Kagamine Rin POV

 
 Tudo era preto e branco.

 Eu andava pelas belas ruas monocromáticas, de mãos dadas com um garoto cujo rosto eu não conseguia ver. Nós caminhávamos, enquanto observávamos calmamente as pessoas andarem na direção contrária, sem nos importarmos. Nós tínhamos um ao outro, não precisávamos delas.

 Aquilo era tão nostálgico...A paisagem, o garoto, aquele momento...mas logo tudo começou a virar pó, tremer e desaparecer, até só sobrarmos os dois e alguma coisa nos separou bruscamente, mesmo quando tentávamos desesperadamente juntar nossas mãos de novo.

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   Acordo assustada daquele sonho. Não era a primeira vez que eu o tinha, eu sabia disso. Mas parecia tudo tão antigo, que era quase novo. Eu devia ter o tido a muito tempo...Eu só não sabia o que isso significava.

  Olho para o relógio. Eu iria chegar atrasada no colégio se não me apressasse. Não que eu quisesse ir, qualquer coisa é melhor que aquele inferno, mas se eu decidir faltar por faltar, quando minha mãe acordar ela vai dar um chilique. Suspiro enquanto vou me arrastando para o banheiro fazer minha higiene pessoal e minha maquiagem. Depois de pronta, tomo o café e escovo os dentes, sem esquecer de colocar as minhas luvas e o casaco, para esconder os cortes que havia feito em meu braço. A última coisa que eu precisava era o colégio me torrar por causa daquilo e ligar para minha casa, me mandando ir para um psicólogo. Coloco a minha gargantilha no pescoço, meu laço negro sobre a cabeça e me olho no espelho, conferindo. Meu cabelo loiro curto e repicado ainda estava um pouco bagunçado, apesar de meu esforço para arrumá-lo com ajuda do laço, e meus olhos azuis sem vida estavam contornados pela maquiagem preta, minhas olheiras ainda apareciam um pouco, um resultado da noite mal-dormida, mesmo depois de todo o corretivo que eu passei. Desde quando eu estava daquele jeito? Eu não me lembro mais o porque de ser assim, simplesmente sou. Uma garota gótica e psicopata, que queria mais fazer todo mundo explodir ou simplesmente morrer, que se corta e se odeia. Lanço um sorriso falso para o meu reflexo, o mesmo sorriso que eu venho trazendo a anos. O mesmo sorriso com o qual eu fingia que estava bem e era feliz, apenas para não me encherem. Pego o meu material e saio de casa, colocando os meus fones de ouvido e indo para o ponto de ônibus, com menos ânimo do que de costume, se é que eu tinha algum. Provavelmente eu ia pegar o ônibus lotado por causa do meu atraso.

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 Chego no colégio, vou para a sala e sento em uma das carteiras do fundo, meu lugar oficial, onde ninguém fica. Eu escutava algumas das patricinhas cochicharem e rirem, enquanto falavam sobre mim, fazendo comentários do tipo ‘’lá vai a estranha da Kagamine’’ e ‘’não é a toa que ninguém senta lá no fundo, ela sempre ta lá’’ , mas ignoro isso. Eu não preciso delas pra viver, aliás, queria precisar porque ai eu já teria morrido. Eu já estava acostumada a ficar sozinha e escutar os comentários, de qualquer modo. Os únicos que falavam comigo no colégio eram os professores, que deviam me achar uma boa aluna por eu não conversar com ninguém na aula deles e fazer todos os deveres. Alguns deles até já tentaram me enturmar com as outras garotas, mas eu rejeitei a idéia, e logo eles desistiram de tentar. Uma vida solitária assim não me traz nenhuma satisfação, mesmo assim eu aceitei até agora, porque não quero me misturar com esse tipo de gente. E eu também nem quero mudar esse meu jeito, apesar de tudo ao meu redor mudar constantemente.

Quando o professor entrou na sala, a mesma estava uma zorra. Quase todos os alunos de pé, alguns correndo e trombando nas carteiras. Dei um sorriso de canto satisfeito quando ele anotou os nomes de quase todos os alunos para descontar pontos. Menos eu, claro, já que estava sentada em silêncio como sempre. Depois de colocar ordem no zoológico de novo, ele ficou na frente da sala dando uns seis ou sete minutos de esporro na turma, e anunciou que teríamos um aluno novo. Eu resmunguei e encostei a cabeça no armário, provavelmente, era mais um pra me encher. Na verdade, este iria encher mais ainda, porque a sala estava em número ímpar antes dele chegar, e eu conseguia então, me safar e fazer os trabalhos sozinha. Agora, por causa dele eu teria que fazer com alguém.

