira da Besta era a preferida de todos agora. Jamie, em sua inocência, dizia sempre:

- Não sei por que você não contou essa antes.

- Pois é... Eu também não sei. – Jeb sempre completava com ar falsamente inocente, enquanto dava uma piscadela para mim para deixar claro que gostava de me provocar.

Agora, além das minhas próprias histórias, eu tinha também algumas lembranças de Pet. Mas eu não gostava de falar dela, parecia desrespeitoso e era muito doloroso. Eu me sentia enlutada. Sentia saudade dessa Alma que nunca conheci e também sofria pela mãe que ficou para trás e que eu jamais veria. Muita coisa era diferente agora. A maior parte para melhor, mas essa era a parte dolorida com a qual eu tinha que lidar. 

Apesar de todas as mudanças, as noites depois do jantar corriam praticamente iguais a antes. Eu ainda tinha um público cativo: os meus amigos, acrescidos de Kyle e Sunny, e, ocasionalmente, Candy. 

Sunny se divertia particularmente ouvindo as histórias, acho que a ajudava a lidar com as saudades de casa. Às vezes ela se empolgava e também contada alguma coisa ou se antecipava e respondia alguma pergunta feita para mim. Quando isso acontecia, Kyle sorria por vê-la feliz, mas logo essa expressão se anuviava e a de Sunny, ao perceber isso, em seguida o imitava. Acho que conhecer um pouco mais do passado de Sunny era um lembrete doloroso de que agora ela é que estava ali. O pobre Kyle sentia-se dividido entre as lembranças de Jodi e seus sentimentos pela Alma que ocupava o corpo de sua namorada. Quanto mais ele gostava de Sunny, mais ele se sentia abandonando Jodi. O amor sorria, mas a culpa calava e quando Sunny percebia isso, se calava também.

Candy também guardava algumas lembranças de Verana, uma ou outra vez ela se animava a contar algo, mas isso não era muito freqüente. Ela não gostava de pensar em quanto tempo ficou desfeita dentro de si mesma, sua consciência dispersa e dormente. Ela era uma grande mulher e conseguia oferecer amizade às duas Almas que agora eram suas companheiras de morada, mas eu sabia que o que nós representávamos trazia a ela certa repugnância. As pessoas com quem ela se sentia mais confortável entre todos nós eram Melanie e, incrivelmente, Lacey. Sua companheira de quarto continuava difícil de aturar para a maioria, mas era fácil entender que Candy sentia que as três compartilhavam uma experiência única entre nós e isso criava entre elas um laço parecido com que eu criara com Sunny.

Lacey também tinha suas histórias, tenho certeza, mas mesmo ela era sensível o suficiente para saber que ninguém queria ouvir sobre o passado da Buscadora, então ela se mantinha distante. Uma noite ela tentou acompanhar Candy, mas ficamos todos tão desconfortáveis que ela nunca mais voltou. Além disso, ela não gostava de mim. Ela continuava odiando Melanie, apesar dos esforços de Candy, e Mel tinha por ela quase o mesmo asco que tinha pela Buscadora. Ian e Jared também tinham dificuldades de aceitá-la no grupo e Jeb com muito custo a tolerava. Eu sentia pena porque, apesar de saber que ela jamais admitiria, Lacey devia ser muito solitária. Mel e Ian sempre repetiam, quase que em coro ensaiado: “Deixe isso para lá, ela não vale a pena. Ela é solitária porque é isso que cultiva. Ela quis assim”. Mas eu sabia que ninguém queria ser solitário e infeliz se pudesse ter amigos e uma família. Era triste, simplesmente.