 E então ele entrou. Eu olhei por pura curiosidade, e o vi. Os cabelos loiros cuidadosamente presos atrás da cabeça, e os sérios olhos azuis. Ele não parecia ser do mesmo tipo de gente que o resto da turma, parecia ter uma aura diferente. Os olhos dele se encontraram com os meus, e tive a impressão que sua expressão se suavizou um pouco, mesmo que por milésimos de segundo. Ele me lembra muito a alguém...não, eu tenho quase certeza que o conheço... De qualquer forma, eu não me sentia incomodada ao todo de saber que era ele que iria entrar em nossa turma, mesmo com todos os danos que isso poderia me causar, apesar de não entender direito o ‘’porque’’ de me sentir assim.

 Alguns suspiro da parte das garotas me deixou incomodada, e ao mesmo tempo irritada e confusa comigo mesma por estar me sentindo assim por alguém que no momento eu nem sei o nome. Por favor! Eu não sou desse tipo de garota retardada que cai de amores só de olhar pra alguém! Aliás, eu nem sequer lembro de gostar de alguém em toda a minha vida. Então porque isso agora? A voz fria e musical dele me tirou dos meus pensamentos, enquanto ele se apresentava na frente da turma. Isso me fez pensar que ele combinava cada vez menos com aquele lugar que eu chamava de colégio.

- Meu nome é Kagamine Len. – Ele disse sério, mas de uma forma que eu poderia descrever como um tanto entediada e como se ele estivesse sem vontade alguma de se apresentar ao resto.

 Mas espere, Kagamine...? Ele tem o mesmo sobrenome que eu? E Len...Esse nome me parece tão familiar e nostálgico...como aquele sonho...Espere...Não poderia ser ele, poderia?

ARGH! Eu tenho que parar de ser idiota, desde quando eu acredito nessas coisas?!

- Kagamine? – O Professor parece ler os meus pensamentos– Por algum acaso tem parentesco com a Kagamine Rin-san?

 Escuto algumas risadas e murmúrios das garotas falando ‘’como um gato desse poderia ter algum parentesco com a estranha?’’ enquanto Len negava com a cabeça.

- Ah, entendo...Kagamine é um sobrenome bem comum, não? De todos os modos, pode se sentar ao lado dela – E o professor apontou para a carteira vazia ao meu lado

 E, ao contrário do que o resto da turma e eu esperávamos, ele sentou ao meu lado sem pestanejar. Ele parecia pouco a vontade, assim como eu. Me peguei algumas vezes olhando pra ele durante a aula, ao mesmo tempo que ele olhava pra mim. Eu não sei como descrever isso, mas eu estava sem graça. Extremamente sem graça, na verdade. Pela primeira vez meus pensamentos não eram muito claros, e eu me preocupava até com o barulho da minha respiração. Eu sabia que ele não era como as outras pessoas, e isso me deixava ainda mais nervosa. Talvez eu só não estivesse acostumada a ficar com alguém tão perto, sem querer afastá-lo. Esse meu nervosismo me fez pensar o quão retardada eu era pra estar assim só dele sentar do meu lado ou o que.

 O sinal do intervalo toca, e o bando de animais sai correndo da sala como se alguém ali tivesse uma doença muito séria e contagiosa, ou a sala estivesse pegando fogo. Eu simplesmente me reencosto na cadeira enquanto pego meu caderno de desenhos e vou passando folha por folha, até chegar no que eu queria, para terminar de dar o acabamento. Len me observa, só estamos os dois na sala agora. Ele está conseguindo me deixar mais nervosa do que eu já estava.

- Porque não vai ficar com as outras pessoas e procurar se enturmar, ao invés de ficar aqui? – Eu pergunto, sem olhar pra ele. Ah claro, muito simpático da minha parte, sendo que eu não queria que ele pensasse mal de mim. Contive a vontade de morder a língua pela estupidez, mas ele só deu de ombros.

- Não quero me misturar com aquele tipo de gente estúpida. – Ele disse simplesmente

 Eu não esperava aquela resposta. Olho pra ele um pouco surpresa, e nossos olhos se conectaram de novo. Era isso. Era por isso que quando eu olhava pra ele, via que ele não se encaixava com o ambiente. Porque ele era como eu, e ele sabia. Tirando o fato que ele poderia se enturmar e ser popular, se quisesse.

 A seriedade que ele mostrava desde o começo da aula quebrou um pouco, e ele sorriu pra mim. Não pude evitar e sorri de volta. Há quanto tempo eu não me sentia assim? Sinto que coro um pouco, e então volto a olhar para o meu desenho. Ele ri baixo, me deixando ainda mais constrangida.



continua....